O Dia de São Martinho com castanhas (“quentinhas e boas”) e vinho
A 11 de novembro, celebrou-se o Dia de São Martinho, tradição que remonta à história do santo e a rituais populares que perpassam as gerações. Conhecido pelo bom tempo que acompanha a data, o verão de São Martinho faz-se com castanhas assadas (“quentinhas e boas”), acompanhadas de água-pé, de jeropiga ou de vinho novo e com festividades que ocorrem de Norte a Sul do país, pontificando o magusto.
São Martinho, nascido, em 316, em Panónia, na região que, hoje, corresponde à Hungria, viveu parte da vida como soldado do Império Romano, mas foi em Tours, na França, onde faleceu, a 11 de novembro, que a sua devoção se espalhou. Segundo a lenda, numa noite de outono, Martinho encontrou um mendigo a sofrer com o frio e, sem ter como ajudá-lo, rasgou o seu manto ao meio, oferecendo-lhe uma parte. Em resposta ao seu gesto, a tempestade cessou e o Sol reapareceu, aquecendo a região. Este evento lendário originou o “verão de São Martinho”, expressão usada para descrever o calor atípico que ocorre nesta altura do ano.
Após o episódio, Martinho abandonou a vida militar e tornou-se monge, dedicando-se à causa cristã e ao auxílio dos mais pobres. Foi nomeado bispo de Tours, onde se tornou um dos santos populares da Idade Média, atraindo peregrinos de toda a Europa até à basílica construída sobre o seu túmulo, que é local de peregrinação.
Em Portugal, o São Martinho é celebrado com menu próprio, onde ganham protagonismo a castanha e o vinho novo. É dia de convívio marcado por magustos em várias regiões, onde as pessoas se reúnem para comer castanhas assadas, beber água-pé ou jeropiga e provar o vinho da última colheita.
Penafiel celebra o São Martinho com uma das romarias mais antigas do país. Documentos de 1049 já referem a feira centenária, inicialmente realizada na paróquia de São Martinho de Muazes. No século XVI, a feira migrou para o núcleo urbano da atual Penafiel, uma paragem importante para viajantes em rota para o Porto.
A romaria mantém a essência de ponto de encontro de produtos agrícolas e de vestuário de inverno, destacando-se as samarras de Penafiel e o vinho verde novo. O historiador Coelho Ferreira recorda que esta feira sempre teve caráter religioso e comercial, evoluindo, ao longo dos séculos, para uma das maiores festividades do calendário nacional. E o “São Martinho pequenino”, celebrado em abril, é também tradição única desta cidade, que reforça o vínculo da população local com o santo.
Em várias cidades e vilas, as celebrações de São Martinho vão além dos magustos e das festas. Em São Martinho de Anta, terra do escritor Miguel Torga, o dia é comemorado com castanhas, vinho, carne assada e sardinhas, em ambiente de festa e de devoção. Em muitas localidades, o São Martinho marca o início de um período de reflexão e de celebração comunitária, onde se recorda o exemplo do santo e o seu legado de generosidade.
Com o sol a brilhar em grande parte do país, o “verão de São Martinho” reafirmou-se como tradição viva e como ocasião de convívio, de partilha e de festa.
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Segundo o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), da Direcção-Geral da Saúde (DGS), a castanha é constituída, maioritariamente, por hidratos de carbono, destacando-se apreciáveis quantidades de amiloses e de amilopectinas. Estes polissacarídeos permitem o desenvolvimento da flora intestinal e a produção de ácidos gordos de cadeia curta. Além disso, as substâncias indigeríveis (fibras) estimulam a presença de bactérias probióticas (Bifidobacterium e Lactobacillus) benéficas no intestino, contribuindo para a regulação dos níveis de colesterol e da resposta de insulina. Comparada com frutos secos, a castanha apresenta menor teor calórico, já que é pobre em gordura (e a gordura que contém é, essencialmente, polinsaturada) e não contém colesterol.
Porém, o seu interesse não se fica nestes aspetos funcionais. É fonte de nutrientes, nomeadamente, proteína, fibra (excelente aliada na regulação dos níveis de colesterol e do trânsito intestinal), vitaminas, minerais e compostos químicos protetores das células. Das vitaminas presentes na castanha, é de realçar a vitamina C, a vitamina B6, a vitamina B1 e o ácido fólico (vitamina B9). Quanto a minerais, a castanha fornece cálcio, ferro, magnésio, potássio (mais do que a banana), fósforo, zinco, cobre, manganésio e selénio. E possui diferentes fitoquímicos, como a luteína e a zeaxantina, e diversos compostos fenólicos (importantes antioxidantes e protetores celulares).
Dez castanhas assadas (84 gramas) fornecem só dois gramas de gordura, mas fornecem 17% da quantidade de fibra necessária, diariamente, estão isentas de glúten, podendo substituir os cereais com glúten, fornecendo energia de qualidade para os doentes celíacos, por exemplo, e fornecem 36% das quantidades necessárias de vitamina C, 21% de vitamina B6 e 15% de ácido fólico.
A castanha representa bem a ligação do homem com a tecnologia, pois, para que os nutrientes da castanha ficassem mais acessíveis, com melhor sabor e digestibilidade, sempre foi necessário aquecê-la, cozendo-a ou assando-a. É, pois, um alimento muito versátil, em termos de confeção, podendo comer-se cozida, com erva-doce, assada, como acompanhamento de pratos, substituindo o arroz, a massa ou a batata, na base de sopas ou na confeção de apetitosas sobremesas e de bolos.
Em termos de morfologia, a castanha compõe o aquénio (geralmente, são necessárias três) do ouriço; é o fruto capsular espinescente do castanheiro-da-europa (Castanea sativa).
O aquénio é um tipo de fruto seco, monospérmico e indeiscente, em que a semente se une à parede do pericarpo por um só ponto.
Os castanheiros (árvores de que provém a castanha) são espécies do género Castanea, que possui, pelo menos, 12 espécies. São árvores da família das Fagaceae, decíduas e que podem atingir 30 metros de altura. As suas folhas são lanceoladas e com a borda serrilhada.
Presume-se que o castanheiro seja oriundo da Ásia Menor, dos Balcãs e do Cáucaso, acompanhando a História da Civilização Ocidental, há mais de 100 mil anos. A par com o pistácio, a castanha constituiu importante contributo calórico para o homem pré-histórico, que também a usava na alimentação de animais. Os Gregos e os Romanos metiam castanhas em ânforas cheias de mel silvestre. Este conservava o alimento e impregnava-o com o seu sabor. Os Romanos incluíam a castanha nos banquetes. Durante a Idade Média, nos mosteiros e nas abadias, monges e monjas, frades e freiras utilizavam as castanhas nas suas receitas gastronómicas. Nessa altura, a castanha, era moída, tornando-se um dos principais farináceos da Europa. Com o Renascimento, a gastronomia assumiu novo requinte, com novas fórmulas e confeções. Surge o marron glacé, passando da França para a Espanha; e, daí, com as Invasões Francesas, chega a Portugal.
A nossa castanha é, de facto, uma semente que surge no interior do ouriço (o fruto do castanheiro). Todavia, embora seja fruto seco, tal como a noz, tem muito menos gordura e muito mais amido (um hidrato de carbono), o que lhe dá outras possibilidades de uso na alimentação. A castanha tem cerca do dobro da percentagem de amido da batata. É também rica, como se disse, em vitamina C e nas do grupo B, além de uma boa fonte de potássio. Considerada, atualmente, quase como uma guloseima de época, a castanha, em tempos idos, constituiu um nutritivo complemento alimentar, substituindo o pão, na sua ausência, quando os rigores e a escassez do inverno se instalavam. Cozida, assada ou transformada em farinha, a castanha sempre foi um alimento muito popular, cujo aproveitamento remonta à Pré-História.
As castanhas são sementes de frutos que, ao serem colhidas, contêm 50% da sua massa em água. Nutricionalmente, são pobres em gordura (cerca de 1%) e relativamente pobres em aminoácidos (entre 4% a 7%), menos pobres em fibras (entre 4% a 10%). Todavia, são ricas em açúcares simples (entre 20% a 30%) e em amidos (entre 50% a 60%). Verifica-se um total de 250 calorias para cada 100 gramas de castanhas desidratadas.
Os castanheiros requerem cultivo em solos de boa drenagem, de textura média e com boa composição de matéria orgânica, A respeito dos iões de hidrogénio, o PH (cologaritmo da atividade de iões de hidrogénio), ótimo para os castanheiros, estará entre 5,4 e 5,9 (nunca acima de 6,5).
No Brasil, as espécies agrícolas presentes são a castanea sativa e a castanea crenata. São muitas as variedades de ambas e a tendência, a longo prazo, é o predomínio das variedades mistas; em Portugal, as principais variedades são: a longal, a martainha, a judia, a bária e a colarinha. Há ainda: a aveleira, a verdeal, a rebordã, a cota, a lada, a bária, a negral, a amarelal, a lamela, a zeive, a redonda, a clarinha ou enxerta, a preta e a carreró.
Os castanheiros requerem iluminação direta do Sol para estimular o ciclo reprodutivo. Um souto ensolarado de castanheiros direcionado para a produção de castanha requererá o manejo de podas, pois as partes do indivíduo que são mais iluminadas terão mais atração à seiva da planta e a circulação de seiva é mais eficiente e rápida em ramos retos.
Para a produção e colheita, interessa que os ramos ortotrópicos sejam reduzidos, por via de poda, e que a planta direcione o seu xilema em direção a novos ramos plagiotrópicos para o estímulo ao crescimento horizontal do copado da árvore, que terá a sua forma ótima com um tronco de um metro ou de 1,5 metros de altura e com o copado em formato de taça.
Além deste cuidado com a arquitetura aérea dos castanheiros, torna-se necessária a desbrota dos ramos e de brotos que surgem na base do castanheiro. Quando os castanheiros estão bem nutridos e saudáveis, quanto aos agentes patogénicos que podem acometê-los, estando eles com disponibilidade de água e com temperatura sazonal ideal de ecossistemas temperados ou subtropicais, e se o souto contar com o adensamento de indivíduos ótimo para a produtividade, poder-se-ão obter 7,5 toneladas de castanhas por hectare.
Na produção de castanha, em Portugal, destaca-se uma lista de produtos com denominação de origem protegida (DOP), que era composta, em 2012, por quatro referências: Zona de Produção da Castanha da Padrela; Zona de Produção da Castanha da Terra Fria; Zona de Produção da Castanha do Marvão-Portalegre; e Zona de Produção da Castanha dos Soutos da Lapa.
A Padrela, situada entre Carrazedo de Montenegro, Vila Pouca de Aguiar e Chaves, tem a maior mancha contínua de soutos da Europa, produzindo mais de 12 mil toneladas de castanhas por ano (variedades: a judia, a lada, a negral, a cota e a preta).
A Terra Fria é o território situado no Nordeste Transmontano composto pelos concelhos raianos de Vinhais, de Bragança, de Vimioso, de Miranda do Douro e de Mogadouro. O concelho de Vinhais é o maior produtor nacional de castanha (sobretudo, a judia), com a produção média anual de oito mil toneladas, que movimentam cerca de 25 milhões de euros.
A área geográfica de produção da Castanha Marvão-Portalegre está circunscrita aos concelhos de Marvão, de Castelo de Vide e de Portalegre (variedades: bária, clarinha e bravo).
A castanha da Zona de Produção da Castanha dos “Soutos da Lapa – DOP/Denominação de Origem Protegida” é obtida a partir dos castanheiros “castanea sativa Mill.” da região Douro Sul e parte da Beira Interior, compreendendo freguesias dos concelhos de Armamar, de Tarouca, de Tabuaço, de São João da Pesqueira, de Moimenta da Beira, de Sernancelhe, de Penedono, de Lamego, de Aguiar da Beira e de Trancoso. Atualmente, produzem-se cerca de 5800 toneladas por ano, o que corresponde a 35% da produção de castanha em Portugal. Nesta DOP, pugnam as variedades de martainha (cor castanho-clara) e a longal (cor castanha-avermelhada e estrias longitudinais escuras).
A produção mundial de castanha estima-se em 1,1 milhões de toneladas, distribuídas por uma superfície que não atinge os 340 mil hectares. A China é o maior produtor do Mundo, com um volume anual de cerca de 800 mil toneladas, o que representa cerca 70% da produção mundial. A Europa é responsável por 12% da produção mundial, destacando-se a Itália e Portugal com representatividade na produção mundial de 4% e 3%, respetivamente.
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Fruto do outono, a castanha pode e deve, segundo alguns nutricionistas, fazer parte da alimentação equilibrada, durante o ano. Por ter pouco sódio e elevado teor de potássio, contribui para o controlo da tensão arterial e ajuda a diminuir a retenção de líquidos. Em excesso, pode aumentar o selénio ou causar alterações gastrointestinais, como flatulência, distensão abdominal, desconforto e obstipação. Porém, consumida com moderação, torna-se um alimento atrativo, do ponto de vista do controlo do apetite, pela promoção da sensação de saciedade.
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14/11/2024