Diário de guerra (XIII)
1 – Não terá sido por acaso que dois dos cinco fundadores dos BRICS1 deram um passo em frente para terminar a guerra na Ucrânia: Brasil e China. Ao contrário dos Estados Unidos da América (EUA) e da União Europeia (EU) cujos papéis têm sido amplificar o incêndio que por lá vai lavrando, tornando aquela região da Europa um foco de insegurança para todo o Mundo e contribuindo, dessa maneira, para o empobrecimento dos povos.
Os presidentes destes dois países estão dispostos a encontrar uma plataforma que ponha fim à guerra. Aliás, sem esse passo, sem esse gesto de poisar as armas, deixando-as arrefecer, tal como a situação se apresenta, não pode haver lugar para as duas partes conversarem sobre o assunto. O barulho dos disparos impede que se oiçam uns aos outros.
A criação de um espírito em que se possam discutir as razões de cada um, tendo em vista uma paz douradora é a primeira condição para se encontrar a solução que respeite os interesses em presença. A guerra não é mais do que a tentativa de resolução, pela via armada, de um conflito de interesses. Estamos lembrados de que se não tivesse sido a sabotagem das conversações realizada pela Casa Branca, logo em Maio de 2022, estaríamos a tratar da maneira de viver melhor, em vez de evitar viver pior.
É por isso que o papel dos EUA irá estar sob rigoroso escrutínio em tudo o que for esforço do Brasil e da China para calar as armas. Isto porque, até ao momento, têm sido Joe Biden e Lloyd Austin, secretário da Defesa norte-americano, a fazer as despesas da guerra, tanto em dinheiro como em munições, já lá vão, segundo contas feitas por eles, 90 mil milhões de dólares.
O ponto de partida para as negociações com as armas caladas é o objectivo: aceitação da ocupação dos territórios pela Rússia à data da cessação das hostilidades ou reversão da totalidade desses territórios para a tutela da Ucrânia. Postas as coisas neste pé, o que se designa por comunidade internacional só terá de aceitar a solução que for subscrita. Essa terá sido a vontade soberana deles, sem azedumes nem ameaças, nem retaliações. Sem vencedores, nem vencidos. Foi o ponto de chegada em que os dois estiveram de acordo. Com uma condição, porém – que a Ucrânia deixe de constituir uma ameaça para os países vizinhos, seja qual for o resultado a que se chegar. O mesmo é dizer, a retirada da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para bem longe de todas as fronteiras ucranianas.
2 – Foi durante o primeiro ano do conflito que veio à superfície o que até então estava subentendido. Que existia dois modos de encarar o capitalismo e que uma barreira separava os dois modelos de desenvolvimento capitalista: o imperialista, representado pelos EUA, e o multipolar, representado pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Esta organização começara a dar os seus primeiros passos em 2009, enquanto modelo de cooperação política, económica e militar.
As sanções impostas pelo Ocidente à Rússia, na tentativa de lhe cortar o acesso a bens indispensáveis, teve como efeito a aceleração e o fortalecimento das trocas comerciais entre aqueles países, com vários outros Estados a demonstrarem interesse em juntar-se a eles, entre os quais o Irão, a Arábia Saudita e a Venezuela. Ao fim de nove pacotes de medidas, as sanções tiveram como resultado estreitar os laços entre os BRICS, todos eles possuidores de importantes recursos naturais estratégicos, dos quais o petróleo, por ora, é o mais significativo.
Sem que se tenha procedido a qualquer aprofundamento teórico sobre as razões do posicionamento, posso dizer que, instintivamente, os que, desde logo, começaram por se opor ao eixo EUA/UE pressentiram que este confronto representava uma oportunidade para a visão imperialista do capitalismo sair enfraquecida e, por outro lado, o capitalismo multipolar poder oferecer melhores oportunidades e condições para as forças anticapitalistas travarem os seus combates.
Em certa medida, o conflito da Ucrânia é a parte visível do que está em jogo, e do seu desfecho depende o sucesso de uma ou outra visão. Dir-se-á que, em 24 de Fevereiro, não era este o tipo de confronto que estava em causa. Não sei, desconheço as intenções últimas de cada uma das partes que contam para este confronto. Contudo, o que agora se sabe, passado este tempo, é que foi emergindo um conjunto vasto de argumentos que me levaram a pensar na sua existência prévia ao início da guerra, mas cuja discussão estava bloqueada pela ausência de circunstâncias favoráveis a que se tornasse possível e oportuna, sendo que o ambiente em que ela viria a decorrer havia de ser, inevitavelmente, confrontacional.
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Nota da Redacção:
1 – Segundo regista a Wikipédia, BRICS é uma organização de países de mercado emergente em relação ao seu desenvolvimento económico.
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Nota do Director:
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11/05/2023