Racionalismo, Humanismo, Iluminismo e Despotismo Iluminado em poucas palavras, para gente com pressa
Os avanços da ciência concretizados no Renascimento, por Leonardo da Vinci (1452-1519) e Galileu Galilei (1564-1642), em Itália, e, mais tarde, por Nicolau Steno (1638-1686), na Dinamarca, e Isaac Newton (1643-1727), em Inglaterra, na chamada Revolução Científica do século XVII, a par do espírito de abertura ao conhecimento fomentado pela exploração do mundo desconhecido pelos navegadores portugueses e espanhóis, foram importantes para a eclosão e consolidação do Racionalismo. Sendo este entendido como uma atitude mental ou linha de pensamento que aponta o raciocínio lógico, ou seja, a razão (tida como a principal fonte de autoridade e de legitimidade) como o caminho para se alcançar a verdade.
Recorde-se que o Racionalismo foi “caldo de cultura” para o surgimento de uma outra linha de pensamento, que marcou o chamado “Século das Luzes”, designada por Iluminismo. Esta outra atitude mental, descrita como um movimento intelectual e filosófico centrado na razão, advogava a liberdade, o progresso, a tolerância, a fraternidade, o governo legitimado pelo povo, o questionamento dos dogmas religiosos.
Surgiu ainda o Reducionismo, apontado como a via segundo a qual um sistema composto deve ser dividido nas suas partes, as quais, uma vez estudadas cientificamente, permitem conhecê-lo, no seu todo.
Entre os mais destacados racionalistas sobressaem o francês René Descartes (1596-1650), o alemão Gottfried Leibniz (1646-1716), o holandês de origem portuguesa Bento (Baruch) Spinoza (1632-1677) e os ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704), estes dois últimos focados no pensamento social e político.
Em paralelo com o Racionalismo, desenvolveu-se uma atitude ética, vinda de trás e que se afirmou no Renascimento, conhecida por Humanismo. Emergia, assim, de séculos do obscurantismo religioso que caracterizou a Idade Média, uma nova era iluminada pela razão. Ao Teocentrismo, que colocou Deus no centro das preocupações e dos temores do ser humano, opusera-se o Antropocentrismo que o libertou dessa servidão e o colocou no centro dessas mesmas preocupações.
A História mostrou que a independência dos Estados Unidos da América, a 4 de Julho de 1776, e a Revolução Francesa, cerca de um quarto de século depois, iniciada em 1789, tiveram por fundamentos as ideias saídas do Racionalismo, do Humanismo e do Iluminismo, cujo ponto alto se observou com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, em Paris, a 26 de Agosto de 1789.
Os racionalistas tinham grande fé no poder da razão, defendendo que, mediante o uso desta nossa superior capacidade, seria possível um progresso sem limites. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) afirmava que era fundamental “ousar conhecer”. Surgiu, assim, o interesse em reexaminar e pôr em questão as ideias ancestrais, entre as quais as da doutrina da Igreja (a partir de então, duramente questionada), cujo declínio foi favorável ao crescimento do Secularismo, entendido como o sistema que defende a separação entre o poder político e as instituições religiosas.
Foram muitos os elementos das elites intelectuais francesas que dilataram e divulgaram o Iluminismo, com destaque para Voltaire (François-Marie Arouet, 1694-1778), Charles de Montesquieu (1689-1755), Denis Diderot (1713-1784) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). David Hume (1711-1776), na Escócia, Cesare Beccaria (1738-1794), na Itália, assim como Benjamin Franklin (1706-1790) e Thomas Jefferson (1743-1826), na América do Norte, fizeram outro tanto. Foram as suas ideias que serviram de fundamento ao Liberalismo, o político – e, mais tarde, o económico.
O Liberalismo acabou por invadir os círculos do poder, estando na base do Despotismo Esclarecido ou Iluminado, entendido como uma modalidade de governo que partilhava a exaltação de Estado e o poder absoluto do rei com as ideias de progresso e de filantropia defendidas no Iluminismo. Alguns monarcas de então, receosos de perder o poder ou, mesmo, a cabeça, aceitaram respeitar algumas destas ideias (não foi o caso de Luís XVI, que acabou por perdê-la, em 1793). Entre eles, destacam-se Frederico II (1712-1786), da Prússia, Catarina II (1729-1796), a Grande, da Rússia, José II (1741-1790) – que foi Imperador Romano-Germânico e Arquiduque da Áustria de 1765 até à sua morte, além de Rei da Hungria, Croácia e Boémia a partir de 1780 – e Carlos III (1716-1788), de Espanha.
Em Portugal, esta modalidade foi seguida por D. José I ou, melhor dizendo, pelo seu primeiro-ministro, marquês de Pombal. O Despotismo Iluminado chegou aqui através dos portugueses letrados que viajavam pela Europa, os chamados estrangeirados, com destaque para o padre Luís António Verney (1713-1792), filósofo, teólogo, professor e escritor; e para Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal (1699-1782), que, antes de ter sido o primeiro-ministro de D. José I, foi embaixador em Inglaterra e na Áustria, onde recebeu forte influência das concepções culturais e filosóficas próprias do Iluminismo.
Foi sob esta modalidade de governo que, entre nós, adveio a reforma do ensino, com a expulsão dos Jesuítas e com o apoio às ciências e às artes, tendo sido convidados professores e artistas estrangeiros para ensinarem e trabalharem em Portugal. Nesse espírito reformador, a criação da Academia Real das Ciências, por aviso régio de 24 de Dezembro de 1779, foi também modelada no âmbito do Iluminismo.
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Nota da Redacção:
O presente artigo de opinião de António Marcos Galopim de Carvalho retoma temáticas já consideradas nos artigos “Arte, artistas e artesãos”, “Do Iluminismo à Revolução Industrial” e “Francisco d’Ollanda”, publicados, respectivamente, nas edições de 30/06/2022, de 17/06/2024 e de 02/09/2024.
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26/09/2024