Diário de guerra (XIII)

 Diário de guerra (XIII)

China quer ser mediadora de paz entre a Ucrânia e a Rússia, os EUA abraçam a ideia. (Créditos fotográficos: AP – einvestidor.estadao.com.br)

1 – Não terá sido por acaso que dois dos cinco fundadores dos BRICS1 deram um passo em frente para terminar a guerra na Ucrânia: Brasil e China. Ao contrário dos Estados Unidos da América (EUA) e da União Europeia (EU) cujos papéis têm sido amplificar o incêndio que por lá vai lavrando, tornando aquela região da Europa um foco de insegurança para todo o Mundo e contribuindo, dessa maneira, para o empobrecimento dos povos.

No final de sua viagem à China, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, disse, no dia 15 de Abril, em Pequim, que é preciso que os Estados Unidos parem de “incentivar” a guerra na Ucrânia. (Créditos fotográficos: Reprodução / TV Brasil – bbc.com)

Os presidentes destes dois países estão dispostos a encontrar uma plataforma que ponha fim à guerra. Aliás, sem esse passo, sem esse gesto de poisar as armas, deixando-as arrefecer, tal como a situação se apresenta, não pode haver lugar para as duas partes conversarem sobre o assunto. O barulho dos disparos impede que se oiçam uns aos outros.

A criação de um espírito em que se possam discutir as razões de cada um, tendo em vista uma paz douradora é a primeira condição para se encontrar a solução que respeite os interesses em presença. A guerra não é mais do que a tentativa de resolução, pela via armada, de um conflito de interesses. Estamos lembrados de que se não tivesse sido a sabotagem das conversações realizada pela Casa Branca, logo em Maio de 2022, estaríamos a tratar da maneira de viver melhor, em vez de evitar viver pior.

General aposentado Lloyd Austin, numa fotografia de 2015. (Créditos
fotográficos: Pablo Martinez Monsivais/Arquivo/Reuters – g1.globo.com)

É por isso que o papel dos EUA irá estar sob rigoroso escrutínio em tudo o que for esforço do Brasil e da China para calar as armas. Isto porque, até ao momento, têm sido Joe Biden e Lloyd Austin, secretário da Defesa norte-americano, a fazer as despesas da guerra, tanto em dinheiro como em munições, já lá vão, segundo contas feitas por eles, 90 mil milhões de dólares.

O ponto de partida para as negociações com as armas caladas é o objectivo: aceitação da ocupação dos territórios pela Rússia à data da cessação das hostilidades ou reversão da totalidade desses territórios para a tutela da Ucrânia. Postas as coisas neste pé, o que se designa por comunidade internacional só terá de aceitar a solução que for subscrita. Essa terá sido a vontade soberana deles, sem azedumes nem ameaças, nem retaliações. Sem vencedores, nem vencidos. Foi o ponto de chegada em que os dois estiveram de acordo. Com uma condição, porém – que a Ucrânia deixe de constituir uma ameaça para os países vizinhos, seja qual for o resultado a que se chegar. O mesmo é dizer, a retirada da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para bem longe de todas as fronteiras ucranianas.

2 – Foi durante o primeiro ano do conflito que veio à superfície o que até então estava subentendido. Que existia dois modos de encarar o capitalismo e que uma barreira separava os dois modelos de desenvolvimento capitalista: o imperialista, representado pelos EUA, e o multipolar, representado pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Esta organização começara a dar os seus primeiros passos em 2009, enquanto modelo de cooperação política, económica e militar.

O bloco formado pela Rússia, pela Índia, pelo Brasil, pela China e pela África do Sul prometia ser uma nova locomotiva económica no sistema internacional. (Créditos fotográficos: Marcelo Camargo / Agência Brasil – bbc.com)

As sanções impostas pelo Ocidente à Rússia, na tentativa de lhe cortar o acesso a bens indispensáveis, teve como efeito a aceleração e o fortalecimento das trocas comerciais entre aqueles países, com vários outros Estados a demonstrarem interesse em juntar-se a eles, entre os quais o Irão, a Arábia Saudita e a Venezuela. Ao fim de nove pacotes de medidas, as sanções tiveram como resultado estreitar os laços entre os BRICS, todos eles possuidores de importantes recursos naturais estratégicos, dos quais o petróleo, por ora, é o mais significativo.

Sem que se tenha procedido a qualquer aprofundamento teórico sobre as razões do posicionamento, posso dizer que, instintivamente, os que, desde logo, começaram por se opor ao eixo EUA/UE pressentiram que este confronto representava uma oportunidade para a visão imperialista do capitalismo sair enfraquecida e, por outro lado, o capitalismo multipolar poder oferecer melhores oportunidades e condições para as forças anticapitalistas travarem os seus combates.

(leitor.jornaleconomico.pt)

Em certa medida, o conflito da Ucrânia é a parte visível do que está em jogo, e do seu desfecho depende o sucesso de uma ou outra visão. Dir-se-á que, em 24 de Fevereiro, não era este o tipo de confronto que estava em causa. Não sei, desconheço as intenções últimas de cada uma das partes que contam para este confronto. Contudo, o que agora se sabe, passado este tempo, é que foi emergindo um conjunto vasto de argumentos que me levaram a pensar na sua existência prévia ao início da guerra, mas cuja discussão estava bloqueada pela ausência de circunstâncias favoráveis a que se tornasse possível e oportuna, sendo que o ambiente em que ela viria a decorrer havia de ser, inevitavelmente, confrontacional.

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Nota da Redacção:

1 – Segundo regista a Wikipédia, BRICS é uma organização de países de mercado emergente em relação ao seu desenvolvimento económico.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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11/05/2023

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Cipriano Justo

Licenciado em Medicina, especialista de Saúde Pública, doutorado em Saúde Comunitária. Médico de saúde pública em vários centros de saúde: Alentejo, Porto, Lisboa e Cascais. Foi subdiretor-geral da Saúde no mandato da ministra Maria de Belém. Professor universitário em várias universidades. Presidente do conselho distrital da Grande Lisboa da Ordem dos Médicos. Foi dirigente da Associação Académica de Moçambique e da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. É um dos principais impulsionadores da revisão da Lei de Bases da Saúde.

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