Boas, gordas e mentirosas!

 Boas, gordas e mentirosas!

(Pixabay)

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A arte de titular a toda a largura da primeira página não é para todos. Um bom título é uma chamada que marca mas também, não menos vezes, uma insinuação que mente e que engana.

O meu título mais feliz saiu num semanário que já não existe – Norte Popular – e diz, pura e simplesmente, “em Coimbra, meu amor, a loucura tem um palácio”. É o título de uma reportagem sobre uma “república” de estudantes de Coimbra, a Real República do Palácio da Loucura e está transcrito numa das paredes da própria casa, o que muito me orgulha.

Outro dos meus títulos, para mim memorável, saiu no Jornal de Notícias e terá sido o único título em francês publicado neste centenário jornal português – “La Paix c’est Moi”. Queria sintetizar um encontro realizado, em Paris, entre Cavaco Silva, então primeiro-ministro de Portugal, e o ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, reunião preparatória de um acordo de paz para uma Angola, na altura, a sofrer uma guerra civil que envolvia a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), de Jonas Savimbi, e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola).

É uma paráfrase da expressão “L’Etat c’est moi”, atribuída a Luís XIV, o francês “Rei Sol”, e pretendia ironizar sobre o secretismo de um encontro tão reservado que nem mesmo o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal (João de Deus Pinheiro) – também em Paris, a acompanhar Cavaco Silva – teve a possibilidade de testemunhar, como seria natural.

À data destas reportagens, eu era um jornalista apaixonado pela profissão e gostava de encontrar um bom título para os trabalhos que ia publicando. Às vezes, como foi o caso desse encontro de Paris, o título surgia antes de escrever a própria peça, mas, em regra, era a última frase a escrever. Sempre a lembrar-me de títulos históricos, como um que atribuo ao jornalista Carlos Pinhão, de A Bola, a sintetizar um jogo de futebol onde o Eusébio brilhou com um inultrapassável “Grande Eusebição”.

Infelizmente, há muitas “gordas” (expressão também utilizada para identificar os principais títulos dos jornais) que, insinuadamente, mentem e que se transformam em exemplos de desinformação quando lidas sem a leitura do texto que suportam e que, não raras vezes, desmente o próprio título.

Créditos: Marty O’Neill (Unsplash)

Esta crónica é escrita no dia 1 de Abril de 2022. O primeiro de Abril, outrora, era uma data consagrada às mentiras, até na Imprensa, ao ponto de os jornais e as rádios rivalizarem no exercício de inventar a melhor mentira, invariavelmente desmentida no dia seguinte. E que volte a ser mentira, pois seja a mentir que a gente se (des)entende!

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

30/05/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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