AD e CHEGA unidos contra jornalismo sem fins lucrativos

(Créditos de imagem: Dimitris Vetsikas – Pixabay)
O Partido Social Democrata (PSD), o Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) e partido Chega chumbaram as propostas apresentadas, na semana passada (a 24 de janeiro), no Parlamento, pelo Livre e Bloco de Esquerda (BE), que pretendiam dar ao jornalismo sem fins lucrativos o Estatuto de Utilidade Pública. Os restantes partidos (Partido Socialista, Iniciativa Liberal, Partido Comunista Português e Pessoas-Animais-Natureza) votaram a favor.
Caso as propostas tivessem sido aprovadas, as entidades proprietárias de órgãos de comunicação sem fins lucrativos — como é o sinalAberto — poderiam beneficiar da consignação, por parte dos cidadãos, de uma percentagem simbólica do IRS, assim como, ao abrigo da lei do mecenato, permitir que potenciais doações fossem abrangidas pelas correspondentes benesses fiscais.

Com este chumbo, que representa um preconceito político e ideológico evidente contra o jornalismo sem fins lucrativos, fica mais claro o pensamento da maioria parlamentar que suporta o governo, sobre a sua perspetiva acerca da informação independente e alheia às lógicas do mercado, e ainda a sua visão sobre o papel e função do jornalismo no processo de enriquecimento da vida democrática.
A partir de agora, não mais se espera deles qualquer gesto ou medida capaz de ser parte da solução de um problema que, há muito, se sabe que não tem o seu cálice sagrado na visão economicista de mercado. Há vários anos, aliás, que estudos e investigadores de várias geografias, como os norte-americanos Victor Pickard (em 2000) e R. McChesney (em 2013), alertam e demonstram que o jornalismo como negócio está na falência.
Este estado geral de preocupação e de insolvência (salvo raras e irrepetíveis exceções) refere-se, sobretudo, ao jornalismo de interesse público, ou seja, à informação que robustece a democracia, que cresceu com ela e a defende e suporta nos seus momentos mais delicados e difíceis. É certo que a crise é transversal e atinge também os órgãos e empresas mediáticas menos preocupadas com este tipo de conversa. Não é, por isso, sobre elas e a pensar nelas que estas linhas são escritas.

Retomando o fio à meada: é consensual a ideia generalizada de crise nos media e de erosão das redações jornalísticas. Foi por saber disso que o mesmo Parlamento que agora reprovou as referidas propostas, promoveu há pouco mais de um mês numa das suas salas um colóquio intitulado “Informação como Bem Público: regulação mediática e políticas públicas”. Ficou, então, patente que diante das prioridades manifestadas entre o interesse pelo Bem Público e a preocupação pelas questões de mercado, há “uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra”, como nos alerta a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Isto é, pouco se discutiu sobre a questão nuclear: jornalismo de interesse público e jornalismo sem fins lucrativos. O foco do debate e das intervenções esteve virado para o mercado e para as suas crescentes dificuldades. Resultado: saíram todos como entraram – a lamentar-se e sem nenhuma ideia, nem nenhum compromisso ou programa de ação.
Ora, as propostas do Livre e do BE – na linha do que inúmeros estudos e estudiosos vêm defendendo em vários países – têm como pressuposto a informação enquanto bem social e cultural de primeira necessidade, logo, de interesse público, estando ausente nessa equação qualquer ideia acerca do seu valor de mercado. Daí a introdução do estatuto de “utilidade pública” a atribuir aos atores sociais que assumem ou viessem a assumir a prática de um jornalismo sem fins lucrativos.

Só um puro e indesmentível preconceito ideológico de uma direita retrógrada vê nesta iniciativa um perigoso ataque aos fundamentos da sua sociedade de sonho. Mais difícil se compreende, ainda, o dito chumbo parlamentar, quando, em junho do ano passado, o atual primeiro-ministro, na conferência “JN somos liberdade”, manifestou disponibilidade para aceitar o sentido das propostas agora apresentadas, mas que os seus correligionários lepidamente inviabilizaram.
Entre as hipóteses de hipocrisia e de desorientação política, ou apenas de desinteresse pela própria saúde democrática, qualquer que seja a explicação, ela não abona em favor da qualidade do pensamento dos deputados que veem no jornalismo sem fins lucrativos uma espécie de lepra social que importa banir para longe.
Desconhecem, porventura, que o chumbo com que fuzilaram as propostas agrava o cenário informativo nacional, já muito preocupante. Um estudo coordenado por Pedro Jerónimo, professor da Universidade da Beira Interior, põe a nu a triste realidade nacional no âmbito do chamado “deserto de notícias”. Os dados são preocupantes: as regiões Centro, Norte e Alentejo concentram mais de 80% dos desertos e semi-desertos de notícias, e em 118 dos 308 concelhos do país não há sequer uma rádio a veicular notícias locais.

O chumbo ideologicamente preconceituoso do PSD, CDS-PP e CHEGA provoca, assim, mais vítimas do que as que vemos à vista desarmada. Inviabiliza e desincentiva a possibilidade de, localmente, grupos de jornalistas poderem constituir-se em associação ou em cooperativa com o objetivo de produzirem jornalismo sem fins lucrativos. Estes modelos de organização, fora e longe dos grandes centros, deveriam, aliás, ser incentivados através de políticas públicas focadas no combate aos desertos de notícias e preocupadas com a qualidade informativa regular e periódica.
Tão importante quanto responder à conhecida reivindicação de apoios a projetos jornalísticos individuais de investigação – sem prejuízo da sua existência e bondade das suas ideias e planos –, avulta a premência em atender às necessidades e carências informativas de curto prazo, isto é, de periodicidade mais imediata, nas múltiplas e numerosas comunidades espalhadas pelo país.
Este panorama constitui, em meu entender, uma das maiores fragilidades da vida democrática de um país assimétrico e que, sendo também desigual na atenção que o jornalismo lhe presta e no modo como se relaciona com a informação e na presença que esta tem no seu quotidiano, acaba fatalmente por se ver coletivamente e como comunidade mais enfraquecido. Mais uma razão para este assunto e para esta questão serem aprofundadamente discutidos, recentrando o debate nas carências informativas e jornalísticas do país, outrora chamado real.
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27/01/2025