A informação não é poesia

 A informação não é poesia

Equipas trabalhavam em prédio destruído em Kharkiv, na Ucrânia. (Créditos fotográficos: Vitalii Hnidyi/Reuters)

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A cobertura jornalística, em directo, da invasão da Ucrânia pela Rússia começou e continua a ser feita, com muita frequência, sem qualquer filtro. Basta sublinhar que foram filmados e mostrados nas televisões cadáveres abandonados em ruas de localidades ucranianas, tendo também sido dadas como confirmadas informações recolhidas por cidadãos anónimos, autoproclamados jornalistas por possuírem um telemóvel que filma e que tem acesso à Internet.

A mediação jornalística indispensável a qualquer informação digna desse nome tem falhado em órgãos de comunicação social que deviam ser sempre exemplares nesta matéria, com particular ênfase num tempo de desinformação instalada e generalizada. Há uns anos, escrevi um poema, um haiku (três versos, sendo o primeiro de cinco sílabas tónicas, o segundo de sete e o terceiro, novamente, de cinco sílabas) no qual revelei que, cito em texto corrido, queremos de novo que os nossos jornais nos tragam notícias da guerra. Queremos mesmo, mas com as regras da profissão.

Poeta italiano Nanni Balestrini. (www.repubblica.it)

Começo a acreditar, como cantou o poeta italiano Nanni Balestrini, no “pequeno louvor do público da poesia” (traduzido para Português por Alberto Pimenta) que a “[…] A POESIA FAZ MAL”. Assim escrito, com a urgência que as maiúsculas emprestam aos textos e com uma ressalva importante: “[…]  MAS POR SORTE NOSSA / NÃO HAVERÁ NUNCA NINGUÉM DISPOSTO A ACREDITAR NISSO”. Infelizmente, quase por antítese, há cada vez mais gente a acreditar na desinformação instalada, com dolo ou apenas por negligência.

Créditos fotográficos: Engin Akyurt (Pixabay)

A informação não é poesia, mas também não pode ser uma prosa corrida, desenquadrada, nua e crua, servida em doses exageradas. Como se fosse um ensaio clínico de um medicamento, na fase de avaliação da dose fatal. Também para a informação pode haver uma dose fatal. Isso acontece quando deixa de ser um direito, para passar a ser mais um adereço para a Civilização do Espectáculo, que nos embala há muito. E isto justifica uma reflexão alargada, entre pares, uma discussão que possa ser levada ao público. Para a credibilidade do jornalismo e para a sanidade do público consumidor de informação, neste tempo de desinformação instalada e generalizada.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

26/09/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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