A dimensão demográfica, as questões estruturais e a pobreza
«A pobreza é um problema real em Portugal que, aos níveis em que está, é dificilmente admissível num estado formalmente de primeiro mundo», afirmou a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, prestando declarações aos jornalistas, no final da sua participação na abertura do segundo congresso «Presente e Futuro(s) da Segurança Social», promovido pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e realizado, durante dois dias, no Colégio da Trindade.
Maria do Rosário Palma Ramalho disse, na ocasião (a 2 de Julho), que a pobreza assume em Portugal índices impróprios. Como justificou o coordenador científico do evento, o universitário Licínio Lopes Martins, foi tido em consideração «um naipe temático relativamente a um dos temas, hoje e sempre, actualíssimo, no nosso modelo de Estado», referindo-se ao sistema de segurança social, que não pode excluir o contributo das «galerias da academia».
Na sua intervenção, enquanto congressista, a ministra admitiu que, no presente, «há mais pessoas a ter de beneficiar de prestações sociais e menos pessoas a contribuir para esse mesmo sistema» e que o governo está preocupado com o fenómeno da pobreza, a que não é alheia a situação demográfica nacional, com um crescimento natural cada vez menor. «Depois de receberem transferências da segurança social, ainda há 2,1 milhões de portugueses que continuam em risco de pobreza ou [de] exclusão social», sublinhou Rosário Palma Ramalho, dando conta de alguma ineficiência na acção do respectivo sistema, «porque continua a ter pouca eficácia para evitar a atribuição indevida de prestações».
Curiosamente, há quase 23 anos (em Outubro de 2001), a investigadora Maria Antónia Lopes – sendo conferencista nas Jornadas de Estudo «As Misericórdias como fontes culturais e de informação», organizadas na cidade de Penafiel – falou dos requerimentos dos pobres dirigidos às misericórdias como fonte histórica para o estudo da pobreza, cingindo-se ao caso de Coimbra, nos séculos XVIII e XIX.
Então, «era usual que as Misericórdias exigissem saber as condições concretas dos pobres». Como notava Maria Antónia Lopes, a «veracidade das petições vinha atestada pelo pároco e frequentemente por um médico ou cirurgião, quando o pobre alegava ser doente».
Nessas petições, «na sua maioria, redigidas por outrem», os necessitados «procuravam, o melhor possível, despertar a compaixão». Por isso, «recorriam também à lisonja, enaltecendo a auto-estima dos beneficentes [obviamente, o provedor e os mesários] e predispondo-os para a dádiva». Cabe, agora, à Segurança Social (sem esquecer o trabalho desenvolvido pelas instituições particulares de solidariedade social, com as quais se articula) assegurar os direitos básicos dos cidadãos, a igualdade de oportunidades e a coesão social de todos os que aqui vivem e trabalham, incluindo os estrangeiros, para que não se observe as bolsas de pobreza que indignam nem se oculte a carência envergonhada.
É, pois, preciso conhecer a dimensão demográfica do empobrecimento, identificando – como o fez Maria Antónia Lopes, na sua investigação histórica – não só os «suplicantes», os quais eram atendidos porque pertenciam «à pobreza merecedora da assistência», embora não correspondessem e, supostamente, continuam a não se equiparar «a toda a pobreza existente na cidade».
Como manifestou Manuel Alegre, na qualidade de candidato presidencial, em Dezembro de 2010, a pobreza não se dissipa «com restos de restaurantes», exige a resolução de «problemas estruturais do país».
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Nota:
O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 14 de Julho) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.
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15/07/2024