O jogo de cartas como passatempo
Não conheço outra coisa mais elástica do que o tempo. É algo que nos corre nas mãos como o vento do furacão. É um elemento que também pode ser atmosférico que, por vezes, é medido pelo estado de espírito.
Conheço-me por gente até lá atrás, até aonde a memória me leva. Até àquela altura em que eu olhava para o alto do metro e cinquenta e picos da minha mãe, e para o seu olhar, que me era atirado da maior das proximidades, estava lá tão longe. As crianças vêem tudo grande, tudo se lhes afigura como um elástico muito esticado.
O espaço das vinte e quatro horas do dia foi criado para ter horas de labuta e horas de lazer. Para a labuta foram inventados os devidos instrumentos e para as horas do lazer foram aprimorados os jogos. Não será incongruente dizer que o jogo de cartas é um dos mais populares em relação aos restantes jogos. Não é fácil datar a criação do jogo de cartas. Porém, existem teses a defender que elas surgem na China, durante a Dinastia Tang, ou seja, em torno de 618 a 907 da nossa era, sendo as cartas feitas de madeira, de marfim e de osso.
Os primeiros baralhos consistiam em quatro conjuntos de nove cartas, cada um representando um naipe, dedicado a quatro grandes da História: Espadas – Rei Davi; Paus – Alexandre, o Grande; Copas – Carlos Magno e Ouros – Júlio César. As primeiras cartas tinham imagens simples, como um rei ou uma dama. Com o passar dos tempos, as cartas passaram a ser impressas em papel e eram divididas em três classes: Ouros, Copas e Espadas, que são as cartas de valor mais alto, e Paus, que são as cartas de valor mais baixo.
As cartas também tinham figuras diferentes. Geralmente, eram representadas por símbolos. Por exemplo, um dos símbolos mais comuns era um círculo com três raios, que representava a divindade e a vitória. Outros símbolos incluíam o Sol, a Lua, a estrela, o coração e o cálice. As cartas de baralho são, igualmente, usadas na adivinhação e na leitura de tarô. Por estranho que pareça, há ainda quem as utilize para estudar a História, a Filosofia e a Astrologia.
O Universo passou por vários processos até se tornar naquilo em que pousamos arraiais. O Homem fez de tudo para se distinguir dos outros animais. O Homem fez de tudo, usou e abusou do seu semelhante para fincar as suas estacas mais profundas e mais elevadas. Divindades e hierarquias. As malfadadas e bem-fadadas divindades, as mal-afortunadas e bem-afortunadas hierarquias. O povo, sujeito aos ditames dos grandes, mal tinha tempo para dormir. E, azar dos azares, sempre de estômagos vazios, estupidamente vazios. Por sua vez, o clero e a nobreza mostravam-se cheios de caprichos e de não-me-toques ou melindres. Nessa constatação, argumentavam: “Somos os grandes! Somos, por direito, os superiores. E o povo que labute para nós.”
Assim, os senhores dessas épocas tinham todo o tempo do mundo para as diversões, que eram “forradas” nos jogos de cartas. Tinham de ocupar bem o seu tempo, porque isso era tão importante como uma boa refeição. O tédio gera impaciência. A impaciência não acelera o tempo, mas os jogos sim. Daí o movimento da diversão.
Depois de todos estes preâmbulos, confesso que gosto de um bom jogo de cartas, principalmente da sueca. Durante os jogos, vivemos momentos hilariantes, daqueles que ficam presos nos quadros da memória. O meu irmão já está na reforma. Aqui chegado, ele acha que o trabalho é para quem não sabe fazer mais nada e foge dele como o Diabo da cruz.
Em determinado jogo da Sueca, a minha irmã cortou-lhe um ás. “Fizeste uma avantaje dos tomates!”, manifestou o meu irmão. Ele disse “tomates”, mas era um palavrãozito que ele lá queria atirar, como bom nortenho que é. E, diga-se, a bom abono da verdade, sendo sem malícia, que se profira um ou outro palavrão nem vejo nisso mal algum. Porém, ele não o expressou ali, porque a sua mulher não gosta nada disso e está sempre a repreendê-lo. Aproveitando a dica, disse-lhe ela: “Por falares em tomates, amanhã tens de escavar a terra para plantarmos duas dúzias deles que comprei ontem.”
Ele fez uma cara feia. Que diabos, lá tinha de ir trabalhar!
Então, eu disse-lhe, enquanto ria como um perdido: “Para a próxima diz a palavra certa. Ela nem do raio dos tomates se estava a lembrar. Meu amiguinho, amanhã lá terás de pegar na enxada. Para muita gente, parece ser melhor uma mão “inchada” do que uma enxada na mão.
Só nos fica bem sermos socialmente educadinhos, mas penso que um palavrão aqui e um ou outro ali, não prejudica ninguém. Toma lá, para aprenderes!…
.
………………………….
.
Nota do Director:
O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.
.
19/12/2024