Camponeses

 Camponeses

Cavador (mãos), estudo do pintor Jaime Martins Barata (1899-1970). (tribop.pt)

Era assim que se dizia: camponeses. Conheci-os bem, na minha adolescência, como campista selvagem que fui, nesses anos, por entre as herdades do Alentejo. Digo “por entre as herdades” porque todo o território que conheci, nesta condição de rapaz, com mais dois ou três companheiros, “por esses campos fora”, era pertença deste ou daquele grande proprietário que, então, eram conhecidos por lavradores ou terratenentes. Conheci-os também no quartel, em Artilharia 3, na cidade de Évora, como oficial subalterno (fui aspirante, alferes e tenente miliciano), nas duas ou três recrutas que ministrei.

“Zé Manel”, pintura de Jaime Martins Barata, em carvão e sanguínea
sobre papel. (tribop.pt)

Inicialmente amedrontados e tímidos, eram jovens fortes de braços e de pernas, mas, no geral, com pouca agilidade. As suas mãos, queimadas pelo sol, contrastavam com os seus corpos demasiado brancos, fruto de uma vida inteira quase sem verem a luz do dia. Calejadas, gretadas e de unhas grossas e duras, estas mãos eram o reflexo da rudeza dos trabalhos agrícolas. Mãos sem os movimentos finos – que a escola e a escrita desenvolvem – só funcionavam em bloco, como um todo de braços e de corpo. A sua caneta era a enxada, como alguns diziam, a brincarem com a sua própria condição.

Rancho Coral e Etnográfico Os Camponeses de Vale de Vargo. (cm-serpa.pt)

Com o advento da liberdade, mau grado as muitas dificuldades sentidas por uma franja muito significativa dos nossos concidadãos, Portugal mudou, como se diz, da noite para o dia, em muitos aspectos da nossa vida. E um desses aspectos pode ser exemplificado com base no que escrevi acima. Deixou de haver camponeses como estes meus recrutas. Não sei praticamente nada sobre o actual mundo rural, que também mudou radicalmente, mas sei que já não há, entre os Portugueses, mãos grossas sem os movimentos finos que a escola e a escrita desenvolvem.

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16/09/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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