A quem servem as cinzas do Verão?

(Créditos fotográficos: James Fitzgerald – Unsplash)
O céu apresenta-se sujo e com zonas de diferente opacidade, como se não o deixassem viver os dias claros e radiosos desta época do ano. O cheiro áspero e a chão queimado não nos larga. E nós, que procuramos fugir às rotinas quotidianas, ficamos ansiosos e com receio das chamas que devastam o país de lés-a-lés, sobretudo nos territórios interiores, envelhecidos e com pouca gente.

Os jornais trazem, insistentemente, para as suas primeiras páginas as imagens de destruição e de desolação decorrentes dos incêndios florestais e das outras guerras que flagelam o Mundo a que os novos meios de comunicação encurtaram as distâncias. Logo, são-nos quase tão próximos os incêndios que ameaçaram o Piódão, o parque nacional da Peneda-Gerês e as aldeias históricas portuguesas ou a vaga de fogos que, em Ourense e no noroeste espanhol (como nunca se verificou na Galiza), dizimaram povoações, as colheitas agrícolas, as alfaias e as memórias dos que se recusam a abandonar as suas terras.
O verde da paisagem é, pois, repentinamente inflamado e o calor das labaredas aquece as lágrimas dos que procuram proteger as suas próprias casas, antes que a noite faça aumentar o terror e o absurdo nas cabeças de quem trabalhou uma vida inteira para isto. Apesar dos milhares de bombeiros (sejam eles sapadores, mistos, voluntários ou privativos) que, até à exaustão, lutam contra as chamas e dos muitos veículos de combate a incêndios, bem como dos helicópteros e aviões utilizados no ataque inicial dos focos incendiários ou em fogos de grandes dimensões, os meios são praticamente insuficientes para contrariarem a voracidade e a força destruidora das chamas. A descoordenação domina e não se coaduna com quem não conhece o terreno.

Os governantes exaltam os números dos recursos disponibilizados, mas parecem esquecer as vozes dos populares que raramente são ouvidos e que desesperam e se revoltam com a negligência dos políticos que, quando dá jeito, exibem a bandeira da coesão territorial. Tem sido assim há décadas, não obstante as contínuas promessas de que, a partir de um agora que se arrasta na linha do tempo, as coisas vão mudar. Luís Montenegro – que, se não fosse primeiro-ministro, teria igual direito a férias descansadas – sempre aproveitou as areias algarvias e os banhos na praia do Ancão e também o palco do Pontal para falar na tradicional festa do Partido Social Democrata, enquanto as chamas lambiam as portas e os muros das fazendas de bastantes portugueses desse interior abandonado. Por isso, ensaia “mea culpa” pela percepção que causou e acaba de aprovar um pacote de 45 medidas para responder às críticas generalizadas e aos dedos descontentes que muitos lhe apontam, não obstante insistir na ideia de “esforço máximo”, por parte do Governo, em acompanhar este drama nacional.

Entretanto, tudo parece acalmar e Montenegro afasta a hipótese de decretar situação de calamidade, porque – tal como os que o antecederam fizeram – jura compensar o irremediável. É, sem dúvida, urgente um pacto social, à revelia das vantagens partidárias e dos interesses instalados, que reforce a prevenção e que valorize a floresta e a sustentabilidade ambiental. A este propósito, recordo as sábias palavras do imperador Marco Aurélio: “Como é fácil repelir e apagar cada impressão perturbadora e imprópria, e logo desfrutar de uma tranquilidade perfeita.”
.
.
………………………….
.
Nota:
O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 24 de Agosto) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.
.
25/08/2025