Memórias: Botequim (2)
Natália Correia retratada por Bottelho. (pt.wikipedia.org)
Naquela mesma noite, de que falei na segunda-feira (edição de 17 de Novembro), no Botequim, terminado o jantar-convívio, calhara eu ficar defronte de Natália Correia. Não precisamente em frente, mas num lugar ao lado de quem estava mesmo à sua frente, não recordo já quem. Por duas vezes, um homem abeirara-se dela e dissera qualquer coisa ao ouvido. À terceira, ela dispara para ele: “Desapareça! Você é um chato intelectual.”

Perante o brado daquela voz potente, fez-se um quase-silêncio. Natália fez uma ligeira pausa: “Sabe o que é um chato intelectual?” Virou-lhe a cara e completou: “É um parasita que se mete no púbis da minha inteligência.” O homem retirou-se entre o envergonhado e o riso. Ela olhou-me e rematou, dirigindo-se mais através de mim do que a mim, em particular: “Este homem anda a declarar-se-me há 20 anos. Já lhe disse que não quero nada com ele.”
Fez um tempo e completou, primeiro em tom baixo, como se de si para si: “É ele e o outro! Não sei onde se meteu, hoje, o outro!” Olhou-nos, a mim e aos outros, e como quem se recorda, num subir de tom forte e de auto-espanto: “Ah, pois não! Suicidou-se por minha causa há mais de 15!” Natália não mentia, nem inventava. Era excessiva porque o talento era tanto que não lhe cabia na imaginação.
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20/11/2025