John Stuart Mill e a nossa falibilidade

 John Stuart Mill e a nossa falibilidade

(vozdeapoio.pt/divulgacao)

“O homem consegue rectificar os seus erros através da discussão e da experiência”, afirma o filósofo e economista inglês John Stuart Mill, no segundo capítulo da sua obra ensaística On Liberty”, publicada em 1859, cuja versão intitulada “Da Liberdade de Pensamento e de Expressão” tem tradução de Maria Helena Garcia. A leitura deste pequeno volume da colecção BIS (a primeira marca criada pela LeYa), editado em Setembro de 2010, fortalece-nos a liberdade de pensar e de agir, mas de forma responsável e não egoísta, reconhecendo que estamos na presença de direitos fundamentais para todos os cidadãos. Ou seja, segundo este influente pensador liberal do século XIX, tal liberdade instiga-nos e compromete-nos a escolher com autonomia e consciência, tendo em vista uma interacção que não prejudique os outros.

John Stuart Mill: filósofo da liberdade e da igualdade.(julienflorkin.com)

Embora Stuart Mill valide o princípio do dano e os limites sociais legítimos (nesta obra, também discute as balizas da autoridade estatal no espaço individual dos cidadãos), advertindo-nos para evitarmos danos a terceiros, ele reafirma que nem a sociedade nem o Estado devem interferir na esfera da liberdade individual. Tido como um “padroeiro do capitalismo vitoriano”, este pensador – ao acreditar no mercado competitivo das ideias – foi, na realidade, um dos seus críticos mais contundentes, porque tinha uma visão próxima do “socialismo liberal” ou do que, hoje, designaríamos “socialismo democrático”.

Na perspectiva deste protector da liberdade e da racionalidade – o qual foi ignorado no regime autoritário e corporativista de António de Oliveira Salazar –, tem de “haver discussão para mostrar como a experiência vai ser interpretada”. Por isso, alega: “O hábito regular de corrigir e completar a sua própria opinião, confrontando-a com as dos outros, longe de causar dúvida e hesitação em pô-lo em prática, é o único fundamento estável para uma justa confiança na mesma […]”

(Direitos reservados)

Na nossa convivência social e em desafogada cidadania, não podemos negligenciar o pensamento controverso, porque – como diz Stuart Mill – excluir uma opinião, apesar da sua veracidade ou do grau de incerteza, é um prejuízo para a Humanidade. A seu ver, as opiniões incontestadas transformam-se em “dogmas sem nutrição crítica”, dando lugar à intolerância e ao fanatismo.

Na percepção de John Stuart Mill, que seguiu o utilitarismo do seu padrinho (Jeremy Bentham, um dos últimos iluministas a propor a construção de um sistema de filosofia moral), a exclusão ou a omissão de diferentes opiniões – mesmo as que são consideradas falsas – impede a capacidade de indagar ou de questionar e, por consequência, a própria busca da verdade, contrariando o desenvolvimento intelectual e moral dos indivíduos. Por conseguinte, Stuart Mill argumenta que um ambiente de debate aberto e livre estimula o progresso das comunidades.

Ao manifestar-se contra a censura, o incontornável filósofo britânico admite que até as opiniões falsas poderão conter elementos de veracidade: “O mal temível não é o violento conflito entre as partes da verdade, mas a calma supressão da sua metade; há sempre esperança quando as pessoas são forçadas a escutar ambos os lados […]” A este propósito, expõe-se-nos o silogismo: “Se a censura for aceitável, então somos infalíveis. Mas nós não somos infalíveis. Logo, a censura não é aceitável.”

(Créditos fotográficos: Kristina Flour – Unsplash)

Na minha qualidade de jornalista, merece ainda especial atenção o livro “Reflexões sobre a Liberdade – 150 Anos da obra de John Stuart Mill”, coordenado por Ana Teresa Peixinho e Carlos Camponez, resultante de um colóquio que, em Dezembro de 2009, reuniu diversos contributos interdisciplinares com novas reflexões sobre um dos conceitos mais revolucionários da Humanidade: a liberdade. Como justificam os coordenadores, “a Liberdade nunca se nos apresentará como uma conquista definitiva, mas tão-somente como um trajecto cujo caminho é necessário desbravar todos os dias”.

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Nota:

O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 10 de Agosto) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.

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11/08/2025

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Vitalino José Santos

Jornalista, cronista e editor. Licenciado em Ciências Sociais (variante de Antropologia) e mestre em Jornalismo e Comunicação. Oestino (de Torres Vedras) que vive em Coimbra.

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