Memórias: Botequim (1)

 Memórias: Botequim (1)

O Botequim de Natália Correia. (expresso.pt – amesadocafeeuropasenteipensei.blogs.sapo.pt)

Marcara um encontro com o Fernando Dacosta no Botequim, bar-casa da Natália Correia. Quando a porta se abriu, verifiquei que as mesas estavam todas unidas num qualquer jantar particular. Recuei. Helena Roseta, com um ar de Juliette Greco, disse-me: “Entra amigo, entra!” Entrei.

(facebook.com/Botequimdagraca)

Era um jantar de solidariedade com Timor-Leste (em 1991, talvez). Sentei-me à mesa. Um timorense, da União Democrática Timorense (UDT), ia discursar. Sentia-se intimidado com a presença de deputados, jornalistas, escritores e “mesmo” um ministro. O homem referiu-o, meio sufocado por uma gravata que lhe apertava no colarinho. Natália quis pô-lo à vontade: “Se soubesse o que vai pelo bidé de cada um!” Os circunstantes já a conheciam e não levaram a mal.

Fernando Dacosta no Botequim. (facebook.com/Botequimdagraca)

Lembro-me de ter trocado um olhar cúmplice e malicioso com Adriano Moreira, de olhos muito argutos e simultaneamente irónicos pela circunstância e algo condoídos com o “discursante”. Este ficara vermelho como um pimentão e parecia que o colarinho ainda o apertava mais, como se os olhos fossem saltar fora. Gaguejava entorpecido.

Valeu Helena Roseta que disse umas palavras de introdução, enquanto ele desapertou o colarinho e tomou fôlego para falar. Natália permanecia impassível, como tendo dito o mais natural do Mundo. Era assim o Botequim, espaço libertário (não libertino), onde Natália Correia, única, um dia apresentara Snu Abecassis a Sá Carneiro. Entretanto, naquela noite, lá chegou o Dacosta e continuou uma noite mais de “loucas” tiradas de Natália. Voltarei a elas, nessa e em outras noites.

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17/11/2025

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Jorge Castro Guedes

Com a actividade profissional essencialmente centrada no teatro, ao longo de mais de 50 anos – tendo dirigido mais de mil intérpretes em mais de cem encenações –, repartiu a sua intervenção, profissional e social, por outros mundos: da publicidade à escrita de artigos de opinião, curioso do Ser(-se) Humano com a capacidade de se espantar como em criança. Se, outrora, se deixou tentar pela miragem de indicar caminhos, na maturidade, que só se conquista em idade avançada, o seu desejo restringe-se a partilhar espírito, coração e palavras. Pessimista por cepticismo, cínico interior em relação às suas convicções, mesmo assim, esforça-se por acreditar que a Humanidade sobreviverá enquanto razão de encontro fraterno e bom. Mesmo que possa verificar que as distopias vencem as utopias, recusa-se a deixar que o matem por dentro e que o calem para fora; mesmo que dela só fique o imaginário. Os heróis que viu em menino, por mais longe que esteja desses ideais e ilusões que, noutras partes, se transformaram em pesadelos, impõem-lhe um dever ético, a que chama “serviços mínimos”. Nasceu no Porto em 1954, tem vivido espalhado pelo Mundo: umas vezes “residencialmente”, outras “em viagem”. Tem convicções arreigadas, mas não é dogmático. Porém, se tiver de escolher, no plano das ideias, recusa mais depressa os “pragma” de justificação para a amoralidade do egoísmo e da indiferença do que os “dogma” de bússola ética.

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