Frei Chico: um doloroso caminho para a liberdade

Frei Chico, irmão de Lula da Silva. (Créditos fotográficos: Eduardo Matysiak – cartacapital.com.br)
Frei Chico1, operário e sindicalista brasileiro, foi barbaramente torturado na prisão. O pau-de-arara e os choques eléctricos deixaram-lhe marcas profundas. “Se foi ruim para o corpo dele […], foi um salto de qualidade extraordinário na minha vida política. […] Aí eu passei a não ter mais medo.” Esta confissão, que transcrevo, pertence ao presidente brasileiro Lula da Silva e foi feita à jornalista e escritora Denise Paraná, autora do livro “Lula, O Filho do Brasil”2. A prisão de Frei Chico aconteceu em 1975. O país era, então, presidido por Ernesto Geisel3, que foi o 29.º presidente do Brasil, sendo o quarto na ditadura militar (1964-1985).

Os horrores infligidos a Frei Chico marcaram profundamente Lula da Silva, que então liderava o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. A visita a “Chico”, que estava preso na cadeia do Hipódromo, em São Paulo, radicalizou a actividade sindical de Lula e levou-o a liderar as greves da Vila Euclides4, que provocaram o primeiro terramoto na ditadura militar.
Frei Chico é ateu, chama-se José Ferreira da Silva. É irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e um dos oito filhos de um casal de camponeses do interior rural do nordeste pernambucano. Foi Frei Chico que convenceu o irmão e companheiro de casa a juntar-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

É a vida recheada de História deste antigo dirigente sindical e ex-militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que teremos a oportunidade de conhecer em detalhe no próximo sábado, dia 13 de Maio, a partir das 16h00, na UNICEPE (Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto), na Praça de Carlos Alberto (n.º 128-A), durante uma conversa com o próprio Frei Chico, que será moderada por Tainara Fernandes Machado5, educadora, socióloga, activista feminista e anticapitalista.
Quatro dias depois, a 17 de Maio, é a vez de Lisboa. Chico e Tainara vão reencontrar-se no Auditório do Museu do Aljube – Resistência e Liberdade, pelas 18h00. Actualmente com 81 anos, Frei Chico mantém-se ligado ao mundo operário e integra o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos do Brasil.
.
Notas:
1 – Frei Chico é irmão de sangue e o mais próximo de Lula. José Ferreira da Silva foi alcunhado de Frei Chico pelos seus camaradas metalúrgicos. Aos 22 anos, “eu era meio gordinho e trabalhava de soldador”, recorda, explicando: “O soldador usa um avental de couro, capacete e máscara. Quando eu terminava um trabalho, de longe, você via só a carequinha, então o pessoal me apelidou de padre.” Frei Chico foi acusado de, entre 2003 e 2015, ter recebido 1,131 milhões de reais (250 mil euros) da Odebrecht. Tal valor, segundo a acusação da “Lava Jato”, fazia parte de um “pacote de vantagens indevidas oferecidas a Lula em troca de diversos benefícios obtidos pela Odebrecht junto do Governo federal”. O Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3) rejeitou a denúncia de Sérgio Moro apresentada contra Lula e o seu irmão. A decisão manteve o que foi determinado em primeira instância pelo juiz Ali Mazloum, da 7.ª Vara Federal Criminal de São Paulo. O criminalista Cristiano Zanin Martins, que defendeu Lula, classificou tal como uma “acusação imaginária.” “A decisão do TRF-3 prestigia o devido processo legal e reforça a inocência de Lula e excepcionalidade dos processos contra o ex-presidente conduzidos a partir da 13.ª Vara Federal de Curitiba”, afirmou, então, Zanin Martins.

2 – “Lula, o Filho do Brasil” é um livro biográfico. Narra a trajectória de vida do presidente Lula. Escrito pela jornalista e escritora Denise Paraná, foi editado pela Fundação Perseu Abramo, instituição ligada ao Partido dos Trabalhadores, e pela editora Xamã, em 1996. A obra, que tem prefácio do professor e crítico literário António Cândido (1918-2017) e está à venda em Portugal, resulta de entrevistas com Lula da Silva, familiares e amigos. Fábio Barreto (1957-2017), realizou, em 2010, um filme a partir do livro de Denise Paraná. A obra cinematográfica narra a trajectória de Lula até à morte da sua mãe, Dona Lindu, quando o reeleito presidente era um líder sindical de 35 anos preso pela ditadura.

3 – Ernesto Beckmann Geisel foi presidente do Brasil entre 1974 e 1979, em plena ditadura militar. Filho de imigrantes luteranos estudou no Colégio Martinho Lutero e no Colégio Militar de Porto Alegre. Nas eleições presidenciais de 1985, apoiou Tancredo Neves, candidato da oposição ao regime dos militares. Mais tarde, foi presidente da Norquisa, “holding” do sector petroquímico.
4 – O Estádio Municipal “Presidente Arthur da Costa e Silva” foi inaugurado em 1968, mas o povo rebaptizou-o como “Vila Euclides”. E foi com esse nome que entrou para a história da luta pela democracia. Em 1978, após anos “silenciados pela ditadura civil-militar”, os operários do ABC Paulista retomaram as greves como instrumento de luta.

O estado de São Paulo viveria, em 1979, a primeira greve geral. Os operários saíram das fábricas e ocuparam as ruas. E o “Vila Euclides” foi palco de assembleias, com mais de 100 mil trabalhadores, que estiveram na origem da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT). Actualmente, o estádio chama-se “1.° de Maio”.

5 – Tainara Fernandes Machado é doutorada em Sociologia, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e mestre em Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre (no Brasil). Vive em Sintra, desde 2019. Participa no colectivo feminista anticapitalista, antirracista e ecossocialista “A Coletiva” e na Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, de Portugal.
.
.
Fontes consultadas:
Jornal do Brasil (08/11/2008), Memorial da Resistência de São Paulo, O Globo, CNN Brasil e Wikipédia.
.
08/05/2023