Governo de Lula sanciona lei que favorece o monopólio dos “media”

 Governo de Lula sanciona lei que favorece o monopólio dos “media”

(© Sputnik / Ramil Sitdikov – sputniknewsbr.com.br)

Eu escrevo, mas sou uma pessoa de rádio. Neste mundo estou, desde que nasci, já que meu pai era radialista. Foi com ele que aprendi sobre produção de programas, radiojornalismo e, principalmente, sobre o poder que essa mídia tem num país como o nosso, no qual a maioria da população “engravida” pelo ouvido, como dizia Rubem Alves. Nem mesmo a televisão, que também é poderosa, conseguiu diminuir a força do rádio, principalmente, nas pequenas cidades do interior. Pelas ondas médias ou curtas, a vida flui e os comunicadores populares fazem a cabeça de um número considerável de gente. Basta investigar quantos destes radialistas, ao se candidatarem a cargos políticos, vencem eleições com folga. A maioria. Eles são referência para a opinião pública e o que propagam vira verdade.

(nodeoito.com)

Hoje, mesmo com a força das mídias eletrônicas/internéticas, o rádio e a TV seguem sendo influência decisiva para um número expressivo de gente. A opinião de determinado comunicador, ao ser potencializada massivamente tem a força de um vulcão. Não é sem razão que figuras ligadas à política ou às igrejas se acotovelem na batalha por concessões de rádio e de TV. Ter na mão uma emissora é ter o poder de forjar a opinião pública.

Por isso, ao longo dos tempos, nós, trabalhadores da comunicação, jornalistas, temos levado uma luta intensa contra o monopólio da comunicação, uma vez que os donos desse exitoso negócio de constituição de mais-valia ideológica são poucos e concentram, nas suas poucas mãos, redes comunicacionais que se transformam em impérios. Basta pensar numa empresa como a Globo, a nível nacional, ou como a RBS, a nível estadual. A coisa foi tão longe na concentração que chegaram a formar oligopólios, burlando a lei com concessões conseguidas a partir de testas de ferro. Um domínio avassalador estendendo tentáculos por todo o país. O mesmo pode-se dizer das rádios ligadas às igrejas.

(dialogospoliticos.wordpress.com)

No dia 15 de janeiro, o presidente Lula sancionou uma lei (Projeto de Lei 7/2023 / Lei 14.812/24) que amplia de maneira ainda mais estrondosa a concentração de poder ao permitir a ampliação dos limites de concessão de rádio e TV a um grupo ou empresa, passando de seis para 20, no âmbito das rádios e de cinco para 20 no âmbito da TV. Ou seja, um único dono poderá agora ser proprietário de até 20 concessões.

O projeto de lei foi apresentado a partir de uma articulação feita pela entidade que representa os empresários do setor, a ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) e contou, como é óbvio, com o completo apoio da bancada evangélica no Congresso, visto que o negócio da igreja eletrônica é um dos que mais cresce no país.

O projeto tramitou em regime de urgência, o que significa que a sociedade brasileira não foi chamada a debater o tema. Nesse regime, o projeto nem passa pelas comissões e, logo, é votada em plenário ou em acordo de liderança. Isso significa que o Congresso e o presidente da República, ao sancionarem, simplesmente, definem um assunto desta magnitude e de interesse público sem que a sociedade possa opinar. É sempre bom lembrar que esse estatuto do “regime de urgência” existe para que se tomem decisões rápidas, em casos de segurança nacional ou de calamidade pública, o que, obviamente, não é o caso.

Entidades como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) tentaram colocar o tema nas redes sociais, bem como procuraram influenciar no Conselho de Participação Social do governo, que chegou a se posicionar contra. Mas, o voto do Conselho não teve qualquer peso na decisão do presidente em sancionar, sem vetos, a possibilidade de maior concentração da mídia, que agora será feita de forma legal. Isso significa mais um gol de placa1 da classe dominante brasileira num intervalo de pouco tempo, visto que o governo também sancionou a nova lei que rege as polícias militares, igualmente uma derrota gigantesca para os trabalhadores e para a população.

(extensao.milharal.org)

No caso das concessões para empresas comerciais de comunicação, que nem sequer são fiscalizadas e sofrem renovações automáticas, o governo oferece, de mão beijada, um espaço estratégico para o controlo cada vez mais concentrado da informação que, pela sua natureza, deveria ser pública e não privada. Uma verdadeira tragédia.

Enquanto isso, projetos de lei ligados ao debate das rádios comunitárias, que têm sobre si uma legislação bastante castradora, mofam nas gavetas sem qualquer urgência. E assim segue a nave Brasil.

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Nota da Redacção:

1 – “Gol de placa” foi um golo marcado pelo Pelé no Maracanã, na partida entre o Fluminense e a equipa de Santos, num jogo válido pelo Torneio Rio-São Paulo de 1961. O golo ocorreu aos 40 minutos do primeiro tempo e foi o segundo de Pelé nesse jogo. O golo foi tão bonito que, como regista a Wikipédia, foi o primeiro golo no Brasil a ser homenageado com uma placa. 

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25/01/2024

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Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

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