Encontros e lembranças (2)

 Encontros e lembranças (2)

A actriz chilena Maria Elena Duvachelle. (lacuarta.com)

Nos primeiros dias de 2025, encontro-me, em casa do meu irmão Rafael, com Maria Elena Duvachelle e a sua sobrinha Orietta Paz. 

María Elena é a única sobrevivente de uma família de actores chilenos notáveis, três irmãos e uma irmã, que – com a actriz Orietta Escámez – formaram a Companhia dos Quatro, a mais notável companhia teatral independente chilena. Essa companhia teatral revelou ao público autores como Samuel Beckett, Eugène Ionesco e Peter Shaffer,  entre outros. María Elena Duvachelle foi secretária do  SIDARTE – Sindicato de Actores y Actrices de Chile, num momento difícil. Quando, em 1987, um autodenominado “Comando Trizano” ameaçava de morte 78 pessoas ligadas ao mundo do teatro, o SIDARTE enfrentou o terror com amor e solidariedade.

“A partir desta data: 30 de Outubro de 1987, as seguintes figuras do marxismo internacional têm um mês para deixar o país”, dizia o documento assinado pelo grupo Comando 135 – Acción Pacificadora Trizano, associado à extrema-direita chilena.  

María Elena Duvauchelle e Julio Jung, dois dos artistas chilenos que foram ameaçados de morte, em 1987. (guioteca.com)

A atriz María Elena Duvauchelle – que, então, era secretária do Sindicato dos Actores e Actrizes do Chile – lembra que, “imediatamente, o escândalo chegou aos ouvidos das grandes estrelas internacionais da época, as quais nos manifestaram solidariedade. Recebemos cartas e telefonemas de pessoas como Robert Redford, Robert De Niro, Jane Fonda, Laurence Olivier, Meryl Streep, Glenn Close, Glenda Jackson, Arthur Miller e Christopher Reeve. Aí, liguei para o escritor chileno Ariel Dorfman, que já morava nos Estados Unidos da América (EUA), tendo-lhe ocorrido que, se uma estrela internacional viesse ao nosso país (Chile) e nos apoiasse e se solidarizasse connosco, ele poderia ajudar-nos a salvar. De facto, ele conseguiu, assim, trabalhar. Pensámos em convidar Jane Fonda, mas ele disse que Christopher Reeve, mundialmente famoso pelo seu papel como Superman, era na pessoa ideal. 

O actor norte-americano viajou ao Chile e participou em actividades solidárias com os actores e artistas chilenos. 

Christopher Reeve de punho erguido no acto organizado na Garagem Matucana, em Santiago do Chile. (instagram.com/christopherreeveofficial)

Maria Elena continua a lembrar que, graças à inesperada visita de Christopher Reeve ao nosso país (Chile), as ameaças de morte contra os 77 artistas chilenos dariam em nada. Na quinta-feira, 3 de Dezembro de 1987, o famoso actor do “Superman” retornaria aos EUA, embora a sua ligação com o Chile não fosse cortada. Em 1988, seria um dos rostos que protagonizou um dos “spots” da campanha do “Não ao plebiscito”. “A votação é secreta… O futuro do seu país está nas suas mãos”, disse Reeve ao público chileno, naquela ocasião. 

Super-Homem, interpretado por Christopher Reeve. (comicbook.com)

Curiosamente, quando regressei a Portugal, no dia 4 de Janeiro, com passagem por Barcelona, enquanto viajava no avião, tendo um ecrã individual à minha frente, vi o filme documental “Super/Man: A História de Christopher Reeve”, que conta a trajectória do intérprete mais icónico do super-herói no cinema. A produção acompanha a ascensão de Christopher Reeve ao estrelato, quando conquistou o papel de Super-Homem, na década de 1970. Além disso, o documentário retrata o trágico acidente de cavalo que o deixou paralisado, em 1995, e como ele passou o resto de sua vida em busca de uma cura para as lesões na medula espinhal. 


O documentário “Super/Man: A História de Christopher Reeve” reconta a
trajectória do actor dentro e fora das telas. (Créditos de imagem: Warner
Bros./Divulgação / Estadão – terra.com.br)

É emocionante constatar o apoio familiar, da sua mulher (Dana) e dos seus filhos, e daquele que foi o seu “irmão” no cinema e na vida, o comediante Robin Williams. A coragem e o optimismo do actor foram notáveis nos momentos de recuperação e de luta. Tudo isto a par de imensas actividades de apoio dirigido a outros doentes tetraplégicos,  como ele, através da Fundação Christopher/Dana Reeve. 

***

Lembro ainda que, há 10 anos, o jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, foi alvo de um ataque terrorista. Decorreu, em Paris, a 7 de Janeiro (terça-feira), uma cerimónia que assinalou o ataque que vitimou 12 pessoas. Entre as vítimas, Georges Wolinski2, cartoonista e escritor de banda desenhada, que foi o nosso companheiro no júri de várias edições do PortoCartoon – World Festival, nas quais colaborei. 

Manifestações em 2015, em apoio ao Charlie Hebdo. (foradoplastico.com.br)

Notas: 

María Elena Duvauchelle (Créditos
fotográficos: Juan Pablo Sierra –
latercera.com)

1 – María Elena Duvauchelle Concha (Concepción, 30 de Agosto de 1942) é uma actriz chilena de teatro, de cinema e de televisão, com uma longa carreira. Obteve múltiplos reconhecimentos ao longo da sua vida, incluindo o Prémio Teatro Municipal da Venezuela, em 1977, e a Medalha de Excelência do Conselho Nacional de Cultura e Artes do Chile, em 2014. 

Georges Wolinski  (en.wikipedia.org) 

Em 2019, a direção do Teatro Sidarte atribuiu à sala 1 o nome da actriz: “Sala 1 María Elena Duvauchelle”, em comemoração do Dia Nacional do Teatro (11 de Maio), no Chile. 

2 – George Wolinski, importante cartoonista francês, foi colaborador de publicações como o jornal satírico Charlie Hebdo ou a revista Paris Match. Habitualmente, Wolinski era presidente do Júri Internacional do PortoCartoon – World Festival. Este cartoonista referiu-se ao PortoCartoon como um evento “único no Mundo”, afirmando, igualmente, que Portugal é dos poucos países onde existe “uma grande tradição de desenho de humor”. 

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16/01/2025

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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