Eleições brasileiras podem terminar no primeiro turno

 Eleições brasileiras podem terminar no primeiro turno

Comício do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Porto Alegre. (Foto: Ricardo Stuckert)

Pesquisas indicam possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva derrotar o presidente Jair Bolsonaro, em 2 de outubro

As últimas pesquisas de intenção de voto para presidente do Brasil têm movimentado a última semana da campanha eleitoral brasileira, porque mostram a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (do Partido dos Trabalhadores, PT) vencer a eleição ainda no primeiro turno, cuja votação está marcada para 2 de outubro.

O Instituto Datafolha – um dos mais importantes do Brasil – divulgou um levantamento, no dia 22 de setembro, no qual Lula aparece com 47% das intenções de voto no primeiro turno; Bolsonaro, com 33%; Ciro Gomes (do Partido Democrático Trabalhista, PDT), com 7%; e Simone Tebet (do Movimento Democrático Brasileiro, MDB), com 5%. Os demais candidatos tiveram menos de 2% da preferência do eleitorado.

Jair Bolsonaro cumprimenta a plateia nas comemorações do bicentenário da Independência do Brasil. (Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil)

Ao considerar apenas os votos válidos, Lula tem 50%; e Bolsonaro, 35%. No Brasil, um candidato à presidência da República pode se eleger no primeiro turno, se tiver mais de metade dos votos válidos. Os votos válidos, por sua vez, são aqueles destinados a algum candidato, sem considerar os eleitores que votaram em branco ou anularam o voto. Se nenhum candidato soma mais de 50% da votação, os dois nomes mais votados disputam o segundo turno da eleição, previsto para 30 de outubro.

O Instituto Datafolha ouviu 6.754 pessoas em 343 municípios brasileiros, entre os dias 20 e 22 de setembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral sob o número BR-04180/2022.

O cientista político e autor do livro “A mão e a luva: o que elege um presidente”, Alberto Carlos Almeida, avalia que a chance de a eleição de 2022 terminar no primeiro turno é maior do que ir para o segundo turno. “Considerando os dados do Datafolha, eu daria uma chance de 60% para a eleição acabar no primeiro turno e 40% para acabar no segundo”, projeta.

Cientista político Alberto Carlos Almeida. (Direitos reservados)

Conforme este cientista político, muitos eleitores decidem em quem vão votar na véspera do primeiro turno. Apesar de a maior indecisão recair sobre outros cargos – como os de governador, de senador, de deputado federal e estadual – uma parte significativa do eleitorado escolhe o candidato à presidência na última hora. Muitas vezes, esses eleitores são influenciados pelas pesquisas eleitorais, o que cria uma tendência ao voto no candidato favorito.  

“Se 1% ou 2% do eleitorado decidir votar no Lula no último dia, a eleição presidencial pode ser definida no primeiro turno. Esse contingente de eleitores pode pensar: Eu vim com outro candidato até aqui, mas, como o Lula pode ganhar no primeiro turno, vou votar nele”, analisa Alberto Carlos Almeida.

O doutor em Ciência Política Bruno Schaffer. (Direitos reservados)

O doutor em Ciência Política Bruno Schaffer acredita que a possibilidade de Lula vencer no primeiro turno se deve, entre outras coisas, às “falas irresponsáveis do presidente” nas comemorações do bicentenário da Independência do Brasil, comemorado em 7 de setembro. Inclusive, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, compareceu às festividades em solo brasileiro.

“Lula vinha em queda, mas, em algum momento, possivelmente a partir do 7 de setembro, com as atitudes irresponsáveis do presidente, a campanha do petista cresceu. A possibilidade de vitória em primeiro turno apareceu. Mas isso é um tanto quanto difícil. Nas quatro eleições que o PT venceu (Lula se elegeu em 2002 e em 2006; e a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2010 e em 2014), em nenhuma delas foi no primeiro turno. Esta eleição pode ser uma exceção. Tudo vai depender do comparecimento às urnas”, reflete Bruno Schaffer.

Bolsonaro ataca pesquisas e sistema eleitoral

A campanha de Bolsonaro tem atacado as pesquisas de intenção de voto, assim como o próprio sistema eleitoral brasileiro. Além disso, o presidente tem lembrado dos escândalos de corrupção durante o governo do PT, como os desvios de recursos da estatal de petróleo, Petrobrás.  

Em 20 de setembro, antes de discursar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, o presidente falou aos jornalistas e simpatizantes na porta do hotel em que estava hospedado. “A população quer a continuidade do nosso governo. Eu entendo (vencer a eleição) já no primeiro turno para nós. As pesquisas não valem de nada, erraram tudo em 2018 e agora potencializam o outro lado (Lula)”, disse Bolsonaro.

Assembleia-Geral da ONU. (Foto: reprodução/ONU – valor.globo.com)

Em 2018, na véspera do primeiro turno, a pesquisa Datafolha mostrava Bolsonaro com 40% das intenções de voto e o segundo colocado, Fernando Haddad (PT), com 25%. Bolsonaro terminou o primeiro turno com 46,03% dos votos válidos; e Haddad, com 29,28%.

Alberto Carlos Almeida analisou todos os prognósticos da pesquisa Datafolha, desde a volta das eleições diretas para a presidência da República em 1989. Foram sete primeiros turnos e cinco segundos turnos. Nos primeiros turnos, este cientista político comparou a previsão de voto para os quatro primeiros candidatos com a votação efetiva (ou seja, revisou 28 resultados). No segundo, revisou o prognóstico para os dois finalistas (mais 10 resultados).

Urna eletrônica usada na eleição brasileira. Bolsonaro foi perguntado
se aceitaria o resultado das eleições em caso de derrota. “Eu não vou
ficar em hipóteses. Vamos ganhar no primeiro turno”, responde
irritado. (Foto: LR Moreira / Secom TSE)

“Portanto, analisei um total de 38 resultados eleitorais que o Datafolha pesquisou na véspera da eleição. A pesquisa ficou distante em apenas meia dúzia de resultados. Nos demais, ficou muito próximo da votação contabilizada. Então (quando o presidente diz que as pesquisas erram), ele enfatiza a exceção, não a regra”, pondera Alberto Carlos Almeida.

Na mesma ocasião em que desacreditou as pesquisas, Bolsonaro foi perguntado se aceitaria o resultado das eleições em caso de derrota. “Eu não vou ficar em hipóteses. Vamos ganhar no primeiro turno”, disse o presidente, antes de se retirar visivelmente irritado com a pergunta. Mesmo sem provas, o presidente tem questionado a confiabilidade das urnas eletrônicas brasileiras.

Urnas eletrônicas usadas na eleição brasileira. (Foto: Antonio Augusto / Secom TSE)

Para Alberto Carlos Almeida, o objetivo dos ataques do presidente não é a obtenção de mais votos. “Isso é para tumultuar depois do resultado da eleição, para dizer que foi fraudada. Ele não consegue ganhar votos com isso. Muita gente que vota nele acredita que ele vai ganhar no primeiro turno, o que obviamente é uma balela. Mas Bolsonaro quer essas pessoas mobilizadas perto dele.”

Lula busca voto útil e comparecimento nas urnas

Desde que a vitória no primeiro turno passou a ser vislumbrada, a campanha do ex-presidente Lula tem se concentrado em dois pontos: o chamado “voto útil” e o apelo aos eleitores para comparecerem nas urnas em 2 de outubro.

Comício de Lula em Porto Alegre. (Foto: Ricardo Stuckert)

O voto útil ocorre quando o eleitor de outro candidato, com menos chances de vencer, decide votar em um dos nomes mais competitivos. Nas redes sociais, artistas, líderes políticos e outros apoiadores de Lula têm buscado os eleitores de Ciro Gomes, Simone Tebet e outros, na esperança de convencê-los a votar em Lula, derrotando Bolsonaro já em 2 de outubro.

Além disso, a campanha do ex-presidente tem combatido a abstenção eleitoral, ou seja, o não comparecimento às urnas – principalmente, dos mais jovens e humildes. Em 2018, a taxa de abstenção chegou a 20,3% do eleitorado brasileiro.

No recente domingo (25 de setembro), a sete dias da eleição, o próprio Lula usou a sua conta no Twitter para pedir aos brasileiros que votem em 2 de outubro. “É importante que as pessoas compareçam para votar, até para depois terem o direito de cobrar, exigir. Nesses últimos dias, vamos fazer uma campanha para convencer o maior número de pessoas a irem votar”, escreveu o candidato do PT.

“Esta eleição pode ser uma exceção. Tudo vai depender do
comparecimento às urnas”, observa Bruno Schaffer.

Bruno Schaffer acredita que a abstenção será decisiva para uma eventual vitória de Lula no primeiro turno. “Normalmente, o alto comparecimento às urnas favorece a Esquerda (porque, geralmente, quem não vai votar são as camadas mais pobres da sociedade). A abstenção, com certeza, será um fator decisivo. Como as pesquisas indicam que o Lula tem cerca de 50% dos votos válidos, qualquer abstenção vai contar muito para que a eleição seja decidida no primeiro turno ou não”, pondera o mesmo cientista político.

Segundo este especialista em Ciência Política, a violência contra apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode aumentar a abstenção. “O eleitor, especialmente o do Lula, está envergonhado ou amedrontado pelos episódios de violência. Portanto, ele pode não ir votar no dia 2 de outubro”, refere.

Um dos casos mais graves de violência política ocorreu em julho, quando o militante do PT Marcelo Arruda foi assassinado em Foz do Iguaçu pelo apoiador de Bolsonaro Jorge Guaranho. Marcelo Arruda estava na sua festa de aniversário, cuja decoração homenageava o ex-presidente Lula.

Apenas duas eleições foram decididas no primeiro turno

Desde 1989, os brasileiros votaram sete vezes para escolher o presidente. Neste período, a eleição presidencial terminou no primeiro turno em apenas duas ocasiões: em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso (do Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB) se elegeu pela primeira vez; e, em 1998, quando ele se reelegeu.

26/09/2022

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Marcus Meneghetti

É formado em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalhou oito anos como repórter político, no "Jornal do Comércio", com sede em Porto Alegre, no Brasil. Também escreve sobre Cultura e Meio Ambiente, além de ser autor de ficção.

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