Abastecimento de água deve ser uma prioridade multidisciplinar na UE
A ministra do Ambiente e Energia de Portugal, Maria da Graça Carvalho, reuniu-se, a 3 de setembro, com altos-funcionários da Comissão Europeia para dar seguimento a uma carta de julho, redigida por Portugal, mas subscrita por outros 20 estados-membros, e enviada ao vice-presidente executivo, Maros Sefcovic, e ao Comissário do Clima, Wopke Hoekstra, a solicitar ações concretas para aumento da segurança no abastecimento de água na União Europeia (UE).
Durante uma reunião com a diretora-geral do Ambiente, Florika Fink-Hooijer, a ministra portuguesa pediu ao executivo da UE que considerasse a resiliência no abastecimento de água como uma prioridade financeira, política e estratégica e que conseguisse a assistência do Banco Europeu de Investimento (BEI) nesta matéria.
Graça Carvalho e Florika Fink-Hooijer discutiram a carta em referência e apelaram ao executivo europeu no sentido de realizar “ações concretas” para aumentar a resiliência hídrica em “todas as suas dimensões”. “Não precisamos de legislação sobre a água. O que precisamos é que seja considerada uma prioridade no próximo orçamento da UE e que seja uma prioridade para o BEI, porque precisamos de muito investimento”, disse Graça Carvalho aos jornalistas, no fim da reunião, aludindo ao nível crescente de secas, à escassez de água e às inundações por toda a Europa, explicitando que Fink-Hooijer está “muito grata” por esta iniciativa e que foi muito bem recebida pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, lembrando que esta já se referiu publicamente à água, no início do seu segundo mandato, como uma prioridade urgente.
De facto, no início deste ano, foi arquivada uma iniciativa legislativa comunitária sobre a escassez de água, na sequência de forte contestação, antes das eleições europeias de junho. Agora, a governante portuguesa pressiona Bruxelas para avançar com ações concretas em matéria de proteção da água, visto que o governo de Lisboa está a preparar uma estratégia para a água, ao nível dos ministérios da Agricultura e da Economia, e um plano de investimento a propor ao BEI.
“Esta [estratégia] é um plano de investimento muito necessário para Portugal e, precisamente, para a negociação e submissão ao BEI na área da energia”, frisou Graça Carvalho.
A governante saudou, ainda, a parceria ibérica na política da água, uma vez que Portugal e Espanha estão em fase de finalização do projeto do rio Guadiana, a assinar em 26 de setembro, que abastecerá parte do Algarve, e também projetos em Espanha, na margem do rio Tejo.
Sobre a nomeação da ministra do Ambiente espanhola, Teresa Ribera, para um cargo de comissário europeia, Graça Carvalho disse que “vamos ganhar um aliado nas áreas da água e da energia” e elogiou a “excelente colaboração” com a sua homóloga espanhola.
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O reforço da gestão da água na UE exigirá uma mobilização estratégica e ações concretas. Por isso, a maioria dos estados-membros da UE (21) pediu, em carta conjunta de 17 de julho, à Comissão Europeia que reforce a segurança e a resiliência da água em todo o bloco, sustentando que este recurso natural estratégico e vital deve ser tratado como “prioridade máxima” na próxima agenda da UE, no pressuposto de que o elevado nível de secas, a enorme escassez de água e as inundações em todo o bloco europeu já não são apenas “uma anomalia na Europa”, na ótica dos signatários.
A Alemanha, a Áustria, a Bélgica, a Bulgária, a Croácia, o Chipre, a Dinamarca, a Eslováquia, a Eslovénia, a Espanha, a Estónia, a França, a Grécia, a Itália, a Lituânia, o Luxemburgo, a República de Malta, os Países Baixos, a Polónia, Portugal, a Roménia e a Eslováquia manifestaram as suas preocupações na reunião informal dos ministros do Ambiente, realizada naquela semana de julho, sob a presidência húngara, e apelaram ao executivo da UE para que apresente medidas concretas para desenvolver uma “abordagem global”, em conformidade com a Agenda Estratégica, o documento de orientação política do Conselho, aprovado a 27 de junho.
Cerca de 20% do território europeu e 30% dos europeus sofrem, anualmente, de stresse hídrico (70% preocupa-se com a poluição e com a escassez da água e 50% diz-se bem informado), segundo a Agência Europeia do Ambiente, para a qual o custo económico é cerca de nove mil milhões de euros por ano, excluindo os danos causados aos ecossistemas, e atingirá 65 mil milhões por ano, até ao final do século.
Na carta em referência, os 21 estados-membros apelaram a uma abordagem holística com “maior nível de articulação”, a nível da UE, abrangendo os recursos de água doce e os de água salgada, a proteção dos ecossistemas, o consumo humano, a agricultura e os sistemas alimentares, a energia e as indústrias. “É necessária uma abordagem sistémica para garantir a sinergia e a coerência em todos os processos legislativos e de planeamento, a fim de integrar melhor as considerações relativas à água e os objetivos de conservação para garantir a disponibilidade e a segurança do abastecimento de água”, lia-se na carta conjunta, divulgada a 19 de julho.
O apelo surgiu na véspera de os legisladores do Parlamento Europeu (PE) se pronunciarem sobre o futuro de Ursula von der Leyen para um segundo mandato como presidente da Comissão, na sequência da indignação registada no início do ano, após o executivo da UE ter arquivado uma iniciativa de resistência à água. E era um momento delicado, visto que Ursula von der Leyen estava a tentar obter o apoio dos Verdes para a sua reeleição.
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A escassez de água deve-se às situações de seca prolongada (severa e extrema) e à sua perda em grandes inundações não esperadas, que, na maior partes dos casos, danificam as infraestruturas e descontrolam a produção agrícola. Porém, há outra causa: o excessivo gasto de água, sem a equivalente contrapartida na criação de estruturas para o seu armazenamento e de mecanismos de distribuição equitativa. Além disso, há enormes perdas de água na rede pública de abastecimento.
Estamos a gastar mais água, desde a alimentação até à tecnologia que usamos. Por isso, é oportuna a reflexão sobre o conceito de pegada hídrica, sobre como diferentes indústrias estão a contribuir para esta pegada e sobre como é que a UE pode tornar o consumo de água mais sustentável.
A água é um recurso crítico para o consumo direto e para quase todos os produtos que usamos e consumimos. O conceito de “pegada hídrica” mede a quantidade de água limpa usada, para produzir bens e serviços, e é cada vez mais importante, devido à escassez de água, às mudanças climáticas e ao consumo excessivo. Assim, a pegada hídrica mede o volume total de água doce limpa usado, direta ou indiretamente, pelas pessoas e pelas comunidades. Inclui a água utilizada em atividades diárias, como beber e tomar banho, e na produção de alimentos, de vestuário e de outros bens.
A pegada hídrica é categorizada em três tipos: verde, a quantidade de água da chuva usada (consumida ou evaporada), de forma direta ou indireta (particularmente elevada na produção agrícola; azul, a quantidade de água doce usada (consumida ou evaporada) de forma direta ou indireta; e cinzenta, o volume de água doce necessário para diluir poluentes, a fim de cumprir os padrões de qualidade da água (processo usado por muitas indústrias, como o setor combustível, a agricultura e a moda).
Produzir produtos no quotidiano envolve, muitas vezes, substancial quantidade de água. É o caso, por exemplo, do fabrico de uma t-shirt de algodão ou o da produção de um quilo de chocolate.
A agricultura é a maior consumidora de água, com o uso extensivo na irrigação, na criação de gado e no processamento de alimentos. Por exemplo, produzir um quilo de carne de bovino requer cerca de 15 mil litros de água, devido à grande quantidade de água necessária para cultivar alimentos para o gado. Além disso, são necessários 17 mil litros de água para produzir um quilo de chocolate. Segundo estatísticas de 2019, a Europa produziu 3,7 milhões de toneladas de chocolate, o que equivale a 63625200000 (mais de 63,6 biliões) litros de água.
Também o setor energético tem alta pegada hídrica. Usa quantidades significativas de água nos processos de resfriamento das centrais nucleares e de combustíveis fósseis e no cultivo de culturas de biocombustíveis. Algumas formas de energia hidroelétrica consomem mais de mil vezes mais água do que a energia eólica.
A indústria têxtil usa grandes volumes de água, sobretudo no cultivo de algodão e no tingimento de tecidos. A produção de única t-shirt de algodão requer 2700 litros, a quantidade necessária para responder às necessidades de consumo de água de uma pessoa em dois anos e meio.
E há outros setores com altas pegadas hídricas, como: a indústria tecnológica, que usa água para fabricar equipamentos eletrónicos e para resfriar centros de dados; a indústria de bebidas, que depende da água para a produção, para a limpeza e para a embalagem; a indústria da mineração e de metais, que necessita de água para os processos de extração e de refinação; a indústria de papel e da celulose, que usa água no processamento e na limpeza; o setor automóvel, que necessita de água para a montagem e pintura de veículos; e a indústria química, que usa água nas reações químicas, em processo de refrigeração e no tratamento de águas residuais, contribuindo significativamente para a pegada hídrica cinzenta.
Compreender e gerir a nossa pegada hídrica será crucial, se quisermos abordar a escassez global de água e promover o uso sustentável deste bem. Ora, a redução da pegada requer um esforço coletivo de indivíduos, de empresas e de governos, assim como exige políticas eficazes que possam proteger e preservar os recursos hídricos para o futuro.
Desde 2023, as empresas da UE com atividades na Europa são obrigadas a divulgar informações sobre o seu uso da água e os respetivos recursos hídricos. Com efeito, o bloco europeu tem duas diretivas de sustentabilidade corporativa destinadas a mitigar o impacto ambiental do uso excessivo de água e da poluição, bem como promover práticas de gestão sustentável da água em todos os setores e reduzir a pegada hídrica, garantindo um futuro sustentável para os recursos hídricos da Europa.
A Diretiva sobre o Dever de Diligência das Empresas em Matéria de Sustentabilidade exige que as empresas identifiquem e abordem potenciais e reais impactos ambientais adversos, incluindo a pegada hídrica nas suas operações, nas subsidiárias e nas cadeias de valor. As empresas devem mitigar o impacto negativo nos direitos humanos e no ambiente, incluindo o consumo excessivo de água ou danos provocados aos ecossistemas. Já a Diretiva de Relato de Sustentabilidade das Empresas exige que as empresas divulguem os principais fatores ambientais, incluindo o impacto e dependência em relação ao clima, ao ar, à terra, à água e à biodiversidade.
Não obstante, ainda se avançou pouco nas estações de dessalinização, na produção de energia a partir das ondas marinhas, e na construção de barragens para produção de energia elétrica, para transvase e para irrigação. Contudo, faz-se monocultura agrícola intensiva, que importa excesso de gasto de água, constroem-se campos de golfe e desperdiça-se água a cada passo.
São impressionantes algumas estatísticas, como: o consumo diário de energia do cidadão médio da UE é de 1301 litros de água, o suficiente para encher mais de seis banheiras grandes; os Estados Unidos da América (EUA) são o maior consumidor de água a nível mundial, com uma pegada hídrica média de 2842 metros cúbicos per capita.
Por fim, ressalta que a Euronews e a Comissão Europeia cooperam para a campanha Water Wise da UE, #WaterWiseEU. A série Water Matters, da Euronews, e a campanha da UE visam sensibilizar para o aumento da pressão sobre os sistemas hídricos e para a necessidade de gestão sustentável da água. O Water Matters explora várias questões conexas com a água, destacando a importância de proteger a natureza e os ecossistemas integrais para o ciclo da água. Pretende-se inspirar indivíduos e comunidades a tornarem-se #WaterWiseEU.
A Water Matters pretende sensibilizar e criar condições para colmatar o uso desadequado e excessivo da água; e a #WaterWiseEU visa sensibilizar para a escassez da água e para as diferentes soluções, contribuindo para uma Europa resiliente na sua gestão, até 2050. São, pois, bem-vindas soluções, como a promoção do armazenamento de água, o reaprovisionamento de água subterrânea, o restabelecimento da saúde dos solos, a gestão inteligente da água e a eficiência na sua reutilização.
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05/09/2024