“Noite de Solidão no Capim”: Um olhar humanista sobre a Guerra Colonial em Angola

Óscar Branco e Fernando André interpretam a peça escrita e encenada por Castro Guedes. (Créditos fotográficos: André Delhaye)
Dizem que as guerras ocorrem por nobres razões: a segurança internacional, a dignidade nacional, a democracia, a liberdade, a ordem, o mandato da civilização ou a vontade de Deus. Nenhuma tem a honestidade de confessar: “Eu mato para roubar.” (Eduardo Galeano)
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“Noite de Solidão no Capim”1 é a nova criação/produção da Companhia Seiva Trupe. A peça, escrita e encenada por Castro Guedes, retrata a relação de amizade que se estabelece, na madrugada do dia de 25 de Abril de 1974, entre um oficial miliciano português e um elemento dos “FLECHAS” – a organização paramilitar, constituída por nativos angolanos, criada por Óscar Cardoso2, inspector-adjunto da PIDE/DGS.
A peça, cuja estreia acontecerá na próxima quinta-feira, dia 7 de Março, é um olhar humanista sobre a Guerra em Angola3. A partir da relação entre um jovem português obrigado a participar num conflito que acha injusto e sem sentido e um jovem africano que o poder colonial usa para combater os nacionalistas angolanos. Durante 90 minutos, a peça evidencia a desconfiança entre os dois soldados, primeiro; e a amizade que, noite dentro, os dois homens celebrarão com cerveja, liamba e um pacto de sangue.

Interpretada pelo jovem actor Fernando André (“Pedro”) e pelo consagrado Óscar Branco (“Kizua”), que normalmente reconhecemos como humorista, “Noite de Solidão no Capim” dá-nos a conhecer duas vítimas de uma guerra que, como nos disse Eduardo Galeano (1940-2015) – escritor e jornalista uruguaio citado na abertura deste artigo –, apenas teve um fim: matar para roubar. Como sempre acontece com todas as guerras. Independentemente da geografia onde se desenrolam…
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Notas:
1 – A peça obteve o terceiro lugar no concurso promovido pela DGArtes/Ministério da Cultura e pela Comissão para as Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. “Noite de Solidão do Capim” estará em cena até 27 de Março, na Sala Estúdio Perpétuo Socorro, na Rua de Costa Cabral, 128, na cidade do Porto. Para mais informações e reservas, contacte: info.reservas.st@gmail.com ou visite o sítio electrónico da Companhia.

2 – Óscar (Aníbal Piçarra de Castro) Cardoso, nasceu em 1935 e foi aluno no Colégio Moderno, tendo pertencido à Mocidade Portuguesa. Ingressou na Legião Portuguesa quando frequentava o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, que interrompeu para prestar serviço militar na Índia Portuguesa, em 1959/60. Pertenceu, depois, à Guarda Nacional Republicana (GNR), até 1965, altura em que ingressou na Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Em 1966, partiu para Angola, onde criou os “Flechas”, inspirado nas obras de vários militares e guerrilheiros como Jean Lartéguy, Spencer Chapman (“The Jungle is Neutral”), T. E. Lawrence (“Os Sete Pilares da Sabedoria”), Mao Tse Tung (“A Guerra Revolucionária”) e Sun Tzu (“A Arte da Guerra”).
Em 1968, foi-lhe atribuído o Prémio Governador-Geral de Angola.

Esteve em Moçambique, de 1971 a 1972; e, em 1973, no Uíge. Regressou a Lisboa, no final de 1973. Com o posto de inspector-adjunto, foi colocado na Direcção dos Serviços de Informação, coordenando a informação em Angola e em Moçambique. No dia 25 de Abril de 1974, juntamente com outros oficiais e agentes, esteve entrincheirado na sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso. Foi preso e permaneceu detido em Caxias, em Peniche e em Alcoentre, durante dois anos. Após ter sido libertado, foi para a Rodésia, onde trabalhou na formação dos Sealous Scouts, uma versão rodesiana dos “Flechas” e no CIO (Central Inteligence Organisation). Em 1977, mudou-se para a África do Sul, onde serviu nas forças armadas, com o posto de coronel. Também trabalhou nos Serviços de Inteligência Militar do exército sul-africano e desempenhou funções como chefe de segurança VIP. Em 1991, regressou a Portugal. E, um ano depois, foi-lhe atribuída, pelo governo de Aníbal Cavaco Silva, uma pensão vitalícia por serviços relevantes prestados à Pátria, que, posteriormente, viria a ser revogada.
3 – Em Angola, os tambores da guerra começaram a ouvir-se a 4 de Fevereiro de 1961, após militantes do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) tomarem de assalto esquadras de polícia em Luanda. Mais tarde, a 15 de Março, a União das Populações de Angola (UPA), que depois passou a denominar-se Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), lançou uma série de ataques mortíferos com o objectivo de erradicar a população branca do Norte da colónia. A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), fruto de uma dissidência na UPA, também se juntou à luta de guerrilha contra o poder colonial. Sobretudo, no Leste de Angola. Mais tarde, o movimento de Jonas Savimbi assume, com a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), “um pacto de colaboração” para combater o MPLA.


Apesar das pressões da comunidade internacional, Salazar4 discursou na rádio e na televisão e mandou partir “para Angola rapidamente e em força”. Começava a guerra. Cumprem-se, por estes dias, 63 anos. A Guerra Colonial prolongou-se por 13 longos anos. Em três frentes: Angola, Moçambique e Guiné. Mobilizou mais de um milhão de jovens, provocou a morte de 10 mil portugueses, 45 mil estropiados e 140 mil vítimas com “stress de guerra”. Estima-se que 100 mil civis e combatentes dos movimentos independentistas tenham sido mortos durante o conflito. O morticínio dos povos das antigas colónias portuguesas em África apenas terminou com a declaração da independência de Angola pelo MPLA, saída do apoio revolucionário de um sector do Movimento das Forças Armadas (MFA), que impôs o seu fim político, em Novembro de 1975.
4 – António de Oliveira Salazar (1889-1970) foi um ditador nacionalista. Além de chefiar diversos ministérios, foi presidente do Conselho de Ministros do governo ditatorial do Estado Novo e professor catedrático de Economia Política, de Ciência das Finanças e de Economia Social na Universidade de Coimbra. Em 1940, foi-lhe conferido o grau honoris causa pela Universidade de Oxford.
Veja, aqui, a declaração de guerra de Salazar.
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Fontes consultadas: Plataforma9.com e Wikipédia.
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04/03/2024