Racionalismo, Humanismo, Iluminismo e Despotismo Iluminado em poucas palavras, para gente com pressa

 Racionalismo, Humanismo, Iluminismo e Despotismo Iluminado em poucas palavras, para gente com pressa

Leitura da tragédia de Voltaire L’Orphelin de la Chine, no salão de Madame Geoffrin em 1755, pintura de Anicet Charles Gabriel Lemonnier, 1812. Durante a época do Iluminismo, era comum a prática da leitura em voz alta em salões. (pt.m.wikiversity.org)

Auto-retrato de Leonardo da Vinci
(worldhistory.org – imagem de domínio público)

Os avanços da ciência concretizados no Renascimento, por Leonardo da Vinci (1452-1519) e Galileu Galilei (1564-1642), em Itália, e, mais tarde, por Nicolau Steno (1638-1686), na Dinamarca, e Isaac Newton (1643-1727), em Inglaterra, na chamada Revolução Científica do século XVII, a par do espírito de abertura ao conhecimento fomentado pela exploração do mundo desconhecido pelos navegadores portugueses e espanhóis, foram importantes para a eclosão e consolidação do Racionalismo. Sendo este entendido como uma atitude mental ou linha de pensamento que aponta o raciocínio lógico, ou seja, a razão (tida como a principal fonte de autoridade e de legitimidade) como o caminho para se alcançar a verdade.

Recorde-se que o Racionalismo foi “caldo de cultura” para o surgimento de uma outra linha de pensamento, que marcou o chamado “Século das Luzes”, designada por Iluminismo. Esta outra atitude mental, descrita como um movimento intelectual e filosófico centrado na razão, advogava a liberdade, o progresso, a tolerância, a fraternidade, o governo legitimado pelo povo, o questionamento dos dogmas religiosos.

René Descartes (pt.wikipedia.org)

Surgiu ainda o Reducionismo, apontado como a via segundo a qual um sistema composto deve ser dividido nas suas partes,  as quais, uma vez estudadas cientificamente, permitem conhecê-lo, no seu todo.

Entre os mais destacados racionalistas sobressaem o francês René Descartes (1596-1650), o alemão Gottfried Leibniz (1646-1716), o holandês de origem portuguesa Bento (Baruch) Spinoza (1632-1677) e os ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704), estes dois últimos focados no pensamento social e político.

Em paralelo com o Racionalismo, desenvolveu-se uma atitude ética, vinda de trás e que se afirmou no Renascimento, conhecida por Humanismo. Emergia, assim, de séculos do obscurantismo religioso que caracterizou a Idade Média, uma nova era iluminada pela razão. Ao Teocentrismo, que colocou Deus no centro das preocupações e dos temores do ser humano, opusera-se o Antropocentrismo que o libertou dessa servidão e o colocou no centro dessas mesmas preocupações.

Assinatura da Declaração de Independência, a 4 de Julho de 1776. (becastanheiradepera.blogs.sapo.pt)
Filósofo, poeta, teórico político e escritor francês
iluminista, Voltaire é uma das personalidades mais
importantes da sua época.
(mundoeducacao.uol.com.br)

A História mostrou que a independência dos Estados Unidos da América, a 4 de Julho de 1776, e a Revolução Francesa, cerca de um quarto de século depois, iniciada em 1789, tiveram por fundamentos as ideias saídas do Racionalismo, do Humanismo e do Iluminismo, cujo ponto alto se observou com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, em Paris, a 26 de Agosto de 1789.

Os racionalistas tinham grande fé no poder da razão, defendendo que, mediante o uso desta nossa superior capacidade, seria possível um progresso sem limites. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) afirmava que era fundamental “ousar conhecer”. Surgiu, assim, o interesse em reexaminar e pôr em questão as ideias ancestrais, entre as quais as da doutrina da Igreja (a partir de então, duramente questionada), cujo declínio foi favorável ao crescimento do Secularismo, entendido como o sistema que defende a separação entre o poder político e as instituições religiosas.

John Locke foi o primeiro a desenvolver uma
filosofia liberal, incluindo o direito à propriedade
privada e o consentimento dos governados.
(pt.wikipedia.org)

Foram muitos os elementos das elites intelectuais francesas que dilataram e divulgaram o Iluminismo, com destaque para Voltaire (François-Marie Arouet, 1694-1778), Charles de Montesquieu (1689-1755), Denis Diderot (1713-1784) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). David Hume (1711-1776), na Escócia, Cesare Beccaria (1738-1794), na Itália, assim como Benjamin Franklin (1706-1790) e Thomas Jefferson (1743-1826), na América do Norte, fizeram outro tanto. Foram as suas ideias que serviram de fundamento ao Liberalismo, o político – e, mais tarde, o económico.

O Liberalismo acabou por invadir os círculos do poder, estando na base do Despotismo Esclarecido ou Iluminado, entendido como uma modalidade de governo que partilhava a exaltação de Estado e o poder absoluto do rei com as ideias de progresso e de filantropia defendidas no Iluminismo. Alguns monarcas de então, receosos de perder o poder ou, mesmo, a cabeça, aceitaram respeitar algumas destas ideias (não foi o caso de Luís XVI, que acabou por perdê-la, em 1793). Entre eles, destacam-se Frederico II (1712-1786), da Prússia, Catarina II (1729-1796), a Grande, da Rússia, José II (1741-1790) – que foi Imperador Romano-Germânico e Arquiduque da Áustria de 1765 até à sua morte, além de Rei da Hungria, Croácia e Boémia a partir de 1780 – e Carlos III (1716-1788), de Espanha.

O “estrangeirado” padre Luís António Verney
(1713-1792). (pt.wikipedia.org)

Em Portugal, esta modalidade foi seguida por D. José I ou, melhor dizendo, pelo seu primeiro-ministro, marquês de Pombal. O Despotismo Iluminado chegou aqui através dos portugueses letrados que viajavam pela Europa, os chamados estrangeirados, com destaque para o padre Luís António Verney (1713-1792), filósofo, teólogo, professor e escritor; e para Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal (1699-1782), que, antes de ter sido o primeiro-ministro de D. José I, foi embaixador em Inglaterra e na Áustria, onde recebeu forte influência das concepções culturais e filosóficas próprias do Iluminismo.

Fachada do Laboratorio Chimico, desenho de G. Elsden e R. F. de Almeida, 1777. (histgeo6.blogspot.com)

Foi sob esta modalidade de governo que, entre nós, adveio a reforma do ensino, com a expulsão dos Jesuítas e com o apoio às ciências e às artes, tendo sido convidados professores e artistas estrangeiros para ensinarem e trabalharem em Portugal. Nesse espírito reformador, a criação da Academia Real das Ciências, por aviso régio de 24 de Dezembro de 1779, foi também modelada no âmbito do Iluminismo.

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Nota da Redacção:

O presente artigo de opinião de António Marcos Galopim de Carvalho retoma temáticas já consideradas nos artigos “Arte, artistas e artesãos”, “Do Iluminismo à Revolução Industrial” e “Francisco d’Ollanda”, publicados, respectivamente, nas edições de 30/06/2022, de 17/06/2024 e de 02/09/2024.

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26/09/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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