Banco de Córneas de Cultura avança no Hospital de Santo António
O Jornal de Notícias (JN), de 1 de julho de 2024, dá-nos conta, através da pena de Marta Neves, de que uma paciente que, aos 28 anos, “tinha a visão comprometida em 90%, devido à queratocone, doença que deforma as córneas”, foi chamada, ano e meio depois, para o transplante para o qual estava inscrita no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos.
Tal cirurgia foi possível, graças ao primeiro Banco de Córneas de Cultura, em Portugal, criado pela equipa de Oftalmologia do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (CHUdSA), no Porto.
A este respeito, Pedro Menéres, diretor do serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António, refere: “Há um ano e meio que submetemos o projeto […], tendo havido o aval do governo em outubro de 2023.”
“Apesar de, só agora, Portugal ter encontrado condições para passar a usufruir de um Banco de Córneas de Cultura, no Porto, nos EUA [Estados Unidos da América] e noutros países da Europa, como a Holanda [Países Baixos], a Itália e a Espanha, já é uma prática comum”, enfatizou o oftalmologista Luís Oliveira, falando da vontade de o banco vir a ser “autossuficiente”, no Santo António, e de até “exportar”. Porém, trata-se de “uma atividade nova e, para avançarmos, é preciso que se torne regular”, como observou o oftalmologista Miguel Neves, relevando que a cirurgia da paciente em causa “correu bem, dentro daquilo que estava previsto”, mas, porque a córnea não tem vasos, a cicatrização “será lenta”, devendo a recuperação demorar cerca de um ano.
O contacto para a cirurgia foi feito na véspera, pois, dados os critérios de prioridade, a chamada pode ser feita entre um a três dias antes da intervenção. E a operação de 50 minutos, realizada no Centro de Cirurgia Integrada de Ambulatório, promete dar nova vida à paciente, “com a vantagem de, passadas umas horas, ter ido para casa”.
Foi utilizada a técnica lamelar no transplante, isto é, foi só utilizada a parte necessária da córnea, tendo sido retirada da paciente apenas a zona doente, como explicou Pedro Menéres, frisando que este método “diminui o risco de rejeição e de outras complicações, a longo prazo”.
Para o transplante, foi necessária “uma sutura periférica” à volta do olho. No bloco operatório, a cirurgia foi acompanhada pela equipa num monitor fixado na parede, onde o olho direito da paciente surgia ampliado. Os médicos Luís Oliveira e Miguel Neves lideravam a operação, de olhos postos num microscópio. De acordo com Pedro Menéres, sentado “com a visão como se estivesse a olhar para o fundo da estrada e com um ecrã nos olhos”, Luís Oliveira ia intervencionando a córnea doente com várias ferramentas. E, em meticulosa articulação com os pedais onde tinha os pés, ia dimensionando a imagem do olho, dando-lhe maiores ou menores grandeza ou luminosidade.
A parte mais curiosa da cirurgia ocorreu ao chegar o momento de dar os pontos, com linha que não se vê, pois “é mais fina do que um cabelo, só visível ao microscópio”. A córnea a transplantar foi retirada do invólucro que a guardava (tão perfeita que parece uma lente). E, quase sem se dar por isso, a cirurgia entrou na reta final, com 16 pontos dados como se estivessem a ser desenhadas as horas no relógio. “Os primeiros quatro pontos são dados como se os ponteiros estivessem nas 12, nas 6, nas 3 e nas 9 horas, e os restantes nesses intervalos”, explicou Miguel Neves, ante a imagem do olho costurado com mestria.
É de anotar que esta doença, no dizer dos especialistas, estava associada a “uma predisposição genética”. Por outro lado, como explicou o diretor do Serviço de Oftalmologia, esta doença agrava-se “com o coçar dos olhos”, porque “faz com que a córnea vá ficando em cone, levando à distorção da imagem”.
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Embora a criação do primeiro Banco de Córneas de Cultura, em Portugal, tenha sido anunciada, em outubro de 2023, pelo então ministro da Saúde, Manuel Pizarro, a equipa só começou com os transplantes desta natureza em junho. O primeiro foi no dia 12. Até aí, a equipa articulava sinergias e fazia ensaios.
A expectativa de Pedro Menéres é que, em 2025, a equipa realize mais 100 transplantes, além dos 120 a 150 que já faz por ano. Efetivamente, com esta tecnologia, será possível usar córneas até mais de um mês após a colheita, o que não é possível com a conservação de bancos clássicos, no frio. Nesses, a conservação de córneas ia até ao máximo de 14 dias, a que se juntava a limitação a nível de critérios de seleção de dadores, para obter córneas.
Com as córneas de cultura, segundo os especialistas, é possível aumentar o número de córneas disponíveis para transplante, aumentar a qualidade e programar as cirurgias com mais tempo. Todavia, para que o novo banco funcione com a regularidade necessária, face às listas de espera, Pedro Menéres sustenta que é necessária “uma equipa própria de colheita permanente”.
Com efeito, “foi possível criar, pela primeira vez, um Banco de Córneas de Cultura, em Portugal, porque usamos as instalações do Banco Público de Gâmetas, instalado no Centro Materno-Infantil do Norte e criamos sinergias com os técnicos que lá trabalham”. “Porém, necessitamos de que a administração do hospital reveja incentivos, para que tenhamos uma equipa própria de colheita permanente”, adianta Pedro Menéres, admitindo ser um desiderato que se prevê estar concretizado em breve. Na verdade, esta é “uma atividade imprevista, que pode acontecer ao fim de semana, à noite, e que envolve, não só a colheita da córnea, como também o processamento dos tecidos e o transplante”.
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A córnea é um tecido transparente que fica na parte da frente do olho, comparável ao vidro de um relógio. Permite a entrada da luz e executa dois terços das tarefas de foco, seguida da íris (a área colorida do olho) e a pupila.
Apesar de a córnea não ter vasos sanguíneos, tem diversos nervos e os nutrientes fornecidos são da mesma fonte que os canais lacrimais. Com perda de transparência da córnea (opacificação), ocorre o leucoma de córnea (ou corneano). Além da transparência, a córnea saudável apresenta curvatura que ajuda a formar a imagem na retina com foco e nitidez. Por isso, as alterações nesta curvatura prejudicam a visão.
A função da córnea é refratar e transmitir a luz. A face anterior, elíptica, mede aproximadamente 12,6 milímetros (mm) no meridiano horizontal e 11,7 mm no vertical. Apresenta uma espessura média de 0,520 mm na região central e de quase 1,0 mm na região mais periférica. A curvatura da face anterior não é uniforme, apresentando a curva na região central mais plana do que a região periférica. O raio de curvatura médio é de 7,8 mm na face anterior da região central e de 6,6 mm na face posterior. A escala de poder refracional da estrutura é de 44,00 dioptrias. A estrutura é não vascularizada e a inervação é desprovida de bainha de mielina, garantindo total transparência.
A córnea possui cinco camadas: epitélio, camada superficial composta por células provida de grande capacidade de regeneração; membrana de Bowman, constituída a partir de células do epitélio basal, lâmina basal e fibras do estroma anterior; estroma, tecido responsável por sustentar a célula (é o tecido conectivo); membrana de Descemet, responsável por revestir a superfície do estroma e uma camada posterior, próxima do endotélio; e endotélio, constituído pelas células hexagonais, responsáveis por manter transparecidas as camadas da córnea.
Várias doenças oculares podem debilitar a córnea, causando-lhe perda de transparência ou irregularidade de forma ou de superfície. Por exemplo: queratocone em estágio avançado, trauma no olho, infeções, queimaduras por substâncias químicas, enfermidades congénitas ou outras causas em que a pessoa pode ter a visão bastante reduzida ou, às vezes, até a perder.
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O transplante de córnea é um procedimento cirúrgico em que a córnea doente ou danificada é substituída por outra de dador, na totalidade (ceratoplastia penetrante) ou em parte (ceratoplastia lamelar). O enxerto é retirado de um indivíduo recentemente falecido, sem doenças conhecidas ou outros fatores que possam afetar a viabilidade do mesmo ou a saúde do recetor. Retirado o enxerto, é transplantado cirurgicamente para o indivíduo recetor.
Há dois tipos de transplante de córnea, de acordo com o número de camadas transplantadas. A córnea tem cinco camadas. Porém, em caso de transplante, nem sempre é necessário transplantar todas as camadas. Se todas forem transplantadas, o transplante é penetrante; e, se apenas parte das camadas forem transplantadas, o transplante é lamelar.
No transplante penetrante, a rejeição do enxerto é mais elevada do que nos enxertos lamelares e o tempo de recuperação e os erros refrativos são consideravelmente superiores. No transplante lamelar, as camadas são selecionadas e transplantadas, podendo incluir a camada mais profunda (posterior), o endotélio (transplante de córnea lamelar posterior). Uma versão comum desse procedimento é o de Descemet Stripping Automated Endotelial Keratoplasty (DSAEK). Se o transplante incluir as camadas mais próximas da superfície (anterior), designa-se por transplante de córnea lamelar anterior.
Habitualmente, o transplante lamelar é mais adequado do que o transplante penetrante completo, quando o processo de doença se limita apenas a uma porção da córnea.
Os riscos e complicações na cirurgia de transplante de córnea são semelhantes aos de outros procedimentos intraoculares. Na cirurgia de córnea, há também riscos de infeção, minimizados através de profilaxia antibiótica (usando colírios antibióticos, mesmo quando não há infeção).
Nesta cirurgia, os riscos não se ficam por aqui, podendo ocorrer outras complicações graves, nomeadamente, descolamento da retina, hemorragia da coroide, infeção endocular (endoftalmite), cataratas secundárias, glaucoma secundário, sinéquias da íris, irregularidade pupilar, edema macular cistoide, etc.
Após o transplante da córnea, em alguns casos, o sistema imunológico pode atacar a córnea. É a rejeição (em cerca de 20% dos casos), que pode necessitar de tratamento médico ou de outro transplante de córnea. Os sinais e sintomas de rejeição de córnea podem incluir perda da visão, dor nos olhos, olhos vermelhos e sensibilidade à luz (fotofobia).
Na cirurgia de transplante de córnea, há cuidados no pós-operatório que devem ser assegurados, para minimizar os riscos, durante o período de recuperação: tratamento médico adequado, nomeadamente, medicamentos prescritos pelo oftalmologista, como colírios e, ocasionalmente, medicamentos orais, imediatamente após o transplante de córnea; uso de oclusor; repouso; retoma lenta do trabalho, até poder realizar as atividades normais, incluindo o exercício físico; de exames oftalmológicos, para detetar complicações no primeiro ano após o transplante; e exame anual. Parte inferior do formulário
A visão pode, inicialmente, ser pior do que antes da cirurgia, dependendo da forma como o olho se ajusta à nova córnea. Pode levar vários meses até a acuidade visual melhorar. Podem surgir erros refrativos após a cirurgia de transplante de córnea, como miopia e astigmatismo.
Os erros refrativos, como miopia e astigmatismo, podem ser corrigidos com óculos, lentes de contacto ou, em alguns casos, a realização de cirurgia ocular a laser.
Acirurgia do transplante de córnea pode ser necessária, se os óculos ou as lentes de contacto não forem capazes de restaurar a visão ou se o edema doloroso não puder ser aliviado pelo recurso a medicamentos ou a lentes de contacto. Certas situações podem afetar a transparência da córnea e colocar o doente em maior risco. Entre essas situações, algumas das mais comuns: queratocone e outras distrofias da córnea; cicatrizes de infeções, como a herpes oculares ou ceratite fúngica; condições hereditárias como a distrofia de Fuchs (lenta, que atinge ambos os olhos); complicações raras da cirurgia LASIK (cirurgia refrativa por laser); queimaduras químicas da córnea ou danos causados por uma lesão no olho; edema excessivo da córnea; rejeição do enxerto após um transplante anterior; e descompensação do endotélio da córnea, devido a complicações da cirurgia da catarata.
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A ciência avança, as doenças abundam, os riscos minimizam-se, os pacientes esperam e têm esperança.
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16/09/2024