Pompeia e Herculano
“Na noite de 24 de outubro do ano 79 d. C., os habitantes de Pompeia e de Herculano dormiram com a morte”, como foi recordado em 12 de outubro de 2018, na sequência de uma pesquisa arqueológica que mereceu a atenção da revista PLOS One.
“Uma grande carruagem cerimonial de quatro rodas, com elementos de ferro, decorações de bronze e estanho, restos de madeira mineralizada e vestígios de elementos orgânicos, como cordas, foi encontrado quase intacto na área arqueológica de Pompeia (sul da Itália)”, avançava o jornal Expresso, em 27 de Fevereiro de 2021, com base na agência noticiosa Lusa.
“Pompeia continua a surpreender com as suas descobertas e continuará a fazê-lo por muitos anos com vinte hectares ainda por escavar. Mas acima de tudo mostra que é possível promovê-la, é possível atrair turistas de todo o mundo e ao mesmo tempo é possível realizar pesquisas e estudos”, afirmou, então, o ministro italiano da Cultura (ministro do Património e das Actividades Culturais) Dario Franceschini, como lemos no mesmo artigo do Expresso, intitulado “Pompeia. Descoberta grande carruagem cerimonial enterrada pela erupção do Vesúvio”.
Todo o processo de recuperação pelos arqueólogos, deste magnífico material, está também registado no documentário “Pompeia. O Segredo da Cidade Civita Giuliana”, que vimos, a 13 de Agosto de 2024, na RTP2.
Os objetos de uso diário ajudam não apenas a compreender como era a vida quotidiana dos seus habitantes, mas igualmente a conhecermos as relações entre as diferentes classes sociais, distinguindo senhores e escravos. Também o encontro do esqueleto de um cavalo, que explica como e em que lugar os animais estavam guardados e descansavam, nesta aldeia suburbana de Civita Giuliana, ao norte de Pompeia, além das muralhas da cidade antiga.
A cidade de Pompeia, a qual nunca tive oportunidade de visitar, é um mundo fabuloso sempre em descoberta. Pompeia era uma cidade altamente desenvolvida, habitada por ricos mercadores e por comerciantes, destacando-se nas descobertas arqueológicas as mansões (Domus romanas) e uma grande quantidade de monumentos. Os cerca de 15 mil / 20 mil habitantes precisavam de tudo aquilo que podemos imaginar numa grande cidade.
A presença de um teatro e de um anfiteatro também indicam que Pompeia era uma cidade rica em actividades lúdicas, que precisava de espaços dedicados ao entretenimento dos seus moradores. Havia, igualmente, muitas termas. Além disso, o centro da vida pública e social da cidade era o Fórum, onde grande parte da vida política, religiosa e comercial acontecia. Durante as escavações, os arqueólogos descobriram 25 bordéis espalhados por toda a cidade.
De facto, existem numerosos frescos ou pinturas murais eróticos (por exemplo, de Leda e o Cisne) preservados dentro dos bordéis, que exibem os serviços de um menu ilustrativo. O maior e mais preservado bordel encontrado é o Lupanare. O nome de “Lupa/loba”, seria, na gíria, sinónimo de “prostituta”(?). Por outro lado, não podemos esquecer as referências mitológicas à loba na tradição romana, a loba fundadora da cidade Roma, aquela que amamentou Rómulo e Remo, protagonistas de um dos mitos da História romana e considerados os fundadores da cidade.
O início da catástrofe foi uma forte explosão do vulcão Vesúvio, atingindo a cidade com uma chuva de lapilli (pedras incandescentes emitidas pelo vulcão) que durou até ao dia seguinte. Os cidadãos que permaneceram vivos tentaram abrigar-se nas casas ou refugiaram-se junto do mar, esperando escapar do vulcão em erupção. De manhã, cerca das 7h30, uma nova descarga violenta de gás tóxico e de cinzas devastou a cidade, infiltrando -se em todos os lugares e queimando todos aqueles que não haviam conseguido fugir. Estima-se que dois mil cidadãos de um total de 15 mil morreram na cidade devido à erupção. Pompeia ficou soterrada durante mais de 1500 anos.
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Os corpos expostos
Quem visita Pompeia, pode ver expostas em vitrinas várias réplicas dos corpos dos cidadãos que, ao terem sido soterrados pela lava e pelas cinzas, ficaram como que petrificados no momento da morte. O calor acabou por destruir os corpos e a lava que os soterrou criou autênticas formas ou moldes (cavidades) que permitiram reproduzir essas formas através do gesso.
Foi o arqueólogo Giuseppe Fiorelli, em 1860, quem se encarregou das escavações de Pompeia. Durante as primeiras pesquisas arqueológicas, foram notados estes espaços vazios que continham restos humanos. Assim, em Pompeia, os mortos contam a história dos vivos. “Em nenhum outro lugar do mundo antigo apareceram tantos corpos de pessoas congeladas no tempo, preservados ao longo dos séculos no preciso momento do seu falecimento”, escreve Guillermo Altares, em 23 de Novembro de 2020, no jornal El País.
No seu filme “Viagem à Itália” (de 1954), Roberto Rossellini evoca, numa forma documental (tão próxima das suas últimas realizações), a impressão que produz, hoje, o encontro com esses corpos que falam do seu passado e do nosso presente.
Um casal em crise interpretado pelos actores George Sanders e Ingrid Bergman (esposa de Rossellini), contempla o processo de esvaziamento de um daqueles gessos, em que aparecem uma mulher e um homem, que morreram juntos. A descoberta leva-os a reflectir sobre as suas próprias vidas, como regista Guillermo Altares, no mesmo artigo.
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E as sombras dos corpos em Hiroshima
Na aurora de 6 de Agosto de 1945, a primeira bomba atómica da História soltou sua fúria sobre a cidade japonesa de Hiroshima. Entre as muitas histórias que surgiram naquele dia, destaca-se a de um homem diante do banco Sumitomo, de bengala na mão, que, num instante, deixou uma sombra perpétua nos degraus. É um testemunho mudo das vidas ceifadas por esse evento catastrófico.
No seu artigo “Como bomba de Hiroshima deixou marcadas sombras das vítimas”, publicado em 25 de Março de 2024, Felipe Espinosa Wang escreve: “De acordo com Michael Hartshorne, professor emérito de radiologia e curador emérito do Museu Nacional de Ciência e História Nuclear, nos EUA, conforme citado pela Live Science, a luz e o calor intensos da bomba criaram um cenário em que as pessoas e os obje[c]tos agiam como escudos, protegendo o que estava atrás deles. Esse fenômeno resultou no branqueamento das superfícies ao redor, deixando as ‘sombras’ contrastantes que conhecemos hoje.”
Se pensarmos em termos fotográficos, a forte luz funcionou como agente que imprimiu, no chão e nas escadas, imagens ou sombras reais no momento da explosão atómica.
“Eu aprendi uma nova palavra hoje: bomba atómica. Era como uma luz branca no céu, parecida com Deus tirando uma fotografia.” Esta frase marca a perda da inocência do jovem protagonista do filme, “Império do Sol”1, realizado por Steven Spielberg, e marca também a perda da inocência da Humanidade na destruição mais massiva que significou o lançamento das bombas em Hiroshima e em Nagazaki2.
Corpos, imagens, sombras, nomes que poderiam integrar uma lista enorme de seres humanos que destruídos pela Natureza ou pela fúria humana marcaram momentos da nossa História. Foram, aproximadamente, 34 mil as pessoas, entre judeus e outros perseguidos dos regimes fascistas/nazistas europeus que Aristides Sousa Mendes salvou com a emissão de vistos.
Depois de uma série televisiva, de um filme e de uma peça de teatro – “A Desobediência”, da autoria de Luiz Francisco Rebello, de 2007 –, finalmente, a inauguração, em 19 de Julho de 2024, do Museu Aristides de Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal, que honra e perpetua a memória do ilustre cônsul de Bordéus, que ajudou a salvar milhares de refugiados na Segunda Guerra Mundial.
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Notas:
1 – “Império do Sol” é a adaptação cinematográfica da obra parcialmente autobiográfica de J. G. Ballard. Uma criança britânica, nascida de família rica, acaba tendo que sobreviver sozinha no meio de uma guerra, separada dos seus pais, após os Japoneses invadirem a China. Das ruas de Xangai aos campos de concentração japoneses, “Império do Sol” trata-se, de certa forma, de um coming-of-age. O crescimento de Jamie Graham é baseado nas extraordinárias experiências vividas por Ballard. Este filme norte-americano foi realizado por Spielberg, em 1987. A este respeito, pode consultar o texto de Gabriel Carvalho, na publicação electrónica Plano Crítico: Crítica | Império do Sol – Plano Crítico.
2 – Hiroshima e Nagasaki foram as duas cidades japoneses que ficaram destruídas com os bombardeamentos atómicos, nos dias 6 e 9 de Agosto de 1945, pelos Estados Unidos da América, para forçar a rendição japonesa e evitar que as tropas norte-americanas precisassem de invadir o Japão por terra.
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29/08/2024