
Querida Inês Cardoso,
m.i. directora do Jornal de Notícias
O encontro que temos marcado, para o fim da tarde da próxima quinta-feira (na sede da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto), justifica a formalidade com que me dirijo à Inês Cardoso, jornalista que conheço há muitos anos e que tive o privilégio de receber no Jornal de Notícias quando ali chegou, em 1998, muito antes de se tornar directora do jornal.
Quinta-feira, querida Inês, no âmbito de uns Encontros que celebram os 140 anos da nossa Associação dos Jornalistas, vamos conversar sobre o Jornalismo actual, num exercício, quase obrigatório, do trabalho de pensar o trabalho, neste tempo de pandemia e de guerra marcado pela desinformação.
O trabalho de pensar o trabalho esteve sempre presente na velha secção do Nacional do nosso JN quando eu a editava, à data da chegada da Inês ao jornal. Curiosamente, o director do JN que a antecedeu no cargo – Domingos de Andrade – também começou esta aventura dos jornais a suportar-me, como editor, no Nacional, secção entretanto rebaptizada de Sociedade.
Velho jornalista retirado, evoco estas memórias felizes com indisfarçável orgulho. Eu, que cheguei ao JN em 1977, por indicação de Jorge Castilho, na direcção de Manuel Pacheco de Miranda, fico feliz por ter também recebido, entre outros, num canto da Redacção que sempre sonhou o JN como um jornal popular de qualidade, dois jovens que viriam a tornar-se, em momentos diferentes, directores do jornal.
Há quatro anos, pela Primavera, escrevi na Gazeta Literária, a revista da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, um texto sobre o desaparecimento dos jornais do Porto, centrando-me na então anunciada mudança do único diário portuense que resiste: o Jornal de Notícias.
Há quatro anos, já se falava (como ainda se fala) que o JN vai ceder a uma qualquer cadeia de hotéis o emblemático edifício da Rua de Gonçalo Cristóvão, edifício construído de raiz para albergar o jornal, quando os jornais eram pensados, escritos e impressos no mesmo espaço, o que implicava instalações também adequadas a uma rotativa de grandes dimensões, como era a última grande máquina impressora que o jornal adquiriu.
A sentença que aponta para a deslocalização do jornal, sentença ainda não transitada em julgado, encaixa nas opções empresariais que fizeram com que os jornais deixassem de ter tipografia e distribuição próprias e fossem perdendo peso. Eliminando gorduras, como os empresários gostam de dizer. Os outros dois grandes diários portuenses – O Comércio do Porto e O Primeiro de Janeiro – cederam as respectivas instalações históricas para outros negócios e já desapareceram.
A memória de “O Janeiro” esfuma-se agora nos corredores do centro comercial Via Catarina, na Rua de Santa Catarina, e a de “O Comércio” num condomínio luxuoso que se ergue no gaveto da Avenida dos Aliados com a Rua Elísio de Melo (a que sobe em direcção ao Túnel de Ceuta), condomínio residencial com lojas de referência no rés-do-chão.
Como então escrevi, num registo que sonhava poético: “Algumas cidades / andam a mudar de casa / – fecham livrarias / e trocam teatros / por outros espaços / de maior procura. // Algumas cidades / sem essas manias / das cidadanias. // Estranha loucura.” Mal eu sabia que pior do que esta portuense gentrificação dos jornais poderá ainda ser a contaminação que a desinformação exerça na Imprensa em que queremos confiar.
Não faltam temas para a nossa conversa de quinta-feira na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Não haverá é tempo para tudo, até pelo facto de o nosso encontro anteceder a transmissão televisiva do jogo de futebol da Selecção Portuguesa com a Selecção Turca, encontro decisivo para a nossa possível presença no Mundial de 2022, no Qatar.
Estou certo de que o público dos “Encontros do Bonjardim” acolherá esta iniciativa da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto como mais um incentivo ao indispensável trabalho de pensar o trabalho também nesta actividade de assegurar informação às populações – como um direito, não como uma mercadoria.
Até quinta-feira.
Um abraço do
Júlio Roldão
21/03/2022