A perversidade da fome
Muito provavelmente, uma das coisas mais terríveis que um ser humano pode passar é fome. Fome mesmo, dessa que te corrói os ossos. Não esse vazio que existe entre uma refeição e outra. Não. Falo de fome, fome mesmo. O terror de não ter absolutamente nada para comer nem para alimentar os seus filhos, por dias e dias a fio. Pois, essa tem sido uma poderosa arma de guerra contra os povos e atualmente pode-se ver o seu uso em curso contra a Venezuela, contra Cuba e contra a Palestina.
A técnica é simples. Consiste em, simplesmente, interromper o fluxo de produtos alimentícios, jogando a população contra os governos. No caso da Venezuela, a chamada “guerra econômica” que teve início em 2015, foi justamente bloquear a importação de alimentos e de outros produtos do dia a dia. O governo, acusado de ser ilegítimo, consequentemente não podia comprar, porque ninguém queria vender. Ordem dos Estados Unidos da América (EUA). Assim, foram se formando as famosas filas, quilométricas, com as pessoas praticamente lutando entre si por um pedaço de pão. A Venezuela entrou em convulsão. Ao mesmo tempo que os Estados Unidos impediam a entrada de comida, a oposição – financiada pelos EUA – provocava rebeliões, visando responsabilizar o governo pela fome. Houve batalhas pela comida, como quando os opositores queimavam caminhões de ajuda que chegavam ao país.
O governo de Nicolás Maduro sobreviveu por conta de uma extraordinária organização popular – herança de Hugo Chávez – e da providencial ajuda da Rússia. Hoje, ainda vivendo o drama das sanções, a Venezuela segue capengando, pois, além de impedirem que entre a comida, os Estados Unidos e os seus parceiros europeus sequestram as riquezas que o país tem no exterior. Já são bilhões roubados, a par do sequestro de bens, como aviões. Estrangulam a vida da população. Isso porque não querem Maduro presidente. Agora, ajudados pelo Brasil, também tiram do país a possibilidade de entrar no grupo de países de mercado emergente BRICS, o que poderia dar algum respiro na economia. Assim, impondo a fome, procuram derrubar o governo.
Em Cuba é igual. A ilha caribenha paga, há quase 70 anos, o preço de ter se libertado de uma ditadura assassina que transformava Cuba num puteiro/cassino para a alegria dos ricos estadunidenses. Com a revolução de 1959, Cuba decidiu outro caminho: o da vida boa para todo seu povo. Mas não tem conseguido. Não por incompetência do governo nem porque o socialismo é coisa que não dá certo. Não. É porque a ilha está bloqueada economicamente, sem conseguir realizar comércio com os países. Bloqueio imposto pelos Estados Unidos da América que não aceitam o governo cubano, por ser um governo popular e nacional.
A fome foi arma segura, no final dos anos 1980, depois da queda da União Soviética (URSS), que era quem garantia produtos a Cuba. Os Cubanos, sem o apoio da URSS e sem poderem comerciar com os demais países, viveram anos de completo desespero, quando tiveram de comer até os animais domésticos. Tudo isso produzido pelos EUA, para que houvesse revolta e o governo caísse. Pouco se lhes dá provocar a morte ou o desespero. Vale tudo para derrotar qualquer proposta que seja contra os seus interesses. Agora, com a crise e o bloqueio, a Venezuela e Cuba voltam a viver anos difíceis. O país vizinho era um dos poucos a comerciar com a ilha. Desse modo, atacando a Venezuela, os Estados Unidos atingem também Cuba, numa espécie de combo macabro.
Na Palestina, a estratégia de vencer pela fome também está em curso, aliada a bombardeios sistemáticos de armas tradicionais e biológicas. O objetivo final é assassinar até ao último palestino. Os que não morrerem pelas bombas, morrerão pela fome. E, dessa maneira, assistimos ao festival de imagens do horror, com crianças vagando com os seus irmãos mortos, mães lutando por um naco de comida e todo um povo em fuga desesperada para novos suplícios, visto que não há um lugar seguro em parte alguma. Em Gaza, uma criança morre de fome a cada duas horas.
Para os governantes do Mundo, está tudo bem. A guerra é assim mesmo. Vale tudo. E como são os que mandam no Mundo também conseguem incorporar nas suas folhas de pagamento os meios de comunicação que divulgam, à exaustão, as suas mentiras. A ideologia circula velozmente, toma a cabeça e o coração das gentes que acabam acreditando ser algo muito bom ver matar todo um povo de fome para que “retorne a democracia”.
Nesse universo eivado de mentiras, acaba sendo cada vez bem mais difícil revelar a verdade. Por que morre o povo na Venezuela, por que migra? Porque o país está bloqueado e não consegue se organizar, visto que todo dia tem de matar um leão. E Cuba? É o socialismo que está matando Cuba? Não. É o bloqueio criminoso que impede o país de negociar, de realizar trocas, de seguir o seu destino soberano. E a Palestina? São terroristas? Não! São pessoas que lutam para recuperar o seu país, as suas casas, as suas terras, que vêm sendo roubadas pelos sionistas, desde 1948, aos olhos de todos e com o beneplácito dos governos mundiais. Lutam para impedir que os seus filhos, ainda crianças, sejam presos e torturados pelo simples facto de serem palestinos. Lutam pelo direito de viver.
Falo destes três países, mas poderia acrescentar uma lista imensa: Haiti, Sudão, Iêmen, Ucrânia, Somália e outros tantos países da África, obscurecidos por atrocidades maiores, mas que também vivem a realidade da fome como arma dos poderosos, para garantir os seus interesses.
“Ah, mas isso é papo de comunista!”, dizem os cidadãos de bem, nas redes sociais, como se “papo de comunista” fosse algo muito ruim. Sim. É papo de comunista, de gente que quer um mundo bom para todos, com as riquezas repartidas, com as vidas compartilhadas, com os países vivendo as suas vidas em soberania. O capitalismo – pintado como o melhor dos mundos – é o que produz toda a desgraça, porque, nele, só uns poucos têm o direito à riqueza, à felicidade e à paz. E, para que sejam ricos, milhares precisam de morrer. É o capitalismo que estende essa cortina de fumaça nos olhos das gentes, fazendo-as odiar quem luta contra o horror. Assim, vão caminhando os “zumbis” dos tempos modernos, guiados por um monstro e dispostos a destruir aqueles a quem se deveriam aliar.
São dias tristes, mas seguimos de olhos abertos e prontos para o combate.
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Nota do Director:
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04/11/2024