Portugal é dos países mais desiguais da Zona Euro
O aumento das qualificações é chave para a redução das desigualdades e o nível de escolaridade em Portugal, nos últimos anos, registou progressos notáveis, mas não tirou o país do ranking dos mais desiguais da União Europeia (UE). Entre nós, a origem social ainda faz muita diferença.
Há várias desigualdades e várias formas de as medir, incidindo sobre o rendimento (do trabalho e do capital, que é capital acumulado), sobre o património ou sobre riqueza em geral.
Na desigualdade de rendimentos, a população é dividida em percentis, em decis e em quintis: por exemplo, os 1% mais ricos, os 10% mais pobres e os 20% com maior rendimento, respetivamente. Nestes termos, Portugal tinha os 10% da população com maior rendimento a ganhar, em 2022 (o último ano de que há dados), 9,7 vezes o rendimento dos 10% que estão no fundo da escala. Os 20% da população com mais rendimento ganhavam 5,6 vezes o montante dos 20% menos bem remunerados. A desigualdade já foi maior, mas a pandemia voltou a inverter a tendência, em especial nos Açores e na Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Neste âmbito, o mercado de trabalho e os salários desempenham papel central e incontornável.
O índice de Gini – varia entre 0 (máxima igualdade) e 100 (máxima desigualdade) –, outro indicador de desigualdade do rendimento na repartição do rendimento disponível, também se agravou 1,6% (32,1, em 2017, e 33,7, em 2022) com os Açores, a Algarve e a AML a registar assimetrias acima da média nacional. Enfim, apesar de estarem criadas condições mais propícias, a desigualdade de rendimentos, em vez de descolar, aumenta.
Os níveis de desigualdade económica também são elevados, se comparados com os parceiros europeus. Portugal é um dos países mais desiguais da Zona Euro. Com efeito, em 2022, era um dos países onde a diferença de rendimento entre os mais ricos e os mais pobres era maior. Estávamos na 7.ª posição, acima da média da UE e da média da Zona Euro. A Lituânia, a Letónia, a Espanha, a Itália, a Estónia e a Grécia são ainda mais desiguais, mas, por tendência, economias mais avançadas do que a nossa têm menos desigualdades na distribuição do rendimento.
Os níveis de educação, o mercado de trabalho e os salários são um importante nivelador das desigualdades na distribuição do rendimento. Porém, apesar dos avanços nas qualificações, a economia e os salários tardam em acompanhá-la. O governo tinha como meta chegar ao fim da legislatura com os salários a terem um peso no PIB equivalente a 48%, mas a legislatura foi interrompida e 2022 foi um ano de retrocesso, quer na Europa, quer na UE. Os rendimentos do trabalho ficaram com 47% do produto interno bruto (PIB) e o capital com 53%.
As mulheres ganham entre 60% e 90% das remunerações dos homens. Também ocupam menos cargos de gestão. As diferenças são menores entre os mais novos, que iniciam a vida laboral a ganhar menos e em que o salário mínimo nacional acaba por nivelar as remunerações, e crescem com a idade. Segundo os dados do Ministério do Trabalho, não há nenhum escalão etário em que as mulheres ganhem mais que os homens. Os estudos sugerem que as diferenças persistem, mesmo quando as funções são exatamente iguais, discriminação que a lei acautela, mas que, na prática, não tem fiscalização.
Com a lei das quotas, Portugal deu saltos assinaláveis nos últimos anos. Contudo, por exemplo, em 2010, nas empresas cotadas em bolsa só 5,4% dos cargos de administração eram ocupados por mulheres, percentagem que está em torno dos 33%, o mínimo previsto na lei. As mulheres são colocadas, sobretudo, em cargos não executivos, como conselhos fiscais, conselhos consultivos, presidentes do conselho de administração ou em outras funções não executivas. Nos cargos executivos, não chegam a 20%, o que sugere que a lei é cumprida, mas à força.
As empresas cotadas em bolsa cumprem as regras pelo mínimo e há % de mulheres por tipo de órgãos de administração no PSI20 (Portuguese Stock Index é o índice que agrega as maiores empresas cotadas na Euronext Lisboa que tenham mais de 1000 milhões euros de capitalização).
Além do rendimento, que é um fluxo, a riqueza (do lado do património) é outro indicador para medir as desigualdades. E também aqui são assinaláveis. Em 2020 (último ano de que há dados), cada português tinha um património equivalente a 200 mil euros (correspondente à diferença entre o valor dos ativos e das dívidas das famílias). São mais 19,9% do que três anos antes, distribuídos de forma muito desigual. E, segundo o último Inquérito à Situação Financeira das Famílias, do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Banco de Portugal (BdP), os 10% de famílias com mais riqueza líquida concentravam mais de metade (51,2%) do património de todo o país. Os 20% mais ricos concentravam 70% de toda a riqueza, e os 20% mais pobres apenas 0,1%.
Outra forma de ver as diferenças: os 10% mais ricos têm 300 vezes o património dos 10% mais pobres. A diferença já foi mais alta e tem vindo a diminuir, mas ainda é assinalável. São considerados bens como casas, terrenos, obras de arte, depósitos, aplicações financeiras e participações em sociedades, em termos líquidos (isto é, já descontados os empréstimos para a sua aquisição). Os Portugueses ficaram 20% mais ricos em três anos. Contudo, 10% das famílias concentram 51,2% do património do país.
As desigualdades têm sido afloradas na campanha eleitoral. Os partidos à esquerda enfatizam a necessidade de redistribuir melhor o rendimento e a riqueza, e a direita, não lhe sendo indiferentes as desigualdades, centra-se no crescimento económico.
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Em casa, carro, depósitos, obras de arte, participações financeiras e investimentos, os Portugueses têm, em média, um património líquido (descontados os empréstimos) de 200 mil euros. Porém, os 20% mais pobres só têm 0,1% da riqueza do país. No rendimento, as diferenças não são tão grandes, mas ainda são significativas.
Os apoios sociais vêm aumentando, a qualificação da população deu assinalável salto, a economia vem a crescer acima da média europeia e o nível de emprego bate sucessivos recordes, mas as desigualdades, que são estruturais, mantêm-se. Portugal continua a ser um dos países da UE com mais desigualdades económicas, no rendimento e no património.
Os dados do rendimento, mais recentes e mais comummente usados, indicam que, no final de 2022, os 10% do escalão mais alto ganhavam praticamente 10 vezes o rendimento do escalão mais baixo. A tendência vinha-se a esbater, mas a pandemia, a guerra na Ucrânia e o disparo dos preços acabaram por inverter a trajetória, que nem o emprego em níveis historicamente altos travou. É diferente ter emprego e ter emprego com qualidade e não precário.
No património que os Portugueses acumulam, as diferenças são ainda mais assinaláveis e podem contar-se de várias formas: 10% da população concentra mais de metade de toda a riqueza do país; 20% concentra 70% do património ou os 20% mais pobres só têm 0,1% de toda a riqueza. Os 10% mais ricos têm um património que vale 299 vezes o património dos 10% mais pobres.
Apesar de não ser fenómeno novo, a desigualdade só foi assumida, recentemente, como problema. Depois da crise financeira de 2007/2008, a maioria dos académicos, dos políticos e das organizações internacionais voltaram a preocupar-se com o rendimento e com o património e com a forma como se repartem entre as classes sociais. Antes, os economistas desvalorizavam as diferenças. Por isso, dizer que Portugal é um dos países mais desiguais da Europa não surpreende, mas ganha relevância. E as qualificações, questão em que Portugal pontuava mal, mas na qual vem a recuperar, são apontadas como a chave central para diminuir as desigualdades no futuro.
Renato do Carmo, sociólogo, presidente do Observatório das Desigualdades, sustenta que Portugal “continua a ter uma matriz muito dualista”, onde “dinâmicas de ascensão social ascendente ou cristalizaram ou estagnaram”.
Não é caraterística exclusiva de Portugal, mas Portugal tinha uma matriz muito persistente e estas dinâmicas mais recentes contribuem para se manterem as persistências. Por isso, a escolaridade, sendo condição necessária, não é suficiente para acelerar o ritmo de redução das desigualdades e a mobilidade social. Todavia, estaríamos numa situação muito pior, se não tivéssemos investido na escola pública como investimos.
As políticas de igualdade têm de ser transversais e multissetoriais mas, entre as principais, estão a habitação e o mercado de trabalho.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em Portugal, só 15% dos trabalhadores são sindicalizados. É queda enorme, face aos 63% que se registavam no pós-25 de Abril, que se agravará com as novas formas de trabalho e com o aumento da precarização. Os rendimentos do trabalho vêm a perder peso, face ao capital (representavam 47%, em 2021) e, quando maior for a atomização, maior será a desigualdade. “Questões como salário médio, igualdade salarial, passam pela negociação coletiva. […] A necessidade de as pessoas se organizarem coletivamente não é ideia arcaica […] Vivemos uma sociedade muito deslaçada, muito atomizada, e isso está a afetar a qualidade das democracias”, alerta a OCDE.
A contratação coletiva é também central na redução das desigualdades de género, garante Sara Falcão Casaca, professora no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e presidente do Conselho Económico e Social (CES), no contexto do debate das discriminações acrescidas a que as mulheres estão sujeitas no mercado de trabalho, com menos rendimento para trabalho igual, com menos evolução na carreira e com menos acesso a cargos de gestão.
Questões como associativismo, sindicalização e contratação coletiva são preocupações da Aliança Democrática (AD) para a sua esquerda, vincando a necessidade de revitalizar as associações empresariais e sindicais e a de os contratos de trabalho especificarem quais os sindicatos em que os trabalhadores podem filiar-se. Mais à esquerda, a batalha é eliminar as cláusulas de caducidade das convenções, quando patrões e sindicatos não chegam a acordo. E, quanto a salários, há convergência da esquerda à direita nos resultados: o mínimo é para continuar a subir e o médio é para fazer com que continue a aumentar.
Para reduzir as desigualdades na distribuição de rendimento entre homens e mulheres, Sara Falcão Casaca “gostaria de ver, até 2030, um programa que permitisse uma licença parental de um ano, repartida em igualdade entre pai e mãe”. “Era uma evolução muito importante, quanto à partilha do trabalho não pago, que continua a recair sobretudo sobre as mulheres”, observa. Porém, embora a maioria dos partidos defenda o alargamento das licenças de parentalidade remuneradas, poucos se comprometem com a igualdade plena no tempo de partilha.
Hoje, em média, as mulheres têm remuneração 16% inferior à dos homens, crescendo a desigualdade, à medida que as qualificações aumentam, lembra Sara Falcão Casaca, que alinha na necessidade de garantir que as quotas, assegurando a presença de mais mulheres em cargos de gestão, sejam também cumpridas em funções executivas, e não só nos lugares não executivos.
Medidas concretas para reduzir, a curto prazo, a desigual distribuição de rendimentos e riqueza são mais vagas e menos consensuais. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) é redistributivo e todos concordam que é para descer, mas com gradações diferentes. Embora as taxas marginais sejam altas, a taxa efetiva ronda os 13%, o que situa o país no grupo dos 25% com as taxas médias mais baixas da UE. Num sistema com forte pendor de progressividade, os escalões mais baixos pagam um imposto reduzido, cabendo ao último escalão (mais de 80 mil euros de rendimento coletável, suportar 70% do IRS. A maioria dos partidos fala em descida do IRS da classe média, conceito difuso que não deixa perceber o seu impacto na redistribuição.
Na desigualdade da riqueza pouco falam. Os socialistas abandonaram o imposto sucessório, deixando, deixando os partidos à esquerda a defendê-lo para heranças de mais elevado valor.
A fuga aos impostos é um tipo desporto nacional. Ora, para baixarem, é preciso que todos paguem.
Enfim, todos concordam que, para haver rendimento e riqueza para distribuir, é preciso que a economia cresça, mas a forma de o conseguir abre a janela das divergências.
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21/03/2024