Olhar com desconfiança para a cultura e as artes

 Olhar com desconfiança para a cultura e as artes

(super.abril.com.br – linkedin.com)

Temos uma direita que olha com desconfiança para a cultura e para as artes (particularmente, o teatro) “porque” são todos uns perigosos esquerdistas. E uma esquerda que se julga “dona” disso e não suporta outra retórica crítica dela.

José Saramago (rbe.mec.pt)

A bestialidade de Sousa Lara no “affair” José Saramago (que não aprecio especialmente, mas a quem reconheço valor) está em linha com a criminosa ideia (e convite que recebi na altura e, obviamente, recusei indignado) para uma queima de livros de Agustina Bessa-Luís (que também não é autora de minha predilecção, apesar de ser um vulto incontornável da nossa literatura), quando ela foi mandatária da candidatura de Freitas do Amaral.

Agustina Bessa-Luís (dp.uc.pt)

Por isso, quando digo que Santana Lopes1 muito fez – e fez – pelo teatro português, os meus pares olham-me como um direitista, tal como quando reconheço os valores do político Nikolai Gubenko2, soviético, no mesmíssimo período, permaneço um comunista! Faltam-nos Antonio Gramsci ou André Malraux no pensamento. E, fora dele, vistos como criadores, a capacidade de validar a grandeza filmográfica quer de Serguei Eisenstein quer de Leni Riefenstahl. Ou seja, falta massa crítica, conhecimentos além da espuma, independência crítica. Uma enorme tragédia que nos deixa a léguas de países economicamente mais pobres na distribuição, culturalmente mais ricos na fruição.

.

………………………….

.

Notas da Redacção:

Nikolay Gubenko
(en.wikipedia.org)

1 – Pedro Santana Lopes, no início dos anos 90, durante o governo de Aníbal Cavaco Silva, desempenhou funções como secretário de Estado da Cultura, em substituição de Teresa Patrício Gouveia. 

2 – Como nos recorda a Wikipédia, Nikolai Gubenko aceitou o cargo de ministro da Cultura da União Soviética, tornando-se o primeiro profissional das artes soviético a ocupar um cargo semelhante desde Anatoly Lunacharsky em 1917. Gubenko exerceu esta cargo de 1989 a 1991, quando ocorreu a dissolução da União Soviética, sendo assim o último ministro da Cultura soviético.

.

………………………….

.

Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor..

.

01/12/2025

Siga-nos:
fb-share-icon

Jorge Castro Guedes

Com a actividade profissional essencialmente centrada no teatro, ao longo de mais de 50 anos – tendo dirigido mais de mil intérpretes em mais de cem encenações –, repartiu a sua intervenção, profissional e social, por outros mundos: da publicidade à escrita de artigos de opinião, curioso do Ser(-se) Humano com a capacidade de se espantar como em criança. Se, outrora, se deixou tentar pela miragem de indicar caminhos, na maturidade, que só se conquista em idade avançada, o seu desejo restringe-se a partilhar espírito, coração e palavras. Pessimista por cepticismo, cínico interior em relação às suas convicções, mesmo assim, esforça-se por acreditar que a Humanidade sobreviverá enquanto razão de encontro fraterno e bom. Mesmo que possa verificar que as distopias vencem as utopias, recusa-se a deixar que o matem por dentro e que o calem para fora; mesmo que dela só fique o imaginário. Os heróis que viu em menino, por mais longe que esteja desses ideais e ilusões que, noutras partes, se transformaram em pesadelos, impõem-lhe um dever ético, a que chama “serviços mínimos”. Nasceu no Porto em 1954, tem vivido espalhado pelo Mundo: umas vezes “residencialmente”, outras “em viagem”. Tem convicções arreigadas, mas não é dogmático. Porém, se tiver de escolher, no plano das ideias, recusa mais depressa os “pragma” de justificação para a amoralidade do egoísmo e da indiferença do que os “dogma” de bússola ética.

Outros artigos

Share
Instagram