Barro ou argila – argilito no jargão petrográfico

 Barro ou argila – argilito no jargão petrográfico

(Créditos fotográficos: Roman Hinex – Unsplash)

Diz o Velho Testamento que, depois de ter feito o mundo, Deus pegou no barro e fez o homem. E o homem, depois de ter lascado a pedra, pegou no barro e fez o primeiro vaso.

Depois do sílex, a principal matéria-prima mineral foi o barro, com o qual os nossos antepassados do Neolítico começaram a fazer recipientes cerâmicos diversos, de início, rudimentares e, progressivamente, mais aperfeiçoados.

Argila (pt.wikipedia.org)

“Argila” é um termo que herdámos do grego, argilós(a partir do étimo argos, que significa branco). Através do Latim, argila é o “barro”, material de todos conhecido, na linguagem vulgar, com origem no Latim Hispânico, barrum.

“Argilito” é uma forma proposta pelos sedimentólogos e tida por mais apropriada para, na petrografia sedimentar, dizer “argila” ou “barro”. É descrito como uma rocha sedimentar essencialmente composta por argilominerais associados a quartzo, feldspatos e micas, naturalmente pulverizados, e ainda por impregnações de óxidos e de hidróxidos de ferro (hematite, goethite), bem como de matéria orgânica, que lhe conferem colorações, respectivamente, avermelhada, amarelo-acastanhada e castanho-escura a negra.

(Créditos fotográficos: Andy Kelly – Unsplash)

Argilominerais são descritos, quimicamente, como silicatos hidratados de alumínio e/ou de magnésio, associados ou não a outros elementos como, por exemplo, cálcio e sódio. São filossilicatos (por aposição do elemento grego phylon, que significa “folha”), isto é, silicatos em cuja estrutura interna os átomos estão dispostos em folhas paralelas, sob a forma de cristais ou de agregados cristalinos, de pequeníssimas dimensões (nanométricas, no geral, inferiores a 0,004 milímetros), só visíveis ao microscópio electrónico.

Entre as espécies ou grupos de espécies mais comuns de argilominerais, destacam-se a caulinite, a ilite, as esmectites, a paligorsquite e a clorite, apenas cinco entre os muitos conhecidos. Face ao que se conhece sobre a sua génese nos diferentes sistemas bioclimáticos, eles permitem, como nenhum outro componente mineral dos sedimentos, inferir reconstituições paleoambientais do maior interesse em Geologia.

Enquanto o termo “barro” se manteve na linguagem vulgar, o termo “argila” guindou-se ao estatuto de vocábulo do léxico científico.

Toda a argila é branca, quando liberta de impurezas, como os ditos óxidos e outras substâncias que lhe confiram colorações.

Ânforas romanas. (pt.scribd.com)

Os Romanos dispunham ainda do termo “creta” para referir a mesma substância e que passou ao Português antigo sob a forma de “greda”, termo hoje muito menos usado.

No conceito que todos temos de rocha, como um material coeso rígido e duro, como qualquer pedra, o argilito não é uma rocha, mas é-o no contexto da sistemática petrográfica, onde ocupa lugar bem definido no conjunto das rochas sedimentares. Rocha ou não, como se queira entender, é, sem sombra de dúvida, uma fase ou etapa, dita exógena (superficial) do grande ciclo das rochas.

Avicena (pt.wikipedia.org)

O argilito corresponde ao mudstone (de mud, lama; e stone, pedra) dos geólogos de língua inglesa e ao “lamito” dos Brasileiros, um vocábulo que ainda não entrou no nosso léxico da especialidade.

Na classificação do alquimista persa Avicena (Abu Ali Huceine ibne Abedalá ibne Sina, 980-1037), a argila foi considerada na classe das “terras”, ao lado de outras (“pedras”, “sais”, “metais” e “minerais fusíveis”). Este critério manteve-se até aos começos do século XIX, estando bem exemplificado na sistemática do químico e mineralogista sueco, Torbern Bergman (1735-1784). É esta a razão que explica que os Ingleses designem a argila por earth (terra), os Franceses por terre e que nós ainda usemos o termo terra com o mesmo significado em expressões como “terra rossa terracota”, “terra de pisoeiro” ou “terra fulónica”(por tradução do Inglês: fuller’s earth).

Torbern Bergman  (1735-1784) é considerado
pioneiro da Química e da Mineralogia.
(pt.wikipedia.org)

Acrescente-se que pisoeiro era o artífice que pisoava (lavava e desengordurava com um tipo especial de argila, dita esméctica) a lã, usando o pisão. Diga-se que “terracota” é uma maneira de dizer cerâmica ou argila cozida no forno, sem ser vidrada. E que “terra rossa” é uma expressão italiana internacionalizada, alusiva a um material vermelho, composto essencialmente por argila e óxido de ferro, resultante do processo de dissolução das rochas carbonatadas pelas águas pluviais carregadas de dióxido de carbono.

A argila é um componente essencial ou subordinado de algumas rochas sedimentares (arenitos de cimento argiloso, calcários argilosos e margas), de diversos xistos argilosos e da ardósia (já no domínio das rochas metamórficas) e está quase sempre presente nos solos e em muitas rochas alteradas (saibros). Quando dizemos que uma rocha ou um solo contém argila, queremos dizer que, na sua composição, estão geralmente presentes um, dois ou três dos citados argilominerais que, na grande maioria, resultam da alteração dos feldspatos das rochas, como granitos, gnaisses, sienitos, dioritos, gabros, basaltos e muitas outras.

Argilito (Créditos fotográficos: James St. John –rockidentifier.com)

Na maior parte dos casos, os argilitos (entendidos como rochas sedimentares), resultam, via de regra, de uma sedimentação detrítica de argilominerais e outros (com destaque para o quartzo, o feldspato e as micas) finamente pulverizados (à atrás dita dimensão nanométrica, no geral, inferiores a 0,004 mm), posteriormente transportados até ao local de sedimentação. No âmbito petrográfico, são considerados argilitos terrígenos, detríticos ou herdados que, podem sofrer transformações, em função dos ambientes geológicos a que forem submetidos.

Fala-se de argilas de alteração meteórica relativamente às que formam a capa de meteorização superficial, exercida sobre rochas ricas em feldspatos (gabro, basalto, sienito e outras) e também sobre rochas argilosas como xistos e ardósia. São consideradas argilas de alteração deutérica, (do Grego: deuterós, ulterior, secundário), as geradas no subsolo, por efeito de águas muito quentes (hidrotermais), ascendentes, residuais do magmatismo, bem como dos vapores e dos voláteis associados, e de águas meteóricas penetradas na crosta e, aí, aquecidas por efeito do grau geotérmico. O qualificativo deutérico, sinónimo de hipogénico (origem profunda, do Grego: hipo, inferior, no sentido de por debaixo, e genesis, origem), alude à posterioridade dos minerais resultantes desse tipo de alteração, secundários em relação aos minerais da rocha magmática, entendidos como primários.

Rochas sedimentares (pt.meteorologiaenred.com)

Existem outras acumulações de argilominerais, cuja génese tem lugar no próprio local, por síntese, a partir de substâncias em solução nas águas. São as argilas de neoformação, com muito pouca expressão geológica, mas com grande significado nos solos actuais.

Face ao que se conhece sobre a génese dos argilominerais nos diferentes sistemas bioclimáticos, eles permitem, como nenhum outro componente mineral dos sedimentos e como se disse atrás, inferir reconstituições paleoambientais do maior interesse em Geologia.

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25/11/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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