Como vencer a batalha da mentira e da desinformação

 Como vencer a batalha da mentira e da desinformação

(Créditos fotográficos: Esther Merbt – Pixabay)

Sempre tive muito arraigada em mim a proposta do trabalho de base. Não por acaso. Sou filha das Comunidades Eclesiais de Base (CEB). Quando, no Brasil, vivíamos a ditadura, tudo era proibido. Falar de política, discutir demandas, compreender a realidade, organizar lutas trabalhistas. Os partidos de esquerda eram clandestinos e não havia outra forma de chegar ao povo que não a do trabalho de base, esse feito nas comunidades, nas associações de moradores. A Igreja Católica, na sua vertente da Teologia da Libertação, foi talvez a única que conseguiu fazer esse trabalho organizativo às claras. Quem iria impedir que os clubes de mães da igreja se reunissem? Ou que os grupos de juventude católica se encontrassem? Foi assim que nasceram as Comunidades Eclesiais de Base. O objetivo era discutir a Bíblia, mas a discussão passava pela análise da realidade e, principalmente, pela proposta de que não era necessário esperar o céu para ser feliz. Era possível ser feliz aqui e agora.  A teoria do “vale de lágrimas” totalmente desmantelada. 

Comunidades Eclesiais de Base em Minas Gerais, no Brasil. (cebsdeminas.com.br)

Foram anos e anos nesse trabalho e não há como negar que grande parte, senão a maioria, dos movimentos sociais que começaram a surgir e a se fortalecerem, no começo dos anos 1980, tiveram aí a sua semente. Combater a ditadura passava por essas reuniões de pequenos grupos.

Num outro dia, em conversa com o professor Nildo Ouriques1, ele comentava que os tempos modernos não comportam mais aquele tipo de trabalho que fazíamos na ditadura. Creio que ele tem meia razão. 

Hoje, não é mais necessário criar subterfúgios para uma reunião ou para a organização dos trabalhadores. Tudo está aberto. E mais, temos uma plataforma tecnológica que, em tese, nos abre para o Mundo e na qual podemos publicar textos, vídeos, fazer encontros, etc. Não há partidos clandestinos e as possibilidades para os debates são infinitas. Mas, aí, também residem problemas.


(Créditos fotográficos: Aneta Pawlik – Unsplash)

Justamente pela sua multiplicidade, as plataformas de comunicação acabam gerando um excesso de informação. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode fazer um vídeo expondo sua “verdade” e isso vai rodando nas telas, uma após a outra, sem que a gente consiga mais – por conta do extremado número – distinguir o que é correto, o que está embasado em informações seguras, o que verdadeiramente faz sentido. Isso sem contar os vídeos de dancinha e de bichinho que nos distraem a cada tanto. Caminhamos num pântano, numa areia movediça de que raramente conseguimos escapar. 

Como, então, enfrentar esse tempo, que é totalmente outro, mas que traz as suas dificuldades singulares? Acredito, firmemente, que precisamos, juntamente com os meios tecnológicos de que dispomos, de trabalhar também no presencial. Os pequenos grupos, as pequenas reuniões, os pequenos encontros. Eles servem para estabelecer e para fortalecer “laços amorosos” ou relações interpessoais que, em última instância, determinam a atenção e a audiência. Isso pode ser feito com o aplicativo multiplataforma WhatsApp? Não sei! Pode ser. Mas, creio que nada supera o olho no olho, o caminho do abraço, do afeto, do respeito construído na caminhada real. Daí que o WhatsApp venha depois, como são os grupos de família ou de amigos. Os laços já estão formados…

(Créditos fotográficos: Small Group Network – Unsplash)

Como o universo das redes sociais se configura na formação de bolhas, fica bem difícil chegar a alguém que não faça parte do nosso mundo, que não compartilhe a nossa forma de ver a realidade. E sair da bolha joga-nos nesse pântano de informações que pululam incessantemente. Assim, realizar esse trabalho de encontro, em espaços diferenciados, pode ajudar os partidos, os grupos políticos e os movimentos a estabelecerem nexos com gente que não se encontraria nos lugares onde estamos acostumados a encontrar. As estradas reais ainda são importantes, penso eu. 

Escritora Adélia Prado. (g1.globo.com)

Não sei se isso poderia ser chamado de trabalho de base, mas a arte do encontro vivencial ainda me parece ser indispensável. Adélia Prado, poetisa mineira, diz: “Só o que a memória ama fica eterno.” Lembro-me de mim mesma, nos caminhos das CEB, ouvindo sobre a Bíblia e sobre a luta política. E as memórias mais penetrantes são as caras, os toques, os abraços, os sorrisos, a atmosfera da solidariedade, da cooperação. Isso ficou marcado como uma forma de viver. É mais forte que o discurso. 

Alguns me chamariam de igrejeira, mas eu prefiro dizer que a raiz dessa minha certeza é antropológica. O ser humano pende para a beleza e para o belo e, quando os vislumbra, ainda que por uma pequena greta, os segue, os persegue! 

 (Créditos fotográficos: Gerd Altmann – Pixabay) 

Daí que descobrir como fazer esse trabalho – num tempo em que, aparentemente, não há mais censura e em que a informação jorra – é o nosso desafio… 

Obviamente, nesse caminho, não podemos abrir mão da comunicação de massa… Mas isso é outro assunto! 

Nota:

1 – Nildo Domingos Ouriques, nasceu em 1959. É um economista e académico brasileiro. Foi presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor de Economia na mesma universidade.

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18/09/2023

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Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

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