Epifania

(Créditos de imagem: Chen – Pixabay)
“Epifania” é uma palavra lindíssima, ela, em si, esconde o mistério da revelação e do sagrado.
Como habitualmente, recorro à Wikipédia, a qual nos indica que o termo “epifania” resulta do Latim tardio: “epiphanīa”. E, por sua vez, também do Grego: “visível”, derivado de “aparecer / revelar”. Diz-nos ainda esta enciclopédia livre que se trata de “um sentimento que expressa uma súbita sensação de entendimento ou [de] compreensão da essência de algo”. “O termo é usado nos sentidos filosófico e literal”, sendo “aplicado quando um pensamento inspirado e iluminante acontece, que parece ser divino em natureza”. “Também pode significar aparição ou manifestação de algo, normalmente relacionado com o contexto espiritual e divino”, regista a Wikipédia, acrescentando que, do “ponto de vista filosófico, a epifania significa uma sensação profunda de realização, no sentido de compreender a essência das coisas”.

A Epifania do Senhor é uma celebração religiosa do cristianismo e, de acordo com o costume, a festa ocorre dois domingos após o Natal. Assim, chamamos Festa da Epifania à visita dos Reis Magos do Oriente celebrada no dia 6 de Janeiro. É um momento de revelação e de anunciação ao Mundo do nascimento de Jesus e o início de uma nova era.

Outros acontecimentos podem ser considerados epifânicos como o encontro de João Baptista de Jesus no rio Jordão. Ou, igualmente, o encontro de Moisés no monte Horebe (ou Monte Sinai), onde contempla uma sarça ardente, mas que não se consome pelo fogo. A presença de Deus é significativa, esta montanha iria tornar-se, mais tarde, o local onde Moisés recebeu os Dez Mandamentos, ligando, assim, a sarça ardente à narrativa mais ampla da aliança de Deus com Israel, como podemos ler no texto bíblico (Êxodo 3:4).

Para a festa tradicional de Natal que se realiza, anualmente, na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, socorri-me de fragmentos da peça teatral “Da Arte de Bem Governar”2, a partir do original “The Business of Good Government; a Christmas Play”, de John Arden (1963).
A peça é, literalmente, um auto de Natal, como os autos tradicionais que conhecemos desde a Idade Média. John Arden, neste texto, explora as relações de comércio e de poder entre Roma e o Egipto, bem como o papel de Herodes, enquanto governador da Judeia, em representação do Império Romano. Foi durante o seu reinado que nasceu Jesus Cristo, segundo a narrativa bíblica. Herodes terá sido visitado pelos três Reis Magos, que foram adorar o Rei dos Judeus. Então, Herodes pediu aos Magos que seguissem para Belém e que, depois, voltassem para reportar se tinham conseguido encontrar a criança. porém, os Magos foram avisados em sonho a seguirem por outro caminho e a não regressarem junto de Herodes.

Assim, o governador da Judeia mandou matar todas as crianças de até 2 anos de idade (Mateus 2: 1-16). É deste episodio que o autor John Arden se aproveita para narrar a fuga de José e de Maria para o Egipto. Durante a fuga, a Família Sagrada encontra uma camponesa que semeia trigo no caminho que conduz para o Egipto. Quando José lhe pede para que não fale sobre a sua passagem, a camponesa, com medo, diz que não pode mentir aos soldados e menos ao rei: “Eles matam-nos, queimam as nossas sementeiras. Não posso negar que os vi…”
Quando Herodes se apercebe de que os Reis Magos o enganaram e que o casal fugiu, aparece junto da camponesa, num claro recurso brechtiano, para a interrogar. Ela não mente e explica que o casal procurado acaba de passar por aí, há poucas horas, afirma que tudo isto aconteceu enquanto ela semeava.
Herodes pergunta onde, pois, no campo que os rodeia, a sementeira já esta alta e crescida.

do Funchal, com encenação de Roberto Merino. (Direitos reservados)
O milagre aconteceu, em poucas horas, o trigo cresceu ocultando o caminho dos fugitivos. Herodes regressa ao palácio e a cena termina com este breve e belo monólogo da camponesa:
“Aquele trigo cresceu numa hora. Era mesmo aquele campo. Como poderia mentir-lhe. Ele (Herodes) é pior que os soldados, era o Rei. Ó meu Deus, o trigo cresceu numa hora (curva-se para examinar as folhas do trigo) Parece trigo vulgar… Se o ceifarmos, debulharmos e moermos, dará farinha… Não sei se teremos coragem. Não sei se haverá alguém com coragem de comer um bocado deste pão, sem primeiro saber o que passou por aqui, e quem era e que levava…”
Na peça, mais tarde, acontece a visita e a adoração ao Menino:
“Reis Magos: (no presépio, junto de Maria e de José). Trouxemos presentes para o Menino.
Rei Mago P: Ouro! O ouro representa o poder. Onde há poder, há possibilidades de benefícios para gerações futuras.
Rei Mago J: Incenso! O incenso representa a religião. Como homens de ciência, temos de reconhecer a existência de forças poderosas que influenciam as nossas vidas, o que não entendemos completamente.

Experimental do Funchal, com encenação de Roberto Merino.
(Direitos reservados)
Rei V: Mirra! A mirra representa a morte, a que ninguém pode escapar. Contudo num país bem administrado, o bom trabalho de um homem será continuado pelos seus sucessores. Estamos confiantes em que este Filho de David, a quem trouxemos presentes, se mostrará um notável descendente dos seus notáveis antepassados: está, na verdade, assim escrito nas constelações. Daí a nossa visita e as nossas felicitações.”
Janeiro aproxima-se do seu fim, já passaram as festas natalícias. Porém, novas celebrações nos esperam.
Há anos, morei na Travessa de Cedofeita, na cidade do Porto. Da janela do meu quarto podia ver as traseiras do Teatro Carlos Alberto. Perto do Natal, com escassa iluminação – nada comparada com as de hoje –, havia uma estrela solitária, iluminada mesmo por cima da minha porta. Lembro-me de ter escrito, nessa altura, algo parecido com isto que, agora, procuro reproduzir:

Notas:
1 – John Arden (1930-2012) foi um dramaturgo inglês que, ao morrer, foi elogiado como “um dos dramaturgos britânicos mais importantes do final dos anos 1950 e início dos anos 60”.
2 – “Da Arte de Bem Governar” foi encenada por mim (Roberto Merino) no Teatro Experimental do Funchal (TEF), nos anos 80.Na década de 1990, o TEF encenou a peça “Viver Como Porcos” (“Live Like Pigs”, original de John Arden datado de 1958), com encenação de Moncho Rodrigues.
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23/01/2025