Espaços teatrais na cidade do Porto (I)
Ao fim de 20 anos, a Palmilha Dentada, companhia de teatro do Porto, conseguiu uma morada fixa, na cidade que a viu nascer e crescer. A sala para aproximadamente 50 lugares, dependendo da tipologia do espectáculo, está localizada no número 125 da Travessa das Águas, uma artéria junto da Rua de Anselmo Braamcamp. A peregrinação, para já, termina aqui, depois de ter passado vários anos a saltar entre espaços como os da Tertúlia Castelense (na Maia), da Sala Estúdio Latino do Teatro Sá da Bandeira, do Teatro Helena Sá e Costa (integrada na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo – ESMAE) ou do Armazém 22 (em Vila Nova de Gaia).
Alegramo-nos por sabermos que há mais um espaço para a actividade teatral na nossa cidade. Foi, precisamente, aqui que assistimos à representação de “Acto Cultural”, uma tragicomédia do autor venezuelano José Ignacio Cabrujas Lofiego (uma peça de 1976). Também aqui foi possível reencontrar, com muito agrado, o actor Mário Moutinho, decano dos actores do Porto, acompanhado de um elenco jovem e vital.
Respigando o respectivo programa, lemos: “Em Acto Cultural vamos conhecer personagens de vidas vazias, solitárias, sem perspetivas, sem ambições, que moram numa pequena cidade do interior da Venezuela – San Rafael de Ejido. A solidão junta esses personagens na Sociedade Louis Pasteur, que tem como objetivo a promoção da Cultura. Nesta noite, elas cumprirão o desafio de fazer Teatro pela primeira vez, promovendo um Acto Cultural – a encenação da peça Cristóvão Colombo, o Genovês Alucinado, que conta a viagem de Colombo para a descoberta da América. Os atores amadores acabam por misturar as próprias vidas com as dos personagens da peça que encenam e é aí que se revelam e se aprofundam as suas poderosas angústias. Acto Cultural é também uma deliciosa comédia, onde o autor, José Ignacio Cabrujas, transforma esse tema espinhoso em momentos de muito humor.“
A meu ver, este é um momento propício para lembrar os espaços teatrais desparecidos da cidade do Porto.
Teatro (de Bolso) António Pedro – na Rua do Ateneu Comercial do Porto, n.º 9 (já foi a Travessa Passos Manuel).
Há 64 anos, a 23 de Novembro de 1957 (sábado), o Jornal de Notícias publica um anúncio do Círculo de Cultura Teatral, subsidiado pela (então recente) Fundação Calouste Gulbenkian, publicitando a estreia, no Teatro Sá da Bandeira, da peça “A Promessa”, de Bernardo Santareno (pseudónimo literário de António Martinho do Rosário, 1920-1980), pela companhia Teatro Experimental do Porto, dirigida por António Pedro (1909-1966).
O “Teatro de Algibeira (ou de Bolso)” havia já sido inaugurado no ano anterior (numa terça-feira, a 8 de Maio de 1956), na Rua do Ateneu Comercial do Porto, segundo um projecto do arquitecto Luís Praça. Como a lotação era muito reduzida (apenas 134 lugares), “A Promessa” foi exibida no Teatro Sá da Bandeira. O Teatro de Algibeira foi, infelizmente, demolido em 1980.
Foi nesta sala que iniciei a minha vida como encenador em Portugal, de 1975 a 1978. Eu voltaria ao TEP (Teatro Experimental do Porto) em mais três ocasiões, como director artístico.
Mural de azulejos, da autoria de António Pedro, que estava à entrada do Teatro de Bolso. As imagens são alusivas às primeiras representações do TEP: “A Morte de Um Caixero Viajante”, de Arthur Miller; “Um Pedido de Casamento” e “Os maleficios do Tabaco”, de Anton Tchekhov, entre outros.
Uma das fotografias de Fernando Aroso (1921-2018), mostra uma cena de “A Promessa”, onde se destacam, entre outros, João Guedes (1921-1983), no papel de José; Vasco de Lima Couto (1923-1980), no papel de Padre; Dalila Rocha (1920-2009), encarnando a Maria do Mar; e Alda Rodrigues (1939-1988), que fazia deMaria da Avó. O cenário, de Augusto Gomes, representa “uma aldeia de pescadores portugueses […] sem nenhuma intenção folclórica ou de rigorismo social”. Para mais informação a este respeito, pode aceder ao blogue do Porto e não só…
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A sala d´Os Modestos – frente ao edifício do Jornal de Notícias.
O “Grupo dos Modestos” está nas páginas da história da cidade. Foi escola de muitos actores de teatro, como é o caso de António Reis, que também passou pela direcção do grupo teatral. “Foi lá que me estreei, em 1964. Depois fui ficando por lá e éramos todos uma família”, contou o actor e encenador, desafortunadamente, já desaparecido (faleceu em 5 de Abril de 2022).
A 25 de setembro de 1902, um conjunto de rapazes, amigos da arte, representou “Os sinos de Bonneville”, numa loja de um prédio na Rua do Almada. Foi o início. Em 1908, já mais amadurecido, este que foi considerado um dos mais importantes grupos de teatro do século XX, fixou a sua sede na Rua de Gonçalo Cristóvão. E aí viveu até fechar portas, no início dos anos 80. O edifício, que pertenceu à Associação Portuense de Socorros Mútuos das Classes Laboriosas, permaneceu devoluto, desde então. Até ser comprado para ali ser construído um hotel, como informava o Jornal de Notícias (na sua edição online de 2 de Fevereiro de 2018).
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“Histórias Para Serem Contadas” – A 14 de Março de 1972 o TV Palco – programa televisivo (magazine sobre teatro, com a retrospectiva e excertos de espectáculos teatrais no País) da RTP, de autoria de Igrejas Caeiro – fazia o registo, no Grupo de Teatro dos Modestos, da peça “Histórias Para Serem Contadas”, do dramaturgo argentino Osvaldo Dragun, encenada e dirigida por Júlio Cardoso, no Teatro do Terço, no Porto. O espectáculo teria sido ensaiado nos Modestos, lugar também de representação, como se poderá observar nas fotografias da época.
No palco dos Modestos, apresentámos, com encenação minha, dois espectáculos do Teatro Experimental do Porto/TEP: “Ópera Mundi”, dois textos do autor espanhol Fernando Arrabal; e “Oração e Piquenique na frente” (“Piquenique no Front” é uma comédia igualmente escrita por Fernando Arrabal, em 1952, na linha do teatro do absurdo).
Naquele espaço, também a Seiva Trupe levaria à cena as representações de “O Santo Inquérito” (em 1975), da autoria de Dias Gomes, com encenação de Joaquim Benite; e “Lux in Tenebris”(em 1975), de Bertolt Brecht, com encenação de Júlio Cardoso.
O palco dos Modestos seria ainda o palco da companhia profissional Os Comediantes, grupo integrado por Jorge Pinto, Emília Silvestre, João Paulo Costa, Rosa Quiroga e João Cardoso. Grupo que foi dirigido pelo recentemente falecido Moncho Rodriguez, a quem prestamos a devida homenagem.
Como lemos no blogue Freepass Guimarães, os palcos ficarão mais tristes, porque morreu Moncho Rodriguez:
“Encenador galego esteve na origem da criação do Teatro Oficina há cerca de 30 anos. Faleceu esta tarde, 28 de janeiro, vitima de doença prolongada.
Sem uma base fixa, Moncho Rodriguez encantou públicos um pouco por todo o mundo, mas foi em Portugal, Espanha e no Brasil que o encenador, dramaturgo, figurinista, aderecista, músico e formador de atores, desenvolveu mais o seu trabalho. Teatro Experimental do Porto ou o PIANE no Brasil foram outros dos seus palcos.
Em Guimarães, Moncho teve na origem do Teatro Oficina, que viria a trabalhar e a desenvolver parte do seu trabalho no então degradado Palácio Vila Flor. Foi inclusive neste local que encenador montou as primeiras peças para dar vida ao Teatro Oficina, uma companhia que seria um passo importante para dezenas de intérpretes vimaranenses.
“A Grande Serpente” ou “Os Gigantes da Montanha” foram as criações mais relevantes na cidade berço, mas Guimarães deve muito a um dos impulsionadores do seu teatro de comunidade. A notícia do seu falecimento tem sido amplamente divulgada tanto na imprensa local como por pessoas ligadas ao seu círculo profissional.” (sic)
09/02/2023