Condorito – Chile, 1949 

 Condorito – Chile, 1949 

(welcomechile.com)

Numa recente pesquisa na página electrónica Memória Chilena, da Biblioteca Nacional do Chile, li que, por volta de 1949, “nos anos em que a migração rural colidiu com a nova realidade urbana, Condorito se ergue como a representação gráfica do camponês pícaro / burlão e brincalhão que tenta superar os reveses da vida urbana através da ingenuidade”.

A expressão”Plop!”ficou conhecida graças ao desenho animado e acabou por ser
usada na linguagem quotidiana dos Chilenos. (marcachile.cl)

Podia ser o meu irmão mais velho, três anos me separam do seu nascimento, o qual, como bom irmão, me acompanhou na infância e na juventude com as suas brincadeiras, aventuras, peripécias e esteve sempre junto de nós – dos meus irmãos, da minha família e da minha geração – nos bons e nos maus momentos. 

Mas há um momento em que todos nós abandonamos este tipo de literatura e a deixamos para trás. É o momento em que pensamos em coisas mais sérias e no qual nos julgamos mais adultos. Momento no qual pensamos que só há lugar para uma outra literatura, mais clássica ou mais moderna, a tal relacionada com “boom” literário latino-americano (que surgiu nos anos de 1960 e 1970), etc. 

(memoriachilena.gob.cl)

Condorito é uma personagem da banda desenhada (BD) que combina, de uma forma muito inteligente, as suas características quase humanas com as de um condor e as de um camponês ligado à pecuária (ou huaso) do Chile. Assim, a sua primeira vestimenta foi desenhada com um poncho (ou pequena manta) e sandálias, como as que são utilizadas nas fainas do campo, mantendo na boca um cigarro sempre aceso. 

René Ríos Boettiger (memoriachilena.gob.cl)

Criado pelo caricaturista René Ríos Boettiger –  o Pepo –, a figura de Condorito foi inspirada nas três personagens de “Los tres caballeros”, de Walt Disney (em  1943), filme de “live-action” (ou seja, que combina actores e desenhos animados) no qual os países latino-americanos foram caracterizados como diferentes aves que encarnaram nas figuras do Pato Donald, do Zé Carioca e de Panchito.

(marcachile.cl)

No escudo de armas ou brasão do Chile, aparecem dois animais que encarnam o espírito da Natureza do nosso país andino, eles são o condor e o huemul, uma espécie de pequeno veado, hoje, quase em perigo de extinção. 

Pepo criou o Condorito, com este pensamento: “Pensei no nosso escudo, pensei no huemul e no condor, pensei que entre as duas figuras estavas muito mais perto do que nós […], foi por isso que te fiz descer da serra, vesti chinelos, pus um chapéu huaso em ti, fiz-te viver no mundo dos humanos.” 

(Direitos reservados)

Publicado nas páginas da revista Okey, desde sua primeira aparição no primeiro número desta publicação, em 6 de Agosto de 1949, Condorito foi passando por uma transformação gradual tanto no vestuário como no físico. Desse modo, o poncho e a penugem no pescoço desapareceram e a sua aparência tornou-se cada vez mais humana. O bico alongado encurtou e as características do rosto foram arredondadas. 

Como era de esperar, junto à figura central, Pepo teve de criar uma família particular e um lugar para ele viver. Assim, apareceram Yayita (a eterna namorada de Condorito), Don Chuma (compadre e fiel amigo) e Coné, o sobrinho do Sul que Condorito recebe em sua casa e adopta como filho. É curioso, tal como o Pato Donald, a nossa personagem não tem filhos. Também foi concebida a cidade Pelotillehue, que é uma cidade semi-rural localizada entre algures e nenhures, a par de uma infinidade de personagens que dão vida a um universo heterogéneo e pitoresco. 

Condorito (ar.pinterest.com)

As aventuras de Condorito são do quotidiano e reflectem o carácter trabalhador e lutador da personagem. Não tem o cariz filosófico da menina argentina Mafalda. As suas frases e diálogos são terra-a-terra e destacam-se pelo engenho de um sabor popular.

Condorito foi publicado no Brasil, pela primeira vez, em 1982, pela Rio Gráfica Editora, tendo sido efectuadas 12 edições. Entre 1991 e 1992, foi lançada uma nova revista pela Editora Maltese que teve apenas oito edições. 

Em 1962, a revista local especializada em cinema Ecran-Chile, publicou um artigo discutindo a produção de um filme intitulado “Condorito en el Circo” (“Condorito no Circo”), baseado na personagem. Há pouquíssimas informações, sobre esta possível realização, não entanto, o projecto nunca chegou a ser lançado: houve problemas no financiamento, até que o resultado não agradou ao seu criador, Pepo, frustrando a sua saída. Nunca foi lançado. 

Na década de 1980, Condorito teve uma série de filmes curtos de animação que foram transmitidos pelo no programa “Sábado Gigante”, um dos populares programas de entretenimento da televisão chilena. Os episódios tinham música e efeitos sonoros, mas as personagens não falavam. A série foi uma coprodução  da Television Española (TVE) e da Television Corporation, da Universidade Católica do Chile. 

Finalmente, em 2017, Condorito chega ao grande ecrã. A fita é uma ousada aventura para salvar o planeta e os seus entes queridos de um alienígena cruel. A realização é do israelita Alex Orelle e de Eduardo Schuldt. 

(cinemovie.tv)

Regista ainda a página electrónica Memória Chilena, da Biblioteca Nacional do Chile: “Embora Condorito não baseasse o seu humor na contingência política e social nacional ou internacional, ele, implicitamente, aludia às mudanças que o nosso país [Chile] e o Mundo experimentaram nas últimas décadas. Condorito não só realizou inúmeras ocupações e ofícios, mas também incorporou políticos, atletas, cientistas e artistas de cinema e da música. As suas aventuras levaram-no a diferentes países e épocas históricas.”

(cinemovie.tv)

No dia 24 de Outubro do corrente ano, no distrito de Barranco, na província de Lima, no Peru, foi inaugurada uma estátua de Condorito, numa atividade conjunta de ambos os países, para comemorar os 75 anos da criação do seu autor, Pepo. A estátua é similar à que existe na  cidade de Concepción. Condorito está acompanhado do seu fiel amigo, o cão Washington.

(Direitos reservados)

Em 1974, quando me encontrava, já no exílio, visitei, em mais de uma ocasião, o Jardim Zoológico (Zoo Frankfurt) da cidade alemã de Frankfurt/Main. Um dos companheiros de então, também exiliado, de apelido Ovando, trabalhava nesse parque. Aí, havia um exemplar de um condor chileno. Os animais em cativeiro parecem sempre tristes e o condor, pousado num galho de uma árvore ressequida, imitando uma paisagem natural, parecia mais adormecido e entorpecido que um ser vivente. Ou seja, muito diferente do majestoso porte desta ave andina, a de maior envergadura de asas quando voa e está a planar. Também havia no Zoo Frankfurt, flamingos (Phoenicopterus chilensis), rosados do Chile (estes são mais elegantes e equilibram-se numa perna) foram trazidos de regiões austrais. Foram, nessa altura, breves companheiros que me recordavam a pátria distante. 

Flamingo-chileno (ebird.org)

Notas:

René Ríos Boettiger, conhecido com o pseudónimo de Pepo, nasceu em Concepción, no Chile, em 15 de Dezembro de 1911.

Autocaricatura de René Ríos “Pepo” em “Los actuales
dibujantes de Zig Zag” (em 1955). (fr.wikipedia.org)

Desde muito jovem, Pepo sentiu uma enorme vocação para continuar a perseguir o seu talento. Com apenas sete anos e com o apoio do pai, publicou o seu primeiro “cartoon” no jornal El Sur, de Concepción. Continuou as fazer os seus desenhos até que, aos 10 anos de idade, fez a sua primeira exposição na confeitaria Palet, na sua cidade. Os seus estudos foram realizados no Colégio Alemão de Concepción e, posteriormente, continuou no Liceu para Rapazes n.º 1 de Concepción.

Quando já tinha idade para cursar o ensino superior, ingressou na Universidade de Concepción para estudar Medicina, mas não conseguiu terminar, porque queria prosseguir na sua vocação para o desenho. Após dois anos, retirou-se da universidade. Devido ao seu grande amor pela arte e pelo desenho, aos 20 anos, em 1932, mudou-se para a cidade de Santiago, capital do Chile, para estudar na Escola de Belas Artes. Não demorou muito e passou a fazer parte da revista satírica Topaze, destacando-se como um hábil caricaturista da realidade política da época.

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20/11/2024

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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