A ONU e os contornos da “caixa de Pandora”

 A ONU e os contornos da “caixa de Pandora”

(Créditos fotográficos: Nils Huenerfuerst – Unsplash)

A Organização das Nações Unidas (ONU) está, aparentemente, decrépita e sem forças para se fazer respeitar. Mas ainda se reúne, muitas vezes, em torno da paz e da segurança. De facto, a sua missão e actividade continuam a seguir os propósitos e directrizes da Carta fundadora, assinada em São Francisco, a 26 de Junho de 1945. Porém, apesar dos poderes conferidos pela Carta e de o Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça ser sua parte integrante, a ONU – na vontade inicial de cooperação entre as nações, então, exaustas com os horrores da Segunda Guerra Mundial, começou por juntar 51 países e agrega hoje 193 estados – é uma estrutura octogenária fragilizada pelos oblíquos interesses internos e externos e, por isso, incapaz de tomar medidas persuasivas, convincentes e duradouras sobre as grandes questões da Humanidade.

Representantes de cinquenta países reuniram-se em São Francisco entre 25 de Abril e 26 de Junho de 1945 para assinar a Carta das Nações Unidas, que foi aprovada por unanimidade. Entrou em vigor a 24 de Outubro de 1945, após ser ratificada pelos cinco membros permanentes originais do Conselho de Segurança das Nações Unidas – a República da China, o Governo Provisório da República da França, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Reino Unido e os Estados Unidos da América. (unric.org)

Corroída pelas ambições e intrigas políticas e económicas, especialmente dos poderosos que a compõem, a ONU não tem conseguido estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça nem fazer cumprir as obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do Direito Internacional em torno das significativas questões que a justificam como organização: a paz e a segurança, os direitos humanos, o desarmamento e a luta contra o terrorismo; ou ainda o desenvolvimento sustentável e as alterações climáticas. Mesmo na ajuda humanitária e nas emergências de saúde, a ONU assume, por exemplo, o fracasso do trabalho da Fundação Humanitária de Gaza (GHF, em Inglês), na distribuição de alimentos nesse enclave em condições caóticas, como também sucede noutros territórios do Médio Oriente.

Crianças num prédio destruído em Al Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza. (Créditos fotográficos: UNICEF/Eyad El Baba – news.un.org)

Os noticiários dão-nos conta de que, pelo menos, cinco funcionários da GHF morreram na noite de quarta-feira (11 de Junho) durante um ataque atribuído ao Hamas, atingindo um autocarro que transportava mais de duas dezenas de elementos dessa fundação, supostamente, apoiada pelos Estados Unidos da América (EUA), enquadrando-se num plano que prevê a participação de segurança privada e a presença do exército israelita nos pontos de entrega de comida.

No dia seguinte (quinta-feira), a Assembleia-Geral da ONU aprovou uma resolução que “exige” um cessar-fogo “incondicional e permanente”, sobretudo em relação aos ataques de Israel na Faixa de Gaza, cuja votação “impõe” a viabilização do acesso dos Palestinianos à ajuda humanitária. Sem surpreender, houve 19 abstenções e dez votos contrários, incluindo os dos EUA e de Israel.

Enquanto fervilham as manifestações na Califórnia e os protestos contra o desfile militar que o autocrático Donald Trump organizou para Washington, no dia do próprio 79.º aniversário, o porta-voz do exército israelita, Ephraim Defrin, adverte que o seu país deve estar preparado para uma “operação prolongada” relativamente aos ataques contra o Irão, dizendo tratar-se de “um plano ordenado e gradual” que prossegue.

Mapa que mostra Israel e o Irão. (pt.wikipedia.org)

Na noite de quinta para sexta-feira (13 de Junho), Israel avançou com ataques aéreos coordenados em importantes alvos iranianos, especificamente dirigidos a instalações nucleares (como Natanz, embora “sem alterações” nos níveis de radiação), e matou três das figuras mais importantes da República Islâmica, incluindo chefias militares, além de envolver dezenas de vítimas civis. O Irão respondeu à “declaração de guerra” israelita com mais de cem mísseis.

Esta nova crise regional do Médio Oriente serve para esquecer Gaza, observam os analistas, convictos de que os ataques de Israel ao Irão são úteis a Benjamin (Bibi) Netanyahu para capitalizar o apoio do povo israelita. O jornalista Jorge Almeida Fernandes é um dos que afirmam que Bibi, colhendo o “prémio da sua obsessão iraniana”, abriu a caixa (ou o jarro) de Pandora, artefacto mitológico em que os deuses colocaram todas as desgraças do Mundo, muito antes de a ONU nascer.

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Nota:

O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 15 de Junho) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.

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16/06/2025

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Vitalino José Santos

Jornalista, cronista e editor. Licenciado em Ciências Sociais (variante de Antropologia) e mestre em Jornalismo e Comunicação. Oestino (de Torres Vedras) que vive em Coimbra.

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