Muitos milhões de pessoas passam a maior parte do seu tempo “online”

 Muitos milhões de pessoas passam a maior parte do seu tempo “online”

(Créditos fotográficos: Vitaly Gariev – Unsplash)

(pewresearch.org)

Um inquérito do Pew Research Center, sediado nos Estados Unidos da América (EUA), realizado na primavera deste ano, em 24 países, incluindo 10 na Europa, revela que uma média de 28% das pessoas afirma utilizar a Internet, quase constantemente.

Os resultados do inquérito surgem num contexto de crescente preocupação com a dependência do ecrã, com estudos que concluíram que o tempo excessivo de utilização do ecrã pode aumentar o risco de problemas emocionais e comportamentais nas crianças, bem como trazer riscos para a visão e para o cérebro. Há mesmo quem fale de podridão cerebral.

As percentagens de tempo quase constante online foram mais elevadas no Japão (56%) e na Coreia do Sul (49%) e mais baixas na Nigéria (13%) e na Grécia (14%). Na Europa, a Espanha, o Reino Unido, a França, a Suécia e a Itália são os principais países em termos de tempo quase “constante” passado online. E, embora o acesso à Internet varie, na Europa, mais de 90% da população destes cinco países tem banda larga em casa, de acordo com dados da União Europeia (UE) e do Reino Unido.

(Créditos fotográficos: Vitaly Gariev – Unsplash)

É claro que também há países cujos inquiridos dizem não usar a Internet. Por exemplo, a Hungria situa-se neste lado do espectro, com 12% dos inquiridos a afirmar que não utiliza a Internet, o valor mais elevado do que o de qualquer dos outros países europeus inquiridos. No entanto, esta percentagem é bastante baixa, se comparada com a de outros países do Mundo. Assim, no Quénia e na Índia, 33% e 36% dos inquiridos afirmaram não utilizar a Internet, regularmente.

O Pew Research Center também indicou que, em todos os países, os adultos mais jovens tendem a ter taxas mais elevadas de utilização da Internet e das redes sociais e que tendem a estar quase sempre online.

Os responsáveis políticos europeus tomaram nota. Em discurso recente, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, salientou os potenciais danos das redes sociais para os jovens, comparando os seus perigos ao álcool e às drogas. “Tal como no meu tempo, a sociedade ensinou aos seus filhos que não podiam fumar, beber ou ver conteúdos para adultos até certa idade. Penso que é altura de pensarmos em fazer o mesmo, em relação às redes sociais”, alvitrou a presidente da Comissão Europeia, num discurso no Parlamento Europeu (PE), a 13 de setembro.

(Créditos fotográficos: Vitaly Gariev – Unsplash)

Os responsáveis políticos de vários países europeus propuseram um conjunto de medidas, incluindo regulamentos sobre as principais plataformas tecnológicas, para promover um ambiente online mais seguro, e apelos à restrição das redes sociais e dos smartphones nas escolas.

Aliás, como é de recordar, em junho, começou o debate europeu sobre o acesso dos menores às redes sociais. Três estados-membros da UE – a França, a Espanha e a Grécia – propuseram a ideia de uma “maioridade digital”, isto é, uma idade abaixo da qual os menores seriam proibidos de se ligarem às plataformas. Para estes três países, o objetivo é proteger os adolescentes e as crianças de conteúdos perigosos online. “Atualmente, nos termos e condições de utilização destas plataformas, já existe uma idade mínima de 13 anos”, explicou Clara Chappaz, ministra francesa para a Inteligência Artificial (IA) e a Economia Digital, vincando: “Todos nós já fomos crianças, é muito fácil mudar a data de nascimento. Assim, o sistema atual faz com que, em média, as crianças se liguem e criem contas a partir dos 7-8 anos.”

Clara Chappaz, ministra francesa para a Inteligência Artificial
e a Economia Digital. (fr.wikipedia.org)

Os três países acreditam que os algoritmos utilizados pelas redes sociais expõem os mais jovens a conteúdos viciantes que podem aumentar a ansiedade ou a depressão. Além disso, argumentam que a exposição excessiva pode limitar o desenvolvimento de certas competências e afetar as capacidades cognitivas. E a UE já dispõe de legislação sob a forma da Lei dos Serviços Digitais (DSA), que aborda conteúdos ilegais, como o discurso do ódio, o terrorismo e a pornografia infantil. O regulamento está em vigor, há dois anos, para as grandes plataformas e para os motores de busca e, há pouco mais de um ano, para as outras plataformas.

No entanto, para os representantes do setor, em Bruxelas, a nova legislação parece prematura. “Acreditamos que as novas regras devem ser aplicadas corretamente. Ainda não vimos todos os efeitos”, observou Constantin Gissler, diretor-geral da Dot Europe, que representa os serviços e as plataformas online, em Bruxelas, para discorrer: “Penso que é um pouco precipitado, nesta fase, estar já a discutir novas regras, e penso que é também muito importante que tenhamos mais em conta a realidade e as implicações para os menores de uma tal proibição.”

Constantin Gissler, diretor-geral da Dot Europe.
(linkedin.com/in/constantin-gissler)

Paris, Madrid e Atenas propõem, igualmente, a integração de sistemas de verificação da idade e de controlo parental dos dispositivos ligados à Internet.

A Comissão Europeia está a trabalhar numa aplicação de verificação da idade. Em maio, publicou um projeto de orientações para proteger os menores, tais como medidas para verificar a idade dos utilizadores ou para definir as contas das crianças como privadas, por defeito. Também conduziu investigações contra o TikTok, o Instagram e o Facebook, em relação à proteção de menores.

A nível mundial, dezenas de sistemas escolares proibiram os smartphones nas escolas, até ao final de 2024, de acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

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Na verdade, o Relatório Global de Monitorização da Educação (GEM) defendeu o uso da tecnologia, em sala de aula, apenas quando contribui para os resultados da aprendizagem.  

(unesco.org)

Até ao final de 2023, eram 60 (ou 30%) os sistemas educativos que tinham leis ou políticas que proibiam o uso de smartphones nas escolas. Até ao final de 2024, uma atualização do relatório GEM para o Dia Internacional da Educação concluía que mais 19 sistemas educativos proibiam o uso de smartphones nas escolas, elevando o total para 79 (ou 40%). Essas regulamentações estão descritas no site Profiles Enhancing Education Reviews (PEER) do Relatório GEM, que monitoriza as leis e as políticas sobre tecnologia na educação, em todo o Mundo. 

Em alguns casos, algumas proibições tornaram-se mais rigorosas, no último ano. Na China, a cidade de Zhengzhou restringiu, ainda mais, o uso de telemóveis em escolas de ensino fundamental e médio, exigindo que os pais dessem consentimento, por escrito, de que o telemóvel era realmente necessário por motivos pedagógicos. A França sugeriu uma pausa digital nas escolas de ensino fundamental II, como complemento à proibição de telemóveis já existente em outros níveis de ensino. Ao invés, a Arábia Saudita reverteu sua proibição, devido à oposição de grupos de pessoas com deficiência, para obterem benefícios médicos. 

Nº 29, Zhenghua Road, Jinshui, na cidade chinesa de Zhengzhou. (Créditos fotográficos:  JhihYuWong – Unsplash)

Este mapeamento não incluiu todas as jurisdições subnacionais em países federais, embora quatro tenham sido avaliadas em pormenor. Por exemplo, na Austrália, dois dos nove territórios (Nova Gales do Sul e Austrália Meridional) introduziram proibições, enquanto na Espanha, todas as 17 comunidades autónomas, exceto três (País Basco, La Rioja e Navarra), introduziram proibições. Nos EUA, 20 dos 50 estados já possuem regulamentações em vigor, desde a Lei de Escolas sem Telefone, na Califórnia, até à proibição de telefones em salas de aula do ensino fundamental e médio, na Flórida, e à proibição de alunos usarem dispositivos sem fio portáteis, em Indiana, e em Ohio.   

No entanto, em algumas dessas novas regulamentações nos EUA, uma abordagem é emitir diretrizes, mas deixar que as escolas definam as políticas precisas sobre o uso, em sala de aula. Por exemplo, em Indiana, os conselhos escolares precisam de elaborar e de políticas específicas para as suas escolas, a informar se os alunos podem aceder aos seus telemóveis, durante o almoço, e quais consequências os alunos podem enfrentar pelo uso de dispositivos proibidos. Porém, há exceções, como para alunos que precisam de adaptações de aprendizagem, por exemplo, na proibição da Louisiana, e para qualquer pessoa com saúde a exigir monitoração, em Ohio. 

(Créditos fotográficos: Julia Coimbra – Unsplash)

“Vimos crianças de apenas nove anos a solicitar smartphones, e ficou evidente que essas crianças não estavam emocionalmente preparadas para navegar pelas complexidades desses dispositivos e do mundo digital”, observou Rachel Harper, diretora da Escola Primária St. Patrick, Greystones, do Condado de Wicklow, na Irlanda, que proibiu o uso de smartphones na sua escola.

Entre os novos termos inseridos no Dicionário Oxford, em 2024, estão “doomscrolling” (“rolagem da perdição”: junção de “doom”, desgraça, ruína; e “scrolling”: rolagem da tela) e “brain-rot” (“cérebro podre” ou “apodrecimento cerebral”). Ambos os termos testemunham a omnipresença do uso insalubre dos media sociais, impulsionado por algoritmos de IA.

O relatório GEM de 2023 mostrou que algumas tecnologias podem auxiliar na aprendizagem, em alguns contextos, mas não quando são usadas em excesso ou de forma inadequada. Ter um smartphone na sala de aula pode atrapalhar a aprendizagem. E um estudo que analisou a educação pré-primária até ao ensino superior, em 14 países, descobriu que o smartphone distrai os alunos da aprendizagem. Mesmo ter um telemóvel por perto com notificações a chegar é suficiente para fazer com que os alunos percam a atenção da tarefa em questão. Outro estudo descobriu que pode levar até 20 minutos para os alunos se concentrarem, novamente, no que estavam a aprender, quando distraídos. E, de acordo com um estudo citado no relatório, a remoção de smartphones das escolas na Bélgica, da Espanha e do Reino Unido melhorou os resultados da aprendizagem, especialmente, para alunos que não estavam a ter desempenho tão bom como os colegas. 

(pessoas2030.gov.pt)

Além do impacto na aprendizagem, há preocupações com a privacidade, quando aplicativos específicos coligem, desnecessariamente, dados do usuário para o seu funcionamento. Ora, em 2023, apenas 16% dos países garantiam, explicitamente, por lei, a privacidade de dados na educação. Porém, uma análise apurou que 89% dos 163 produtos de tecnologia educativa recomendados durante a pandemia de covid-19 puderam realizar pesquisas com crianças. Além disso, 39 dos 42 governos que ofereceram educação online, durante a pandemia, promoveram usos que colocaram em risco ou violaram os direitos das crianças.  

(Créditos fotográficos: Thomas Park – Unsplash)

A versão de 2024 do relatório sobre género, intitulado “Tecnologia nos seus Termos”, também expôs como a tecnologia, na prática, frequentemente, exacerba normas ou estereótipos negativos de género. O uso dos media sociais, em particular, impacta o bem-estar e a autoestima das meninas. A facilidade com que o cyberbullying pode ser amplificado pelo uso de dispositivos online, no ambiente escolar, é motivo de preocupação, assim como o design tendencioso dos algoritmos de IA. Por isso, o relatório GEM pede que as decisões sobre tecnologia na educação priorizem as necessidades do aluno, garantindo que qualquer uso da tecnologia seja apropriado, equitativo, escalável e sustentável. 

Os alunos precisam de aprender sobre os riscos e as oportunidades que a tecnologia traz, e não ficarem totalmente protegidos deles, mas os países têm de oferecer melhores orientações sobre o que é permitido e o que não é permitido na escola e sobre o seu uso responsável. Somente devem ser permitidas, na escola, tecnologias que tenham papel claro no apoio à aprendizagem.

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Voltando ao relatório do inquérito do Pew Research Center, realizado na primavera deste ano, é de fazer a destrinça entre vários tipos de utilizadores da Internet: os que estão online, quase constantemente; os que estão, várias vezes, ao dia; os que usam pouco a Internet; e os que nunca a usam. E isso, depende dos países (pobres ou ricos e da pressão dos governos e das empresas), das idades, do nível de escolaridade e das condições económicas.

De acordo com a pesquisa do Pew Research Center, uma média de 28% dos adultos, em 24, afirma estar online quase constantemente. Outros 40% afirmam usar a Internet várias vezes ao dia, enquanto 9% não a usam de forma alguma.

Há diferenças nos 24 países pesquisados, ​​no atinente ao uso quase constante da Internet. A parcela dos que afirmam estar online com aquela frequência varia de 13% dos adultos, na Nigéria, a uma maioria de 56%, no Japão. Quase metade dos adultos, na Coreia do Sul, afirma usar a Internet, quase constantemente. Cerca de quatro, em cada dez, afirmam o mesmo, na Argentina, em Israel, na Espanha, na Turquia e nos EUA. E, no Canadá e em vários países europeus, cerca de metade dos adultos ou mais dizem que usam a Internet, várias vezes ao dia.

(Créditos fotográficos: National Cancer Institute – Unsplash)

Ao invés, uma minoria substancial, em alguns países, não usa a Internet. O uso da Internet é menor na Índia e nos três países da África Subsaariana pesquisados. Cerca de um quarto dos adultos, na África do Sul e na Nigéria, e cerca de um terço, na Índia e no Quénia, afirmam não usar a Internet.

Enquanto a maioria dos adultos, no Japão, está online, quase constantemente, 14% não usam a Internet. Na Europa, no Canadá e nos EUA, a parcela que não a usa é de cerca de 10% ou menos. Em geral, a parcela maior de adultos está online, em países mais ricos. Porém, não é significativa a relação entre a riqueza de um país – medida pelo produto interno bruto (PIB), per capita – e a parcela de pessoas que afirmam estar online, quase constantemente.

No entanto, na maioria dos países, pessoas com rendimento mais baixo ou com menor escolaridade têm menos probabilidade de usar a Internet, quase constantemente.

(Créditos fotográficos: Cesar Milleza – Unsplash)

Pesquisas anteriores do Pew Research Center verificaram que adultos mais jovens, em todo o Mundo, apresentam taxas mais altas de adoção da Internet e de uso dos media sociais. Também, em todos os países pesquisados na primavera deste ano, os adultos mais jovens têm maior probabilidade do que os mais velhos de estarem quase sempre online. Essas diferenças de idade podem ser grandes. Por exemplo, na Turquia, 12% dos adultos, com 50 anos ou mais, afirmam usar a Internet, quase constantemente, em comparação com 64% dos adultos com menos de 35 anos. E, na Argentina, na França, na Indonésia, em Israel, no Japão, na Coreia do Sul, na Espanha e nos EUA, também a maioria dos jovens adultos diz estar quase sempre online. Nesses países, as diferenças entre adultos mais jovens e mais velhos, nessa questão, são de 36% ou mais.

O Japão tem as maiores taxas de uso da Internet, para adultos jovens e para idosos: 85% dos menores de 35 anos e 38% dos maiores de 50 anos estão online, quase constantemente.

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A febre do digital, contra o uso do papel e contra os tempos de espera, o controlo governamental empresarial, a comodidade e o trabalho remoto induziram o uso desequilibrado da Internet e dos media sociais, criando dependências, prejudicando a saúde, a aprendizagem, a privacidade e a relação. Porém, a Suécia, que foi pioneira na utilização dos media digitais, nas escolas, já reverteu a situação, por ter dado conta de que os resultados escolares pioraram muito. Isso deveria servir de aviso aos países do Sul, incluindo Portugal.

O tempo da pandemia foi tempo de exceção. Mal de nós se tem de servir de regra!

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25/09/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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