Galopimites

O autor no local da descoberta, observando, à lupa, uma amostra da rocha. (© A. M. Galopim Carvalho)

serra dos Candeeiros. (© A. M. Galopim Carvalho)
Em inícios de 2006, José Teixeira, da empresa Minermós, um dos comerciantes habituais na Feira Internacional dos Minerais, Gemas e Fósseis, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC), telefonou-me de Porto de Mós, onde reside, solicitando-me que o recebesse, pois tinha algo que achara e lhe parecia único no contexto da grande diversidade de espécimes que conhecia nas muitas feiras internacionais que frequenta.
Passados alguns dias, trouxe-me uma concreção de areia cuja forma faz lembrar as bem conhecidas Lössdols (bonecas-de-loess) resultantes da aglutinação de materiais detríticos muito mais finos (silte ou limo), arrastados e acumulados pelo vento.

Com este exemplar nas mãos, configurando um arenito pouco consolidado, notei que, friccionando-o com os dedos, libertava grãos de areia que, logo ali, observada à lupa, me pareceu idêntica à das nossas praias. Interessado em conhecer melhor este capricho da Natureza, a que dei o nome de “bonecas-de-areia”, procedi ao seu estudo no campo, em Pedreira, um local na vertente ocidental da serra dos Candeeiros, no interior de uma caverna, explorada no passado como areeiro, e solicitei ao investigador do MUHNAC, João Cascalho, meu ex-aluno, que as analisasse no laboratório. O resultado deste trabalho foi apresentado em Setembro desse ano, ao VIII Congresso Nacional de Geologia, em Estremoz.




(© A. M. Galopim Carvalho)

galopimite, na Escola EB 2,3 Prof. Galopim de Carvalho, em
Pego Longo, Queluz. (© A. M. Galopim Carvalho)
A história geológica destas concreções é simples e recente. Há uns escassos milhões de anos, o mar cobria uma imensa faixa aplanada, hoje situada a cerca de 200 metros de altitude (plataforma pliocénica de Aljubarrota), mantendo aí um litoral arenoso. O vento, soprando de Oeste, varreu parte destas areias para o interior, criando depósitos do tipo das dunas que esbarraram de encontro à base da serra, invadindo quaisquer reentrâncias nela existentes, como é o caso da caverna em questão.
Aí, as águas enriquecidas em carbonato e bicarbonato de cálcio, após o percurso no interior do maciço calcário (Maciço Calcário Estremenho no Sistema Montejunto-Estrela), do Jurássico Médio (ou Dogger), acabaram por cimentar parcialmente (cimento dito drúsico) a areia, gerando as referidas bonecas. José Teixeira, o seu achador, baptizou-as de “galopimites” e é com este nome, ainda não homologado pela comunidade dos geólogos, que surgem agora nas feiras, à disposição dos coleccionadores e demais curiosos.
O estudo microscópico, à lupa binocular, destas areias, depois de libertadas da referida película carbonatada, põe em evidencia a sua origem numa praia seguida de transporte pelo vento, para este local.
Essencialmente quártzicas, os seus grãos variam entre redondos e subarredondados, estando os maiores visivelmente marcados por picotado eólico, em resultado dos choques sofridos durante o transporte pelo vento. Além do quartzo, contêm algum feldspato e raros minerais acessórios.

Nota:
Loess – Internacionalização do termo alemão “Löss”, refere um depósito silto-argilo-calcário, não coeso, de origem eólica, depositado em regime periglaciário, com capacidade agrícola reconhecida. Foi descrito, pela primeira vez, na Europa Central, em 1823, mas é no Noroeste da China que tem o maior desenvolvimento. O termo “löss” radica no germânico “lösch”, que significa “solto”, “móvel”.
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21/10/2024