ONU aprovou solução de dois Estados: Israel e Palestina

 ONU aprovou solução de dois Estados: Israel e Palestina

O secretário-geral da ONU, António Guterres. (ONU/Loey Felipe – news.un.org)

 Mapa de 1947. (Imagem: Poder360 – cliccamaqua.com.br)

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, a 12 de setembro, uma resolução não vinculativa que apoia a solução de dois Estados para Israel e para Palestina, horas depois de o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ter rejeitado a ideia de um Estado palestiniano independente.

A resolução, que apoia o reconhecimento de um Estado palestiniano e prevê uma solução de dois Estados, condena tanto o ataque do Hamas ao Sul de Israel, em outubro de 2023, como o cerco de Israel e a fome em Gaza, que produziu uma catástrofe humanitária.

A Declaração de Nova Iorque sobre a Implementação da Solução de Dois Estados – Palestina e Israel – foi aprovada por 142 dos 192 Estados-membros da Assembleia-geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, com Portugal a votar a favor. (eco.sapo.pt)

Dos 193 membros daquele organismo mundial, 142 países (quase três quartos) votaram a favor da Declaração de Nova Iorque, 10 votaram contra e 12 abstiveram-se.

Apresentada pela França e pela Arábia Saudita, a resolução, prevê que a Autoridade Palestiniana (AP) governe e controle todo o território palestiniano, com um comité administrativo de transição, imediatamente estabelecido após um cessar-fogo em Gaza.

O documento de sete páginas condena “os ataques cometidos pelo Hamas contra civis”, no Sul de Israel, em 7 de outubro de 2023, quando militantes liderados pelo Hamas mataram cerca de 1200 pessoas, muitas delas civis, e fizeram 250 reféns. Destes, 50 ainda estão detidos, incluindo cerca de 20 que se acredita estarem vivos. E, ao mesmo tempo, condena os ataques de Israel contra civis e contra infraestruturas civis, em Gaza, e o seu “cerco e fome, que produziu uma catástrofe humanitária devastadora e uma crise de proteção”. Após o dia 7 de outubro, a ofensiva israelita matou mais de 64 mil palestinianos, na sua maioria, mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, que não distingue entre combatentes e civis.

Uma solução de dois Estados. (© Unicef/Mohammed Nateel – news.un.org)

Estes números são repetidamente citados por instituições internacionais, como a ONU.

Efetivamente, grandes extensões da Faixa de Gaza foram arrasadas e a maioria dos mais de dois milhões de habitantes do território foi deslocada. E a ONU declarou, recentemente, a situação de fome na província de Gaza, que acredita poder estender-se a Deir al Balah e Khan Younis até ao final deste mês.

“O Hamas deve pôr fim ao seu domínio em Gaza e entregar as suas armas à Autoridade Palestiniana”, estipula a declaração, acrescentando que deve libertar todos os reféns.

A declaração sugere o envio de uma missão apoiada pela ONU para proteger os civis palestinianos, garantir a segurança aos civis palestinianos e israelitas, para apoiar a transferência pacífica do governo para a AP e para controlar o cessar-fogo e um futuro acordo de paz.

Por último, a declaração apela aos países a que reconheçam o Estado da Palestina, naquilo a que chama uma “componente essencial e indispensável” para alcançar uma solução de dois Estados.

Sem citar nomes, mas em clara referência a Israel, o documento diz que “as ações unilaterais ilegais constituem uma ameaça existencial à realização do Estado independente da Palestina”.

(instagram.com/radar_brasil)

No início deste mês, a Bélgica anunciou que se juntaria ao Reino Unido, à França e a outros países, no reconhecimento de um Estado palestiniano, na reunião anual da Assembleia Geral da ONU, no final do mês. Os Palestinianos afirmavam esperar que, pelo menos, mais 10 países reconheçam o Estado da Palestina, além dos mais de 145 países que já o fazem.

O embaixador palestiniano na ONU, Riyah Mansour, afirmou que o apoio maioritário à resolução indica “o desejo de quase todos, da comunidade internacional, de abrir a porta à opção da paz”. E, sem nomear Israel, disse: “Convidamos uma parte que ainda está a insistir na opção da guerra e da destruição e nas tentativas de eliminar o povo palestiniano e de roubar as suas terras, a ouvir o som da razão, o som da lógica de lidar com esta questão pacificamente, e a mensagem esmagadora que ressoou, hoje, nesta Assembleia Geral.”

Embaixador palestiniano na ONU, Riyah Mansour.
(Foto: Divulgação – cbn.globo.com)

Israel rejeitou, de imediato, a resolução, alegando que apenas beneficia o Hamas. “Esta declaração unilateral não será recordada como um passo em direção à paz, mas apenas como mais um gesto vazio que enfraquece a credibilidade desta assembleia”, afirmou o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, sustentando que esta decisão da ONU é “vergonhosa” e não “favorece uma solução para a paz”.

Israel, que há muito critica a ONU por não condenar, nominalmente, o Hamas pelos ataques de 7 de outubro, rejeitou a declaração como unilateral e descreveu a votação como um “circo”. “Mais uma vez, ficou provado quanto a Assembleia Geral é um circo político alheio à realidade: nas dezenas de cláusulas da declaração endossadas por esta resolução, não há uma única menção de que o Hamas seja uma organização terrorista”, escreveu o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Oren Marmorstein, numa publicação no X.

Embaixador de Israel na ONU, Danny Danon. (en.wikipedia.org)

Durante uma visita a um colonato israelita, na Cisjordânia ocupada, Benjamin Netanyahu confirmou não querer um Estado palestiniano: “Este lugar pertence-nos”, declarou.

O aliado mais próximo de Israel, os Estados Unidos da América (EUA), que garantiu que o presidente palestiniano, Mahmud Abbas, não obteria o visto para viajar para Nova Iorque, também se opôs à iniciativa, tendo Morgan Ortagus, conselheiro da missão dos EUA, considerado que se tratava de um “golpe publicitário mal orientado e inoportuno que prejudica os esforços diplomáticos sérios para pôr termo ao conflito”.

Além dos EUA e de Israel, outros oito países votaram contra a resolução – a Argentina, a Hungria, a Micronésia, Nauru, Palau, Papua-Nova Guiné, o Paraguai e Tonga.

Embora Israel critique, há quase dois anos, os organismos da ONU pela sua incapacidade de condenar o ataque do Hamas ao território israelita, em outubro de 2023, a resolução em causa repudia o grupo terrorista e exclui-o da solução de dois Estados.

O texto, respaldado pela Liga Árabe e assinado, em julho, por 17 países, durante a primeira parte de uma das conferências da ONU sobre a solução de dois Estados, vai mais além: “No contexto da finalização da guerra em Gaza, o Hamas deve deixar de exercer sua autoridade sobre a Faixa de Gaza e entregar suas armas à Autoridade Palestin[ian]a, com o apoio e a colaboração da comunidade internacional, conforme o objetivo de um Estado palestiniano soberano e independente”, sinaliza inequivocamente o texto”.

A votação referida antecede uma próxima cimeira da ONU copresidida por Riad e por Paris, a 22 de setembro, em Nova Iorque, na qual o presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu reconhecer formalmente o Estado palestino.

Richard Gowan, do International Crisis Group. (crisisgroup.org)

“O facto de a Assembleia Geral, finalmente, apoiar um texto que condena diretamente o Hamas é significativo”, embora os Israelitas digam que “é pouco demais e tarde demais”, afirmou Richard Gowan, do International Crisis Group, vincando: “Agora, pelo menos, os Estados que apoiam os palestinianos podem refutar as acusações israelitas segundo as quais apoiam, implicitamente, o Hamas. [Isto] oferece um escudo contra as críticas de Israel.”

Além da França, outros países anunciaram sua intenção de reconhecer formalmente o Estado palestiniano durante a semana da Assembleia Geral da ONU, que começa em 22 de setembro.

O gesto é visto como uma forma de aumentar a pressão sobre Israel para encerrar a guerra em Gaza. Aliás, o texto defende a “finalização da guerra em Gaza” e uma “solução justa, pacífica e duradoura do conflito israel[ita]-palestiniano, baseada numa implementação genuína da solução de dois Estados”, uma posição comum da Assembleia Geral. E é na previsão de um futuro cessar-fogo que é mencionado o desdobramento de uma “missão internacional temporária de estabilização”, em Gaza, sob mandato do Conselho de Segurança da ONU, para proteger a população, [para] apoiar o fortalecimento das capacidades do Estado palestiniano e [para] fornecer “garantias de segurança à Palestina e a Israel”.

Em 2024, uma equipa da ONU inspecionava uma escola destruída em Khan Younis. (Créditos fotográficos: Ocha/Themba Linden – news.un.org)

Aproximadamente três quartos dos 193 Estados-membros da ONU reconhecem o Estado palestiniano proclamado pelos líderes deste território no exílio, em 1988. No entanto, após quase dois anos de guerra na devastada Faixa de Gaza, a expansão da colonização israelita na Cisjordânia e as intenções de funcionários israelitas de anexar este território ocupado, cresce o temor de que a criação de um Estado palestiniano independente seja fisicamente impossível.

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Antes desta resolução da ONU, o Parlamento Europeu (PE) aprovou, no dia 11, uma resolução que pede aos estados-membros da União Europeia (UE) que “considerem o reconhecimento do Estado da Palestina, com vista a alcançar a solução de dois Estados”.

Eurodeputado italiano Nicola Zingaretti, dos Socialistas e
Democratas. (europarl.europa.eu)

Embora o PE já tenha apoiado o “reconhecimento, em princípio, do Estado palestiniano” no passado, a resolução parece configurar um apelo mais direto aos governos nacionais a que atuem. A resolução foi aprovada com 305 votos a favor, 151 contra e 122 abstenções

De acordo com o eurodeputado italiano Nicola Zingaretti, dos Socialistas e Democratas (S&D), o resultado da votação foi fruto de negociações exaustivas entre os grupos políticos sobre várias alterações. A votação foi longa e tensa e os eurodeputados chegaram a pedir uma pausa, para verificarem as alterações sobre Gaza, antes de procederem à votação final. Por exemplo, a expressão “ações genocidas” acabou por ser rejeitada e excluída do texto.

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A tomada de posição do PE seguiu-se a várias manifestações, na Europa, contra a complacência da UE para com Israel, no atinente à situação na Faixa de Gaza.

Ainda a 8 de setembro, dezenas de milhares de pessoas marcharam em Bruxelas, no protesto “Linha Vermelha para Gaza”, exigindo sanções mais duras da UE contra Israel e o reconhecimento do Estado da Palestina. A polícia estimou 70 mil participantes, enquanto os organizadores afirmaram que 110 mil pessoas participaram na marcha de 3,5 quilómetros, apoiada por mais de 200 grupos de direitos humanos e por agências de ajuda, incluindo a Oxfam, a Amnistia Internacional (AI) e os Médicos Sem Fronteiras (MSF).

(pt.euronews.com)

O protesto seguiu-se ao anúncio da Bélgica de reconhecerá a Palestina na Assembleia Geral da ONU, no final do mês e imporá sanções a Israel sob certas condições. Os manifestantes saudaram a medida, mas exigiram ações mais firmes, alertando que os governos da UE estão muito atrás da opinião pública, quando a crise humanitária em Gaza se agrava.

A Bélgica junta-se a Portugal, à Austrália, à França, ao Canadá e ao Reino Unido, que também se comprometeram a reconhecer um Estado palestiniano, numa tentativa de pressionar o governo de Benjamin Netanyahu a pôr fim ao ataque a Gaza e à crise humanitária.

Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros belga, Maxime Prévot, “não se trata de sancionar o povo israelita, mas de garantir que o seu governo respeita o direito internacional e humanitário e que toma medidas para tentar alterar a situação no terreno”.

A Bélgica pretende sanções a Israel, que incluem a proibição de importar produtos dos colonatos, a revisão das políticas de contratos públicos com empresas israelitas e restrições à assistência consular a cidadãos belgas que residam nos colonatos ilegais, bem como eventuais ações judiciais, proibições de sobrevoos e de trânsito, a designação de dois ministros israelitas, dirigentes do Hamas e de vários colonos violentos como “personae non gratae”, na Bélgica. E, embora Prévot não tenha mencionado o nome dos dois ministros, provavelmente, pensou nos ministros da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, de extrema-direita, e das Finanças, Bezalel Smotrich, que foram alvo de ações similares, da parte de outros países da UE, como os Países Baixos.

Ministro dos Negócios Estrangeiros belga, Maxime Prévot.
(diplomatie.belgium.be)

Prévot anunciou também que a Bélgica apoiará medidas, a nível da UE, para suspender a cooperação com Israel, incluindo a suspensão do acordo de associação com o país, programas de investigação e cooperação técnica. “A Bélgica vai reconhecer a Palestina, durante a iniciativa conjunta da França e da Arábia Saudita. Um gesto político e diplomático forte, para preservar as hipóteses de uma solução de dois Estados”, escreveu Prévot, frisando que Bruxelas vai participar na iniciativa, para “marcar a condenação das ambições expansionistas de Israel com os seus programas de colonização e de ocupações militares”.

O chefe da diplomacia belga sublinhou que as medidas se destinam a responsabilizar o governo israelita, pelas ações durante a dura ofensiva de 22 meses, em Gaza, não constituindo abandono do povo judeu, nem o tendo como alvo, pois o governo belga vai tomar medidas ativas contra a glorificação do Hamas e contra o antissemitismo.

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O reconhecimento da Palestina por Portugal, anunciado em julho, ganhou novo impulso com o início das consultas aos partidos políticos, na primeira semana de setembro, em fase mais assertiva da política externa e de alinhamento com a posição internacional dominante.

Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel.
(pt.wikipedia.org)

Sob liderança do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, o país reforçou a sua posição em defesa da solução de dois Estados, após uma reunião, em fevereiro, com o homólogo israelita Gideon Sa’ar, em Jerusalém, no âmbito de um périplo pelo Médio Oriente. E reafirmou-a em Copenhaga, numa reunião com homólogos da UE, onde o ministro manifestou o papel diplomático que o país pretende assumir no processo de paz. 

No final de julho, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou que o governo iria ouvir o Presidente da República e os partidos com representação parlamentar, para considerar o reconhecimento palestiniano na semana de Alto Nível da 80.ª Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, entre 23 e 29 de setembro. Estas reuniões fazem parte de encontros preparatórios não só por causa desta questão, mas também do Orçamento do Estado e da lei da nacionalidade, e refletem a preocupação de construir uma base de apoio parlamentar sólida para o reconhecimento da Palestina por Portugal. 

A Semana de Alto Nível da 80.ª Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, vai decorrer entre 23 e 29 de setembro. (Créditos fotográficos: ONU/Manuel Elias – agenciagov.ebc.com.br)

O partido Chega sustenta que não é tempo de reconhecer o Estado palestiniano, acompanhando as posições conservadoras relativas ao tema, nomeadamente, a nível europeu. 

Já se tinham manifestado, anteriormente, a favor de que Portugal reconheça o Estado da Palestina o Partido Comunista Português (PCP), o Bloco de Esquerda (BE), o Livre, o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), o Juntos Pelo Povo (JPP) e o Partido Socialista (PS), defendendo que o reconhecimento é uma solução para o conflito israelo-palestiniano e que deve ter em conta as fronteiras anteriores a 1967 e com capital em Jerusalém Oriental.  

O partido do Centro Democrático Social (CDS) rejeitou, até agora, o reconhecimento do Estado palestiniano, aduzindo que, antes, têm de ser respeitados pressupostos, como o fim do Hamas, o acordo de cessar-fogo e a libertação de todos os reféns. E a Iniciativa Liberal (IL) recomendou ao governo uma “estratégia equilibrada e responsável, para promover uma solução pacífica e sustentável para o conflito israelo-palestiniano”, assim como sustenta que o reconhecimento deve ser feito num movimento multilateral, não fazendo sentido Portugal fazê-lo individualmente.

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Veremos se a campanha multilateral resultará. Não é fácil.

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15/09/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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