A degradação do nosso ensino público

 A degradação do nosso ensino público

(radioaltominho.pt)

Pode parecer que me repito, mas o problema é grave e parece não ter fim à vista. Tudo o que já se disse e escreveu tem de continuar a ser dito e escrito.

A par das minhas obrigações profissionais, sempre mantive estreita ligação com a escola pública e os seus professores. É com estes que sempre alinhei e continuarei a alinhar enquanto tiver voz. A luta dos professores, numa determinação e intensidade nunca vista, tem trazido ao de cima a degradação a que chegou este grande pilar de qualquer sociedade democrática.

(Créditos fotográficos: Biblioteca de Imagens de Saúde Pública dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças – CDC / Unsplash)

Não é demais lembrar que, à semelhança do que se passou com a Primeira República, a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há quase 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade que libertou. Entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia está a educação. E, aqui, a ESCOLA FALHOU COMPLETAMENTE. Se não mudarmos grande número dos paradigmas que têm sido os nossos, não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram.

A iliteracia cultural e científica, mesmo aos níveis mais básicos, de uma parcela importante da nossa população, a sucessiva e elevada abstenção em actos eleitorais, assim como a irracionalidade e a violência associadas ao futebol são a prova provada desse falhanço.

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É muito grande a parcela da nossa população a quem a ESCOLA DEU DIPLOMAS, MAS NÃO DEU A EDUCAÇÃO, NEM A FORMAÇÃO E NEM A PREPARAÇÃO ESSENCIAIS A UMA CIDADANIA PLENA. Educação, formação e preparação, três grandes défices que António Costa, em começos do seu primeiro mandato, como primeiro-ministro, há pouco mais de oito anos (em 26 de Novembro de 2015), disse serem sua grande preocupação. Preocupação que, infelizmente, pouco ou nada mudou. Verdadeiros défices na educação, na formação e na preparação para uma cidadania plena abriram as portas a um populismo, a que a democracia deu voz e que, usufruindo da liberdade dessa mesma democracia, nos procura arrastar para um modelo de sociedade que a História já mostrou que sempre nos amordaçou, com consequências funestas.

No que respeita ao nível e exigência de ensino nas nossas escolas, não aprendemos nada com o ideal da Instrução Pública posto em prática na Primeira República. No preâmbulo do Decreto de 29 de Março de 1911, lê-se: “Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias.”

(Créditos fotográficos: Marília Castelli – Unsplash)

Reafirmo que considero os professores, incluindo os educadores, os mais importantes elementos da sociedade e, uma vez mais, que é necessário e urgente conferir-lhes o estatuto, a atenção e a dignidade compatível com essa importância. Antes de me pronunciar por esta luta que, a todas as horas, nos entra em casa, através de todos os canais de televisão nacionais, detenhamo-nos na referida degradação, afirmando, desde já, que não estou aqui para agradar nem para desagradar a quem quer que seja. Estou, apenas, a revelar a análise que faço de um problema nacional que sempre me preocupou.

A degradação do nosso ensino público é uma deplorável e angustiante realidade. Todos sabemos que se alargou a escolaridade obrigatória e gratuita até ao 12.º ano. E isso foi bom. Foi, mesmo, muito bom. No meu tempo, a escolaridade obrigatória e gratuita era a chamada 3.ª classe (actual 3.º ano). Todos sabemos que o parque escolar deu um grande pulo em frente, comparativamente ao de um passado que nos envergonhava. Mas a verdade é que não chega. Está “a léguas” de chegar.

(Créditos fotográficos: Alex Almeida / Folhapress – educacao.uol.com.br)

Com base nas classificações (os “rankings”, como se tem dito) oficialmente divulgadas, é para mim claro que escolas públicas más e alunos maus, em quantidade preocupante, são, entre nós, uma vergonhosa realidade. Uma realidade que expõe a muito pouca atenção que tem sido dada a este sector, por parte dos sucessivos governos do Portugal de Abril. Para vergonha nossa, estas classificações são cada vez mais preocupantes, mesmo contando com a desnatação dos programas e com as facilidades nos exames. Percebe-se, assim, porque é que continuamos na cauda da Europa. Estamos a assistir à destruição do futuro dos nossos filhos e netos e as causas não são difíceis de encontrar:

1 – As dotações orçamentais têm sido e continuam a ser insuficientes para a importância deste sector na sociedade. Radica aqui a causa dos baixos salários de todos os profissionais de ensino, dos professores e educadores aos agora chamados “assistentes operacionais”, passando pelos administrativos, e tudo mais que importa melhorar;

2 – Entre nós, uns ministros fazem e outros, logo a seguir, desfazem. O drama é que a escola exige políticas estruturais continuadas. Não se planeia nada, resolve-se tudo na urgência e acrescenta-se cada vez mais burocracia e controlo. Os titulares da pasta entram e saem, mas a poderosa e impenetrável “máquina ministerial” tem lugar assegurado até à aposentação, dominando, entre outros, a concepção e a elaboração do que eram programas, que foram extintos, e de que restam umas indefinidas e genéricas “aprendizagens essenciais”, e dos questionários dos exames nacionais;

3 – A preparação de professores tem muito que se lhe diga e o sistema de avaliações, demasiado injusto, não ajuda a elevar o nível do ensino. Avança-se por quotas e não por mérito. Praticamente, nada avalia. Lembre-se que propostas de avaliações a sério têm sido rejeitadas por parte dos muitos que não querem ou receiam ser avaliados. Neste capítulo, os maus professores, que os há e não são assim tão poucos, os tais que recusam as avaliações a sério e veem na Escola um emprego assegurado até à aposentação, têm contado com o apoio dos sindicatos, que põem ao mesmo nível os bons e os maus profissionais;

4 – O chorudo negócio das editoras produz e comercializa os manuais escolares sem uma rigorosa supervisão científica e pedagógica, em disciplinas como a Geologia, por exemplo. São muitos os que se repetem acriticamente, com noções estereotipadas e, por vezes, com erros, tantas vezes denunciados;

(Créditos fotográficos: Charles Guerra / Agência RBS – gauchazh.clicrbs.com.br)

5 – Os pais ou encarregados de educação que não estão à altura das suas responsabilidades. Pais e encarregados de educação, já instruídos e educados no pós-Revolução de Abril, a quem a escola deu, igualmente, muito pouco;

6 – As escolas empobreceram e os professores são contratados à hora. Os funcionários vêm do Instituto do Emprego e Formação Profissional e são precários e mal pagos. Deixou de haver equipas pedagógicas, com professores de apoio, animadores, psicólogos. Tudo é escasso. Voltou-se às aulas expositivas e às turmas numerosas. Tudo numa permanente política de poupança.

7 – A escola progressivamente mais empobrecida, deixou de ser uma “comunidade educativa”. É o ministério que define tudo sobre objectivos, matérias e conteúdos. Os agrupamentos de escolas dispõem de uma mecânica que obriga muitos professores a correrem de umas para outras, sem trabalho em equipa. Os professores só reúnem para dar as avaliações.

8 – A carga burocrática que se abate sobre os docentes, em planos, arrevesados descritivos de metodologias e estratégias, “adaptações” de critérios de avaliação e obrigatoriedade de justificações que se traduzem em inflação de classificações para obter sucesso estatístico. Os “bons” professores fazem maravilhas, mas tudo está montado para trabalharem como lhes mandam.

(altominho.tv)

É urgente que os governantes, de mãos dadas com os bons professores (os que não temem ser avaliados a sério, e são muitos), comecem uma campanha poderosa, com base na verdade e no dever patriótico, que desmascare o que tiver de ser desmascarado e varra o que tiver de ser varrido.

Trata-se de um imperativo nacional que os Portugueses agradecem e hão-de premiar os que conseguirem levá-lo a bom termo.

Pergunto muitas vezes que infelicidade caiu sobre uma significativa parcela do nosso povo, que rejeita, com o sorriso da ingenuidade ou da iliteracia, tudo o que convide a pensar, a reflectir sobre si mesmo e sobre o mundo que o rodeia. Um mundo, tantas vezes, nas mãos de políticos incompetentes e oportunistas de que a nossa sociedade está cheia, em que, de há muito, impera a corrupção, o vírus do futebol profissional e a promiscuidade entre a política, o poder económico e a justiça. Uma parcela que bebe toda a alienação que lhe é servida de bandeja por uma comunicação social, em grande parte, prisioneira de interesses ligados ao grande capital.

Tenho pena do Ministro da Educação, ao vê-lo vaiado por multidões de manifestantes. Acompanho o seu desconforto no papel de escudo do seu próprio governo face à pressão reivindicativa de professores, pais e alunos. É por demais evidente que o ministro João Costa vai para a mesa das negociações com os representantes dos professores bem ciente das “linhas vermelhas” que não pode ultrapassar ou, melhor dizendo, que o ministro das Finanças lhe impõe. Mas o que me vem à ideia é que ele as aceita, porque, caso contrário, teria “batido com a porta”. É minha convicção de que os temas ou pontos em debate, todos, sem excepção, não passam de remendos num edifício obsoleto, de há muito a precisar de ser demolido de raiz para, em seu lugar, surgir outro, concebido e levado a cabo, numa profícua colaboração entre governos e oposições, para durar três ou mais legislaturas e que envolva gente verdadeiramente capaz de o concretizar.

Cada vez há menos interessados em seguir a profissão e os que nela labutam só esperam reformar-se, logo que a idade o permita.

(pt.euronews.com)

Todos sabemos que há boas e excelentes escolas públicas, que há bons e excelentes professores, mas o essencial do problema que temos de enfrentar reside na quantidade preocupante de escolas más e de alunos maus. E esse problema só se resolve com uma verdadeira e interessada política de Educação. É, pois, urgente olhar para esta realidade e que haja vontade para promover uma profunda avaliação e a consequente reformulação desta que é uma das mais importantes pastas da governação. Repito dizendo, uma vez mais, que esta reformulação tem de passar por um muito bem estudado programa, concebido para duas ou mais legislaturas e acordado entre os governantes e as oposições. Quero acreditar, que uma tal política há-de aparecer, mas o drama é que não vejo, nem no Partido Socialista nem nos restantes partidos, quaisquer pensamentos ou propostas políticas sobre Educação e Escola Pública.

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Nota do Director:

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04/01/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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