UE acolheu texto final da COP 30, após incluir todas as linhas vermelhas

 UE acolheu texto final da COP 30, após incluir todas as linhas vermelhas

(earth.org)

Muitos participantes na COP30 – a 30.ª Cimeira das Nações Unidas sobre o Clima – que decorreu em Belém do Pará, no Brasil, de 10 a 21 de novembro, estavam prestes a aceitar que esta cimeira do clima, também conhecida como Cimeira da Amazónia, acabaria sem acordo, mas fez-se luz com um texto que não faz qualquer menção explícita às energias fósseis.

Na verdade, a União Europeia (UE), no dia 22 (a COP 30 deveria terminar a 21), após longa reunião do grupo, chegou a acordo para aceitar a proposta de texto final da presidência brasileira (o último país da UE a aceitar o acordo foi a França, que queria texto mais ambicioso, aliás como todos), sobre alterações climáticas, após fazer incluir todas as suas linhas vermelhas”, revelou aos jornalistas portugueses Maria da Graça Carvalho, ministra do Ambiente e Energia.

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A governante portuguesa reconheceu que o texto não terá menção direta aos combustíveis fósseis, nem fará qualquer avanço, em relação ao que já tinha sido acordado na COP28, do Dubai, de trabalhar para o progressivo abandono dos combustíveis fósseis, mas mostrou-se satisfeita por conter referência ao acordado no Dubai, uma das exigências da UE. “Temos uma ambição para a mitigação e fazemos a referência ao artigo que foi aprovado no Dubai do ‘phasing out’ dos combustíveis fósseis até 2030, […] um compromisso de implementar o que foi aprovado no Dubai. É o máximo que conseguimos obter. Era isto ou um não acordo”, disse Graça Carvalho.

Segundo o texto publicado, o projeto final do acordo entre os cerca de 200 países presentes nesta conferência climática, não contém nenhuma menção explícita às energias fósseis, contrariamente às solicitações de muitos Estados, incluindo os países europeus. Contudo, apela à triplicação do financiamento para a adaptação climática dos países em desenvolvimento nos próximos 10 anos. Ao mesmo tempo, prevê a instituição de um diálogo sobre o comércio mundial, uma novidade nas negociações climáticas. E a China, que lidera a revolta dos países emergentes contra as taxas de carbono nas fronteiras, fez disso a sua prioridade, juntamente com outros países exportadores.

Mulheres e crianças da Etiópia. (pixabay.com/pt/photos/jedane)

De acordo com Graça Carvalho, os 27 da UE fizeram incluir na proposta inicial os três pontos que pretendiam: maior ambição nas contribuições nacionalmente determinadas (NDC), referência ao que é preciso fazer para não ultrapassar os 1,5º Celsius (1,5ºC) de aquecimento, face aos níveis pré-industriais – a referência ao “Consenso EAU” (Emirados Árabes Unidos) – e o objetivo de triplicar o financiamento para a adaptação dos países em desenvolvimento.

A governante portuguesa, que admitiu ter havido o risco de se sair da COP30 sem acordo, mostrou-se aliviada por ter sido alcançado. E considerou que um não-acordo seria também “uma vitória de quem tentava boicotar este processo”, numa alusão ao presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, que ajudou a bloquear a Cimeira.

Não foi por acaso que grande dos representantes na COP30 está ligada aos combustíveis fósseis.

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Como ficou subentendido, a UE foi um dos grandes blocos de participantes que rejeitaram o projeto de acordo, apelando a compromissos mais firmes, em matéria de clima, e a discussões sobre combustíveis fósseis – uma reação que perturbou as conversações, mas que acabou por dar algum resultado, embora sem vencer os negacionistas.

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Os delegados das negociações da Cimeira da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima trabalharam até às primeiras horas do dia 22 de novembro (anteontem), para chegarem a consenso sobre uma série de propostas, como a pressão de muitas nações para citar, explicitamente, a causa do aquecimento global: queima de petróleo, de gás e de carvão para alimentar o Mundo.

As conversações, que deveriam ter terminado no dia 21, levaram os negociadores a ultrapassar esse prazo e não estava a ficar claro quando terminariam, já que os países passaram a realizar negociações de alto nível, a portas fechadas.

Os seis eixos temáticos principais da COP30 foram: a transição dos setores de energia, indústria e transporte para um modelo de baixo carbono; a proteção das florestas, dos oceanos e da biodiversidade; a transformação dos sistemas agrícolas e alimentares; o fortalecimento da resiliência das cidades, das infraestruturas e dos recursos hídricos; a promoção do desenvolvimento humano e social; e a ativação de facilitadores e de aceleradores, incluindo os setores de financiamento, de tecnologia e de desenvolvimento de capacidades.

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Como é óbvio, por minar poderosos interesses instalados e indiciar forte resistência à mudança, o primeiro eixo é o mais problemático. Não obstante, o projeto de proposta do Brasil abordava quatro questões também difíceis, incluindo a ajuda financeira aos países mais vulneráveis afetados pelas alterações climáticas e a necessidade de os países endurecerem os seus planos nacionais de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

A UE rejeitou o projeto e qualquer acordo ainda dependia de consenso entre as quase 200 nações participantes. Depois, houve a disputa sobre a criação de um roteiro pormenorizado, para o Mundo eliminar, gradualmente, os combustíveis fósseis que estão, em grande parte, a provocar o clima cada vez mais extremo da Terra.

Qualquer plano desse tipo expandiria uma única frase – “transição para longe” dos combustíveis fósseis – acordada, há dois anos, nas conversações sobre o clima no Dubai. Porém, não foi definido qualquer calendário ou processo e nações poderosas produtoras de petróleo, como a Arábia Saudita e a Rússia, opõem-se-lhe.

(Créditos fotográficos: Wirestock – climainfo.org.br)

 Mais de 80 países apelaram a uma orientação mais firme, e o presidente do Brasil, Lula da Silva, fez pressão nesse sentido, no início deste mês. E a UE, que rejeitou o projeto de acordo, apelou a compromissos mais fortes, em matéria de clima, e a discussões sobre combustíveis fósseis. Neste sentido, o comissário europeu para a Ação Climática, Wopke Hoekstra opôs-se, firmemente, ao projeto e ameaçou que os negociadores da UE abandonariam as conversações, se não fossem atendidas as suas exigências de medidas robustas de redução das emissões.

As conversações prosseguiram, devido à persistência de divergências. E o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, vincou a necessidade de unidade, afirmando que uma agenda que provoque a redução das emissões de GEE é um fator importante.

Comissário europeu para a Ação Climática, Wopke
Hoekstra. (europarl.europa.eu)

As propostas brasileiras – chamadas “textos” – surgiram na sequência de um incêndio, no dia 20, que alastrou, rapidamente, pelos pavilhões da conferência COP30, nos limites da Amazónia, levando à evacuação de algumas pessoas e do tratamento de outras, devido à inalação de fumo.

Ninguém ficou gravemente ferido, mas o incêndio resultou na perda de um dia de trabalho.

No atinente à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, a proposta reconhece que a transição global para baixas emissões de GEE e para um desenvolvimento resistente ao clima é irreversível e constitui a tendência do futuro. E “também reconhece que o Acordo de Paris está a funcionar e resolve ir mais longe e mais rápido”, referindo-se às negociações climáticas de 2015 que estabeleceram o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius (2,7 graus Fahrenheit), comparativamente com meados do século XIX.

Questão fundamental é os 119 planos nacionais de contenção de emissões, apresentados, neste ano, não se aproximarem do objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5º C. E, embora o texto não tivesse abordado um roteiro para a transição dos combustíveis fósseis, poderia terminar, com uma secção vagamente redigida sobre um plano para os próximos anos num roteiro separado.

(sites.unicentro.br)

Entre os 36 países que consideraram que o texto não ia suficientemente longe, incluem-se países ricos como o Reino Unido, a França e a Alemanha, bem como as ilhas Palau, Marshall e Vanuatu, mais pequenas e vulneráveis ao clima.

Os acordos nestas conversações são oficialmente alcançados, quando nenhuma nação se opõe e, normalmente, requerem várias rondas de negociações. Na prática, os procedimentos podiam terminar com a adoção de acordos e com o encerramento da reunião pela presidência, após ter registado eventuais objeções.

Como foi referido, em vez das habituais reuniões de pequenos grupos, a presidência brasileira convocou uma reunião de altos funcionários dos países à porta fechada, durante grande parte do dia 21, com o objetivo de reduzir o sentimento de exclusão de qualquer nação dos acordos de bastidores, mas isso não permitia que o público observasse as objeções dos países.

Vila da Barca, comunidade centenária de palafitas em Belém do Pará, no Brasil. (Créditos fotográficos: Celso Abreu – pt.wikipedia.org)

Desta vez, as conversações anuais da ONU sobre o clima tiveram lugar em Belém do Pará, uma cidade brasileira situada na orla da floresta amazónica e foi palco de manifestações da parte dos Povos Originários pela preservação da integridade do seu território e pelo reconhecimento da propriedade dos seus terrenos, bem como da parte dos ativistas pela ação climática, que parece, às vezes, estar em ponto-morto. Neste âmbito, sobressaiu, no dia 15, a Marcha Mundial pelo Clima, que reuniu cerca 70 mil manifestantes, segundo a organização (esperavam-se entre 30 e 50 mil), através de movimentos sociais ligados ao clima e de indígenas, além de lideranças de partidos políticos de esquerda. Contou com a participação da ativista sueca Greta Thunberg, da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e da ministra dos Povos Indígenas, Sónia Guajajara. E publicou uma carta com todas as reivindicações pelo combate ao aquecimento global e pela preservação de territórios indígenas.

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À medida que a COP30 entrava na reta final das negociações, a pressão para abandonar os combustíveis fósseis, para reforçar as energias renováveis e, até, para retirar a carne da alimentação atingiu o máximo histórico. Porém, apesar de o solo ser um dos maiores reservatórios naturais de carbono, a maioria dos países exclui-o dos seus planos climáticos.

A Comissão Europeia dizia que estava a usar o encontro para instar a comunidade internacional a “procurar ações mais arrojadas” para cortar emissões e para promover a adaptação aos impactos da crise climática. E para concretizar o cumprimento do Acordo de Paris, impedindo que as temperaturas globais ultrapassem 2 °C e, idealmente, 1,5 °C, os líderes são instados a olhar para o solo, a “infraestrutura discreta” do planeta.

Imagem área do Porto de Belém do Pará, no Brasil. (pt.wikipedia.org)

Ao invés de as ações ambientais ignorarem a importância do solo, à medida que os cientistas começam a aprofundar mais, o poder do solo vai recebendo a atenção que merece.

Em 2015, o solo esteve em destaque na cimeira climática da ONU, quando França apresentou a iniciativa “quatro por mil” durante a COP21, a defender que, se os solos agrícolas globais aumentassem as suas reservas de carbono, em apenas 0,4%, ao ano, isso poderia compensar quase todas as emissões anuais de GEE. Com efeito, enquanto responsável por alimentar quase todo o planeta e por regular os ciclos hidrológicos que ajudam a combater as secas e as inundações, o solo é o maior recipiente natural de carbono do Mundo. Aliás, há duas vezes mais carbono armazenado no solo do que em toda a vegetação da Terra, incluindo árvores e relva.

Contudo, apenas o solo saudável sequestra carbono, enquanto os solos degradados libertam GEE para a atmosfera.

O relatório, do Aroura Soil Security Think Tank, da Comissão Mundial de Direito Ambiental da UICN (WCEL) e da campanha Save Soil, divulgado no dia 20, conclui que os solos armazenam mais de 2800 gigatoneladas de carbono, no primeiro metro de profundidade – um aumento acentuado, face a estimativas anteriores de 1500 gigatoneladas, o que significa que os solos guardam mais 45% de carbono do que se pensava – e que 27% das emissões de carbono necessárias para manter o aquecimento global abaixo de 2 °C podem ser sequestradas nos solos, se estes estiverem em bom estado.

Impacto do CO2 elevado nas reservas de carbono do solo. (pt.wikipedia.org)

Isto corresponde a cerca de 3,38 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2), por ano. Ora, em 2022, as emissões globais anuais de combustíveis fósseis atingiram 36,8 gigatoneladas. Apesar disso, 70% dos países ignora a restauração dos solos como solução de mitigação climática nos seus planos climáticos nacionais para 2035, as NDC.

Os especialistas, aduzindo que temos uma “responsabilidade geracional” de evitar a degradação apelam a que os países se comprometam a aumentar, deliberadamente, o carbono do solo como parte da ação climática internacional.

Praveena Sridhar, diretora de tecnologia do movimento
Save Soil. (earth.org)

A este respeito, Praveena Sridhar, diretora de tecnologia do movimento Save Soil e coautora do relatório, sustenta que, para cumprir as metas de emissões, é preciso considerar o solo como uma “entidade viva”. E ao tratamento que se lhe tem dado, como sendo fator de “mera sujidade”, contrapõe que o solo “é a pele viva do planeta”, sendo cada trecho de solo saudável e vivo “um microcosmo de vida e um armazém de carbono e água”.

Por isso, Praveena Sridhar defende que garantir a saúde do solo, além de dever ambiental, é “responsabilidade geracional” essencial para mitigar as alterações climáticas.

Ao ritmo atual de degradação, há o risco de enormes reservas de carbono nos solos serem libertadas para a atmosfera, num total de 4,81 mil milhões de toneladas de CO2, por ano, o que equivale, aproximadamente, às emissões anuais dos EUA.

Embora 40% das terras do planeta já estejam degradadas, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) prevê que este valor possa subir para 90% até 2050.

O relatório alerta que as atuais emissões de CO2, nos solos dos EUA, equivalem a cerca de 75 milhões de carros. Se apenas 1% do carbono nos solos da Europa fosse libertado, corresponderia às emissões anuais de mil milhões de automóveis.

A degradação do solo resulta, muitas vezes, de práticas agrícolas insustentáveis, de desflorestação, de sobrepastoreio e de agricultura intensiva, bem como de fatores naturais, como a erosão do solo causada pelo vento e pela chuva.

(earth.org)

Ajuda a manter o solo saudável o recurso a práticas agrícolas sustentáveis, como rotação de culturas e cultura de cobertura (que melhora a estrutura do solo e lhe acrescenta matéria orgânica). Em pequena escala, previne a degradação adicionar composto ao jardim e evitar químicos. “Sem metas específicas para proteção e restauração do solo, os países raramente lhe dão prioridade, nas suas leis climáticas”, considera Irene Heuser, da UICN WCEL e do Sustainable Agriculture Law Group, explicitando: “Não existe um tratado internacional específico e abrangente, nem outro instrumento jurídico vinculativo, para a segurança do solo. A segurança do solo exige ação concertada de decisores políticos, agricultores, empresas, consumidores, etc., para promover a segurança do solo, incluindo a saúde do solo.”

Por isso, é de alterar o estatuto jurídico do solo para o salvaguardar para as futuras gerações.

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Enfim, mais um elemento da ação climática, mas que não foi objeto de estudo na COP30. No entanto, combater as emissões de GEE, a contaminação dos solos e das águas, a desflorestação, a agricultura intensiva, a acumulação de resíduos tóxicos e todo o tipo de poluição já significa ter de obter solo saudável e como fautor de moderação do clima.

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24/11/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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