Lei Europeia da IA vai ser alterada para criar segurança jurídica

 Lei Europeia da IA vai ser alterada para criar segurança jurídica

(Créditos de imagem: Steve Johnson – Unsplash)

A Comissão Europeia está a planear “alterações específicas” ao regulamento da inteligência artificial (IA), como referiu, na conferência tecnológica Web Summit, em Lisboa, Henna Virkkunen, comissária europeia para a Soberania Tecnológica, Segurança e Democracia, sustentando que o pacote de simplificação digital a apresentar a 19 de novembro, provavelmente, aliviará a carga sobre as empresas de IA.

Henna Virkkunen, comissária europeia para a Soberania
Tecnológica, Segurança e Democracia. (commission.europa.eu)

A Lei da Inteligência Artificial (LIA), que regula as ferramentas de IA, com base nos riscos que representam para a sociedade, começou a ser aplicada, gradualmente, em 2024. Contudo, tem sido alvo de críticas, por parte das grandes empresas de tecnologia e da administração norte-americana liderada por Donald Trump, que alegam que a lei sufoca a inovação.

“A próxima parte importante [da entrada em vigor da Lei da IA] será no próximo mês de agosto. E aí estamos realmente a enfrentar desafios, porque ainda não temos as normas [técnicas]. E elas precisam de estar prontas, um ano antes da próxima fase. […] Agora, temos de ver como podemos criar segurança jurídica para as nossas indústrias, e isso é algo que estamos, agora, a considerar[, ou seja,] como podemos apoiar as nossas indústrias, quando não temos as normas em vigor”, explicou Henna Virkkunen.

A comissária europeia acrescentou que as alterações à LIA necessitam, ainda, da aprovação formal do Colégio de Comissários. Ora, como a Comissão Europeia continua muito empenhada nos princípios fundamentais da lei, Henna Virkkunen não disse qual será o alcance das alterações, nem se incluirão uma pausa formal de algumas das disposições da lei.

O chamado pacote omnibus digital, um esforço da Comissão Europeia para reduzir a burocracia e para facilitar a vida das empresas, pela redução dos encargos administrativos, incluirá também alterações à política de dados e às regras de cibersegurança da União Europeia (UE).

(acif-ccim.pt)

De acordo com as versões preliminares dos planos que têm circulado, o pacote de simplificação poderá introduzir um período de carência de um ano, pelo que as autoridades nacionais só poderão aplicar coimas, por utilização indevida, a partir de agosto de 2027.

No início deste ano, os diretores executivos de mais de 40 empresas europeias, incluindo a ASML, a Philips, a Siemens e a Mistral AI, pediram uma “paragem de dois anos”, na LIA, antes de as principais obrigações entrarem em vigor. Porém, o executivo da UE garante que não está a ceder a qualquer pressão externa, relativamente ao atraso de certas disposições.

Michael O’Flaherty, comissário para os Direitos Humanos do
Conselho da Europa. (coe.int)

Michael O’Flaherty, comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa – a principal organização europeia de defesa dos direitos humanos – alertou para as consequências dos planos de simplificação. “Temos de ter muito cuidado para não descartar os principais elementos de proteção das leis. […] Se houver uma forma de juntar vários regulamentos de uma maneira mais eficiente, tudo bem, mas não vamos deitar fora o bebé com a água do banho. Não vamos ceder ao lobby muito pesado da tecnologia para tornar a vida menos onerosa para a tecnologia e, consequentemente, mais arriscada para nós”, declarou à Euronews, durante a Web Summit.

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A 9 de julho, mais de 50 organizações – incluindo a Access Now, o Centro para a Democracia e Tecnologia da Europa (CDT) e a Organização Europeia de Consumidores (BEUC), em carta enviada a Henna Virkkunen, alertavam que rever a LIA ou adiar a entrada em vigor das suas regras prejudicaria os principais mecanismos de responsabilização.

A carta, manifestando preocupação com a “pressão crescente, relativamente a um potencial mecanismo para suspender ou atrasar a implementação e aplicação da Lei da IA”, considera que “a agenda de simplificação da UE não deve ser utilizada para promover a desregulamentação, especialmente, na ausência de provas credíveis de que tal seria necessário ou eficaz”, e lembra que as regras da UE se baseiam em valores e princípios fundamentais. Por isso, segundo o documento, “os esforços de simplificação devem basear-se em proteções legais duramente conquistadas, e não [em] desmantelá-las”.

(facebook.com/aep.cci)

O alerta vem na sequência de apelos, no início de julho, de CEO de mais de 40 empresas europeias para que a Comissão Europeia imponha uma paragem de dois anos na LIA, antes que as principais obrigações entrem em vigor. Para o grupo de CEO, este atraso é necessário “para uma implementação razoável, por parte das empresas”, e para “maior simplificação das novas regras”.

A LIA – conjunto de regras que regulam os sistemas de IA, de acordo com o risco que representam para a sociedade – entrou em vigor em agosto de 2024, mas só será aplicada, na totalidade, em 2027. E as referidas empresas apelaram a uma pausa nas obrigações relativas aos sistemas de IA de alto risco, que deverão entrar em vigor a partir de agosto de 2026, e às obrigações relativas aos modelos de IA de uso geral (GPAI), que deveriam entrar em vigor a partir de agosto deste ano. Todavia, em julho, o Código de Conduta da Parceria Global de Inteligência Artificial, conjunto voluntário de regras destinadas a ajudar os fornecedores de modelos de IA, como o ChatGPT e o Gemini, a cumprir a LIA, ainda não estava elaborado, embora estivesse previsto para esse mês o seu projeto, de que estavam encarregues peritos nomeados pela Comissão Europeia.

(ayming.pt)

As empresas, alegando que não tinham tempo suficiente para cumprirem as regras, antes de estas entrarem em vigor, em agosto, pediram um período de carência.

O processo tem sido criticado desde que os peritos nomeados pela Comissão Europeia começaram a redigir as regras em setembro de 2024. Os gigantes da tecnologia, bem como os editores e os detentores de direitos, estão preocupados com o facto de as regras violarem a legislação da UE em matéria de direitos de autor e restringirem a inovação.

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As empresas canadianas estão na vanguarda da conceção de novos fluxos de trabalho com IA. Também os trabalhadores europeus sabem que a IA está a chegar a muitos locais de trabalho.

Um inquérito realizado pela Adecco, empresa de recursos humanos (RH) a 37500 pessoas, em 30 países – a maioria dos quais europeus – revela que 55% delas espera que os empregadores integrem agentes de IA nos seus fluxos de trabalho, no prazo de um ano. Não obstante, a maioria das empresas ainda não inclui os trabalhadores na conceção de processos integrados na IA: a média mundial de pessoas que afirmam estar a ser consultadas sobre formas de trabalhar com IA é de 30%. A China e a Europa ficam ligeiramente atrás, com 23% e 29%, respetivamente, em comparação com a taxa de envolvimento dos trabalhadores de 37% na América e de 50% no Canadá. E, no atinente, especificamente, aos países europeus, a taxa, nos Estados Unidos da América (EUA), na Alemanha, na França e nos Países Baixos, é de 36% – superior à média global – com a Suíça e a Eslovénia a liderarem no continente (41%).

(Créditos de imagem: Igor Omilaev – Unsplash)

O inquérito também mostra que os trabalhadores “preparados para o futuro” têm muito mais probabilidades de se envolverem em decisões relacionadas com a IA no local de trabalho. A taxa entre eles sobe para 41%.

De acordo com a Adecco, os trabalhadores preparados para o futuro são os que já experimentam, de forma proativa, as utilizações da IA no trabalho e têm curiosidade em aprender novas competências, mesmo fora do horário de trabalho. A taxa mais elevada de trabalhadores preparados para o futuro na Europa foi identificada na Espanha – a terceira, a nível mundial (7%) e ao nível da Índia. “Eles abraçam as novas tecnologias e têm competências versáteis”, afirma a empresa de recursos humanos (RH), vincando que é mais provável que respondam positivamente a questões, como; “A IA tornou-me produtivo?”

A Adecco sustenta que estes tipos de trabalhadores “não são simplesmente encontrados”, mas “apoiados pelos seus empregadores, para se tornarem talentos de alto desempenho”. Com efeito, não ficarão à espera, se não perceberem como ou onde se encaixam, já que a IA continua a remodelar rapidamente a força de trabalho. Neste sentido, estar preparado para o futuro e crescer profissionalmente torna-se cada vez mais importante para os trabalhadores.

A percentagem que diz que vai ficar com o seu empregador nos próximos 12 meses sob a condição de progressão na carreira é de 33%, um aumento de 11%, em relação a 2024.

(Créditos de imagem: Igor Omilaev – Unsplash)

A maioria dos trabalhadores entrevistados parece não temer a IA: cerca de 76% acredita que a IA pode criar mais empregos, enquanto 23% antecipa despedimentos provocados pela IA.

O país mais positivo, não só na Europa, mas em todo o Mundo, parece ser a Alemanha: 93% diz acreditar que a IA pode trazer mais oportunidades de emprego do que as que retira.

De facto, 77% dos trabalhadores, a nível mundial, afirma que a IA lhes permite, agora, realizar tarefas que, antes, não conseguiam. Isto significa ter mais tempo para realizar tarefas, como o pensamento estratégico e a verificação da qualidade e exatidão do trabalho, bem como para melhorar as competências e ser mais criativo. Ou seja, três quartos dos trabalhadores referem que a IA já alterou ou irá alterar o seu trabalho, por exemplo, modificando as atividades realizadas no trabalho ou alterando as competências necessárias para a função.

Por conseguinte, a Adecco recomenda aos empregadores que “orientem os trabalhadores no desenvolvimento de novas capacidades que acrescentem valor, através de uma atualização de competências e de um desenvolvimento de carreira orientados”, ou seja, posicionando a IA como “uma ferramenta que complementa, melhora e aumenta os esforços humanos e, portanto, capacita os funcionários”.

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O típico aviso de despedimento em massa de 2025 do diretor-executivo de indústria tecnológica, levará a pensar que a IA custou o emprego aos trabalhadores. Contudo, a realidade é mais complexa, com as empresas a tentarem mostrar que estão a tornar-se mais eficientes, enquanto se preparam para mudanças mais amplas provocadas pela IA.

(Créditos de imagem:  and machines – Unsplash) 

É certo que as ofertas de emprego na área da tecnologia diminuíram 36%, em relação a 2020, de acordo com um novo relatório do site de anúncios de emprego Indeed, mas isso não se deve apenas ao facto de as empresas quererem substituir os trabalhadores pela IA. Por exemplo, a estreia do ChatGPT, em 2022, correspondeu ao fim de uma vaga de contratações na era da pandemia. “Estamos neste período em que o mercado de trabalho de tecnologia está fraco, mas outras áreas do mercado de trabalho também esfriaram a um ritmo semelhante”, disse Brendon Bernard, economista do Indeed Hiring Lab.

Brendon Bernard, economista do Indeed Hiring Lab.
(hiringlab.org)

Os anúncios de emprego na área da tecnologia evoluíram de forma semelhante ao resto da economia, incluindo, em relação aos anúncios de emprego em que não há muita exposição à IA. Porém, isto nem sempre é claro nos e-mails de despedimento no setor da tecnologia, os quais incluem, frequentemente, uma referência à IA, além de expressões de simpatia. Por exemplo, Carl Eschenbach, CEO da Workday, referiu, num e-mail de anúncio de demissões em massa, no início de 2025, que as empresas, em todos os lugares estão a reinventar como o trabalho é feito, citando a “crescente procura” por IA na sua empresa, como a razão das demissões.

No entanto, segundo os especialistas, mais comum do que a substituição de postos de trabalho pela IA é a necessidade de mais dinheiro para implementar a IA em toda a empresa. De facto, as empresas de tecnologia tentam justificar o enorme volume de despesa para pagar centros de dados, chips e a energia necessária para construir sistemas de IA.

Bryan Hayes, estrategista da Zacks Investment Research, falando numa “faca de dois gumes”, respeito da reestruturação na era da IA, diz que as empresas estão a tentar “encontrar o equilíbrio certo entre manter um quadro de funcionários adequado” e permitir que a IA “venha à tona”.

Bryan Hayes, estrategista da Zacks Investment Research.
(zacks.com)

Hayes diz que as demissões mais amplas na área da tecnologia melhoram as margens de lucro, mas que é difícil de avaliar o que isso significa nas perspetivas de emprego dos trabalhadores. E sustenta que a IA substituirá alguns empregos, mas que também criará muitos outros.

Os trabalhadores do setor tecnológico que demonstrarem que podem tirar partido da IA e ajudar as empresas a inovar e a criar produtos e serviços, serão os mais procurados. E Hayes apontou o caso da Meta Platforms, a empresa-mãe do Facebook e do Instagram, que oferece pacotes lucrativos para recrutar cientistas de IA de elite de concorrentes, como a OpenAI.

O relatório do Indeed mostra que os especialistas em IA estão a sair-se melhor do que os engenheiros de software, mas as ofertas para esses empregos também diminuíram, o que se deve aos “altos e baixos cíclicos do setor”. Ao mesmo tempo, conclui que a IA está a ter impacto mais profundo nos empregos de nível básico, em todos os setores, incluindo o marketing, a assistência administrativa e os recursos humanos, e que isso se deve ao facto de esses empregos terem tarefas que se sobrepõem às ferramentas de IA generativas. Já os anúncios para trabalhadores com, pelo menos, cinco anos de experiência tiveram melhor desempenho.

(Créditos de imagem:  Tara Winstead – pexels.com)

No entanto, é de lembrar que a queda nas contratações de tecnologia começou antes da nova era da IA, só que a mudança nos requisitos de experiência é algo que aconteceu mais recentemente.

Por outro lado, alguns empregos parecem mais imunes às mudanças de IA. Entre eles, estão os profissionais de saúde que colhem sangue, seguidos dos auxiliares de enfermagem, dos trabalhadores que removem materiais perigosos, dos pintores e dos embalsamadores.

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Rev Lebaredian, vice-presidente da Nvidia para a
tecnologia de omniverso e simulação. (blogs.nvidia.com)

Rev Lebaredian, vice-presidente da Nvidia para a tecnologia de omniverso e simulação, afirmou, em entrevista à Euronews Next, na conferência tecnológica Web Summit, que a Europa tem de se tornar mais forte, na corrida global para o desenvolvimento da IA. Contudo, para que acompanhe os EUA e a China no desenvolvimento da IA, precisa de ter uma infraestrutura de base que permita aos investigadores e aos empresários construir a tecnologia. Na verdade, como vincou, “sem as fábricas de IA e sem a energia para as alimentar, não importa o talento que existe aqui [na Europa]”, mas, “se a Europa optar por fazer isto, então pode certamente ser líder”. A Europa “deve ser um centro de IA, de ciências informáticas e de todas as tecnologias, mas a Europa tem de participar”, acrescentou Lebaredian.

Os países europeus apostam na IA, mas querem-na com regulamentação mais rigorosa e com segurança jurídica, de forma que não leve à desumanização do trabalho e das pessoas, ou a situações anómalas, como está a acontecer na Alemanha com a OpenAI a usar letras de canções sem pagar. E os trabalhadores, regra geral, dão-se bem com essa aposta, não receiam pelo emprego e esperam a criação de novas profissões. Todavia, precisam de se precaverem contra alguns malefícios da IA, como sucede com todas as formas de progresso, tendentes a criar dependência e a subvalorizar ou a substituir a mão humana (neste caso, a inteligência humana). 

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13/11/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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