Rui Pato conta Abril

 Rui Pato conta Abril

Salgueiro Maia no Terreiro do Paço, em Lisboa, na manhã do dia 25 de Abril de 1974. (Créditos fotográficos: Alfredo Cunha – 50anos25abril.pt)

No dia 17 de Abril de 2025, comemorativa do início da Crise Académica de 1969, o espaço Semente Atelier teve como convidado Rui Pato, para contar Abril.

O Semente Atelier, de acordo com o seu próprio “site”“tem como fim promover a intera[c]ção multidisciplinar entre diferentes formas de expressão, com vista à realização de proje[c]tos artísticos, culturais e comunitários, através da promoção, dinamização, investigação e pesquisa em a[c]tividades culturais, artísticas, literárias, editoriais e de preservação de patrimónios materiais e imateriais”.

Uma das iniciativas do Semente chama-se Partilhas. Assim, na terceira quinta-feira de cada mês, o Semente Atelier recebe no seu espaço, localizado no Seminário Maior de Coimbra, pessoas para partilhar a sua história de vida ou experiências várias. Foi, precisamente, isso o que aconteceu com Rui Pato, o qual partilhou a sua vida de músico e de médico.

(Créditos fotográficos: Nuno Sampaio – S E M E N T E . A t e l i e r)

Rui Pato é uma pessoa que dispensa apresentações. Perante uma sala bem composta, à volta de 50 pessoas, agradeceu o convite e começou por recordar que o 17 de Abril de 1969 também foi a uma quinta-feira e a data de início da Crise de 69, “um rio com muitos afluentes”.

Na ocasião, Rui Pato considerou que a sua história de vida se mistura com a História do nosso país. Declarou ser filho de uma família da média burguesia e que o pai, o jornalista Rocha Pato, lhe pagou os estudos até aos 16 anos. Mas, entretanto, depois de ter começado a acompanhar musicalmente Zeca Afonso, foi ganhando alguns trocados e libertou a família desses encargos.

O recente convidado do Semente contou que, nesses tempos em que acompanhou Zeca Afonso, tocou igualmente com António Portugal, Pinho Brojo e Francisco Martins. Recordou também que, quando ingressou na Universidade de Coimbra (UC), integrava a Direcção da TAUC (Tuna Académica da Universidade de Coimbra) e que, por isso, foi indigitado para os corpos sociais da AAC (Associação Académica de Coimbra). Por essa circunstância, foi um dos 49 estudantes expulsos da UC, na sequência dos acontecimentos de 17 de Abril. Afastado da Universidade, com muitos outros colegas, foi confrontado com o serviço militar forçado. Todavia, no meio do azar, também houve sorte, porque a pouca inteligência militar fez com que ficassem todos os estudantes expulsos no mesmo pelotão. Mais tarde, quando foram divididos para tirarem as especialidades, foi colocado na Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém.

José Afonso e Rui Pato, em Maio de 1969. (tributozecafonso.blogs.sapo.pt)

A este propósito, Rui Pato recordou que, na sua vida, teve três encontros fundamentais. O primeiro foi com Zeca Afonso, o segundo com Adriano Correia de Oliveira e o terceiro foi com o tenente Salgueiro Maia, que foi seu comandante de pelotão na EPC, na cidade de Santarém.

Rui Pato confessa, no entanto, que o primeiro contacto com Salgueiro Maia o assustou! Quando recebeu o pelotão, Salgueiro Maia foi bem duro: Vocês não fazem a ideia do que vão passar aqui!” Mas também veio a surpresa: “Vocês sabem por que motivo estão aqui. E vão ter já o primeiro castigo! Quando eu estiver de Oficial de Dia, o Rui Pato e o Joaquim Pais de Brito vão ter ao meu quarto.” E assim passou a acontecer! Conta Rui Pato que, nesses dias, cantavam Zeca Afonso, Adriano e outros. E Salgueiro Maia, na altura, já um homem de esquerda, cantava com eles.

Salgueiro Maia na Escola Prática de Cavalaria de Santarém. (Créditos fotográficos: Marques Valentim – 50anos25abril.pt)

A tropa acabou, pouco tempo depois, para Rui Pato. José Veiga Simão era o novo ministro da Educação Nacional e, em Coimbra, o reitor era, entretanto, José de Gouveia Monteiro. Foi graças a estes dois académicos que os estudantes anteriormente castigados pudessem regressar à Universidade de Coimbra. E Rui Pato volta ao seu curso de Medicina.

Em Março de 1974, regressou à tropa, tendo sido no Hospital Militar Principal, também conhecido por Hospital Militar da Estrela, em Lisboa. Sabemos que, nesse tempo, vivia, com outros colegas militares, numa roulotte no Parque de Monsanto. E, naquela manhã gloriosa de 25 de Abril, foram acordados por outros campistas: “Está a haver uma revolução! Como assim? Somos militares e não sabemos de nada?!” Então, entraram no carro do Rui Moura e foram bater à porta do Hospital Militar. Por coincidência, nesse hospital, no mesmo dia, estava Francisco da Costa Gomes (que viria a ser o segundo Presidente da República), em consulta. Pouco depois, Rui Pato e outros médicos foram colocados numa ambulância, a fim de patrulharem em Lisboa.

Na Avenida Ribeira das Naus, em Lisboa, no dia 25 de Abril de 1974, viveram-se momentos de enorme tensão. (Créditos fotográficos: Alfredo Cunha – 50anos25abril.pt)

Rui Pato recorda ainda que, nesse dia, os presos da Cadeia Central do Limoeiro incendiaram um colchão e lá tiveram de acudir. Na volta que a patrulha fez por Lisboa, lembra-se que voltou a ver Salgueiro Maia, o comandante da coluna que tinha saído de Santarém para tomar a capital. Só voltaria a ver Salgueiro Maia anos depois, quando José Niza lançou um disco de Adriano Correia de Oliveira, tendo esse disco sido apresentado pelo simbólico “capitão de Abril”.

Depois de falar do seu percurso militar, Rui Pato reviveu o seu percurso médico. Quando acabou a especialidade no Hospital da Estrela, exerceu o serviço médico à periferia, tendo sido colocado em Tabuaço, onde o padre local dizia ao povo: “Não sei se eles são médicos! Mas comunistas são de certeza!” Então, com o padre local, fazia também coro o médico da terra! Desse tempo, Rui Pato relembrou que uma senhora o foi procurar só para ver um médico, pois nunca tinha visto nenhum. O antigo clínico evoca, com saudade, que, ainda hoje, há pessoas em Tabuaço que se recordam dos seus serviços. Na tertúlia, informou também, junto do público atento, que pertenceu ao primeiro grupo de médicos que trabalharam no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em exclusividade, situação que manteve até ao fim da sua carreira, muito ligada ao Hospital Geral ou Hospital dos Covões, em Coimbra.

(Créditos fotográficos: Nuno Sampaio – S E M E N T E . A t e l i e r)

Durante este encontro no espaço Semente Atelier, os participantes queriam saber mais das relações de Rui Pato com o cantor e compositor José Afonso.  Assim, referiu como essas relações começaram. Ficámos a saber que a “culpa” foi do seu pai, o jornalista Rocha Pato. De 1969 a 1970, Rui Pato acompanhou Zeca Afonso em todos os espectáculos possíveis. E declara que, em algumas situações, precisavam de subterfúgios, atendendo a que não podiam anunciar o Zeca. Por conseguinte, anunciavam o Adriano Correia de Oliveira, o Manuel Freire e, possivelmente, outro cantor. Chegaram ao ponto de, um dia, trocarem as letras do nome do Zeca levando os “pobres” censores a pensar que se tratava de um cantor estrangeiro! Rui Pato rememorou, igualmente, que uma vez, no extinto Teatro Avenida, apesar de a primeira fila estar cheia de coronéis, cantaram os fados de Coimbra, que não eram proibidos, mas, posteriormente, nessa noite, interpretaram a canção “Os Vampiros”, de José Afonso.

Rui Pato diz, com algum humor, que, com a vida agitada que teve, nem sabe como acabou o curso! Reconhecendo que as companhias que tinha também chegaram a provocar-lhe dissabores. Recordou que, em determinada ocasião, depois de terem cantado no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, teve de fugir com o Adriano para o Campo Grande. “Bons tempos, apesar de tudo!”, observa, anotando que tocavam “em cineclubes e em clubes de campismo, a troco de um copo de tinto e de um pão com chouriço”.

O músico Rui Pato. (discogs.com)

A primeira vez que Rui Pato tocou em público, na cidade de Coimbra, foi em 1964. Vivia-se um tempo em que Coimbra não gostava do Zeca, acusando-o de trair o Fado de Coimbra. Nessa época, até um praxista, um tal Xico Brito, ter-lhe-á dito: “Se volto a ver-te com esse gajo de capa e batina [referia-se ao Zeca Afonso], enfio-te a viola pelos cornos abaixo!” Considerando a ironia do destino, Rui Pato relembra que, anos mais tarde, tocou Zeca no Teatro Académico de Gil Vicente, tendo sido esse mesmo praxista o solista no Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra, no qual cantava as canções do Zeca Afonso.

Entre as muitas histórias que Rui Pato contou, pudemos recordar aquele dia em que Salgueiro Maia o dispensou para ir a Lisboa gravar um disco com o Adriano Correia de Oliveira, então, entusiasmado com a obra poética de Manuel Alegre “O Canto e as Armas”. Afirma Rui Pato que o cantor Adriano não tinha ideias muito claras do que iriam gravar. Mas lá gravaram o disco! Quando regressaram ao quartel, Salgueiro Maia quis saber como tinha corrido a gravação e o que tinham gravado. Mas, para surpresa sua, Rui Pato confessou que nem ele sabia muito bem, uma vez que, sobre a letra de Manuel Alegre, Adriano improvisou, enquanto Rui Pato o foi acompanhando.

Rui Pato iniciou em 1962, com 16 anos, uma estreita colaboração musical com José Afonso. Acompanhou-o, pela primeira vez, à viola na gravação do “EP” “Baladas de Coimbra”. (antena1.rtp.pt)

Durante a interessante conversa, ficámos também que os primeiros discos de Zeca Afonso foram gravados em Coimbra, no antigo Convento de São Jorge de Milreus. Foram aí gravadas as músicas (ou canções) “Menino do Bairro Negro” e “Os Vampiros”. Para isso, vinha do Porto uma carrinha com um gravador. Mas o primeiro trabalho era, particularmente, o de espantar as galinhas que viviam naquele espaço abandonado. Em seguida, era o de colocar à janela um sentinela para avisar se vinham carros ou não, dado que o ruído dos veículos estragaria a gravação.

Abílio Hernandez, um dos participantes nesta “Partilha” promovida pelo Semente Atelier e também colaborador do jornal sinalAberto, foi um dos companheiros  das tertúlias do antigo Café A Brasileira, na Rua Ferreira Borges, em Coimbra, onde se encontravam o jornalista Rocha Pato, José Afonso e muitos outros oposicionistas ao regime salazarista. Nesse contexto, Rui Pato nota que Zeca Afonso “era um sujeito distraído e que nem sempre vinha todos os fins de semana a Coimbra”. Um dia, quis avisar Rocha Pato que viria, mas apercebeu-se de que não sabia a morada do jornalista! No entanto, o problema foi resolvido com mestria: Zeca escreveu um postal, em que informava Rocha Pato de que viria a Coimbra no próximo fim-de-semana. Na direcção postal escreveu: “Rocha Pato, Café Brasileira, Coimbra, Mesa junto aos pastéis.”

A proposta de aceitação de um conjunto de 30 cartas e 19 postais de José Afonso para o jornalista Rocha Pato, pai de Rui Pato, doado pelo médico à Câmara Municipal de Coimbra, foi aprovada na reunião de 27 de Março de 2023 da edilidade conimbricense. (coimbra.pt)

Abílio Hernandez não tem dúvida de que Rocha Pato foi o grande responsável pelo sucesso de Zeca Afonso, pois foi ele quem o incentivou a gravar. Sem as insistências de Rocha Pato nada teria acontecido. Depois, as boas relações de Rocha Pato com o Porto e com Arnaldo Trindade tudo facilitaram. Disse ainda que, mal chegava ao Café A Brasileira, o Zeca disparava sempre a mesma pergunta: “Ó Abílio, o Rocha Pato já foi embora?”

Rui Pato corrobora esta importância do seu pai no trajecto de Zeca Afonso, que quase considerava como seu filho. Referiu também que Zeca queria ser professor e que não pensava noutra coisa. Mas as insistências de Rocha Pato, felizmente, deram fruto.

Rui Pato com Zeca Afonso. (tributozecafonso.blogs.sapo.pt)

Uma das histórias deliciosas deste fim de tarde foi, igualmente, narrada por Rui Pato. Contou-nos que, em determinada ocasião, o cantor Zeca Afonso queria vir a Coimbra. Estava em Lisboa, contou as moedas que tinha e o dinheiro só dava para um bilhete que o levaria a Pombal. Entretanto fez uma música. Coisa de génio, que, por sinal, era bem distraído!

Num outro dia, como referiu Rui Pato, deu-lhe uma grande diarreia e teve de se limpar às cuecas que, nesse momento, colocou num saco plástico, do qual se esqueceu n’A Brasileira. Quando chegou à delegação do jornal Primeiro de Janeiro, onde procurava Rocha Pato, lembrou-se do saco que deixara no café e lá voltou aflito: “Ó senhor Damião! Não deixei aqui um saco?”  E o empregado, entre sorrisos, respondeu: “Deixou, deixou! Nem parecem coisas suas, senhor doutor!”

Zeca Afonso, em Maio de 1969. (tributozecafonso.blogs.sapo.pt)

Rui Pato aludiu também à história da primeira vez que foi preso pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Quando ele o Adriano Correia de Oliveira foram tocar e cantar à vila de Foz de Arelho, numa inauguração de um espaço novo, ao chegarem, viram umas figuras de vidro, possivelmente fabricadas na Marinha Grande, em cima de uma mesa. Então, Adriano pediu-lhe para abrir a caixa da viola e guardar lá essas ricas prendas. Prendas que, afinal, eram para oferecer a um ministro, presente no local. Com medo de serem descobertos, Adriano e Rui Pato fugiram para o táxi que os tinha levado, mas, junto do veículo, já se encontrava uma brigada da PIDE, que lhes deu voz de prisão. A sorte deles é que só estiveram presos cinco minutos, porque o ministro das Corporações e Previdência Social, José João Gonçalves de Proença, pediu que os libertassem, pois, segundo disse, conhecia bem a rebeldia típica dos estudantes de Coimbra.

Nesta sessão do Semente Atelier, o jornalista Fernando Madaíl quis saber que música se ouvia em casa de Rui Pato. Este confessou que o seu avô tinha sido preso político e que, na sua casa, a música mais ouvida era a francesa. Ouvia-se Jacques Brel, Georges Brassens e Yves Montand, entre outros. Fernando Madaíl perguntou a Rui Pato se concordava com o cineasta João Botelho que terá dito que a Crise de 69 tinha mudado a sua vida. Rui Pato só pôde concordar. Sobretudo, porque considera que Coimbra, depois de 1969, deixou de ser uma “fortaleza medieval” onde, antes, homens e mulheres estavam divididos. Coimbra era a cidade dos lares masculinos e dos lares femininos. Uma cidade doentia e de repressão. Mas, em 1969, tudo mudou! Até as freiras deixavam que os rapazes fossem buscar as meninas aos lares!

Durante sete anos (de 1962 a1969) e em sete discos num total de 49
temas, Rui Pato acompanhou Zeca Afonso.
(tributozecafonso.blogs.sapo.pt)

Abílio Hernandez corrobora a ideia de que a década de 60 foi de ventos notáveis. Mas o caminho começou a ser preparado em 1958, com as eleições presidenciais, com a abertura trazida por Humberto Delgado. Depois, temos de ver a importância das lutas estudantis de 1962 e de 1964. A que se segue Maio de 68, em França, e a crise de 69 em Coimbra. Nesse tempo, a Universidade de Coimbra teria cinco a seis mil alunos. E foi possível ver o vento da mudança quando uma Assembleia Magna conseguiu reunir um quinto dos estudantes.

É também preciso recordar que, em 1961, começou a Guerra Colonial e a maior vigilância da PIDE. E os censores, como esclarece Abílio Hernandez, sabiam bem o que estavam a censurar. Rui Pato concorda. Diz até que só sabe o que cantou em alguns concertos, pelo relatório da PIDE. E recorda o dia em que um censor se enganou e escreveu no relatório que tinha sido cantada uma canção sobre bombas, em vez de pombas!

Abílio Hernandez aproveitou para falar dos cortes dos censores do lápis azul. E reavivou a memória acerca de um texto da revista Vértice, cuja edição tinha 50 páginas, tendo sido cortada, apenas, a palavra “tirano”, numa frase que falava do “velho tirano, uma óbvia referência a António Oliveira Salazar.

Inês Moura interroga Rui Pato (© S E M E N T E . A t e l i e r)

Clara Moura (uma das responsáveis do projecto Semente Atelier) aproveitou o momento para perguntar se há alguns trabalhos escritos que testemunhem estes tempos. E Rui Pato disse que há coisas muito dispersas, nomeadamente sobre a Crise de 69, escritas por Rui Namorado. Mas assumiu que faz falta contar estas histórias para que não se percam as memórias. Aproveitou, ainda, para falar da presença dos estudantes de Coimbra nas fileiras da Guerra Colonial. Segundo ele, Barros Moura, por exemplo, foi muito importante no esclarecimento dos soldados portugueses que lutaram na Guiné. E não tem dúvidas de que Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, com as suas canções, divulgadas pelos oficiais milicianos, foram importantes na formação da consciência política desses soldados.

Foi também mencionado, nesta sessão, que, em 1967, chegaram a Coimbra 60 estudantes brasileiros para estudar Medicina. Esses estudantes alinharam na greve aos exames de 69, mas o mais importante do seu contributo para a renovação do clima vivido foi o clima de festa que trouxeram à universidade.

A moderadora da conversa, Inês Moura, directora do Semente Atelier, quis trazer a conversa para o presente e questionou Rui Pato: “Afinal, o que é que aconteceu ao fado de Coimbra?” Rui Pato confessou que tem sofrido com isso e contou que ainda é do tempo em que as editoras discográficas queriam mesmo gravar fados de Coimbra. Para ele a geração de 60 foi a última geração de talento.

Zeca Afonso e Rui Pato na crise académica de 1969. (tributozecafonso.blogs.sapo.pt)

Com a crise académica, veio um período de luto que considerou o fado como algo reaccionário. É claro que muitos resistiram a isso e voltaram a cantar-se coisas dos anos 40. Mas, na opinião de Rui Pato, faltaram grandes cantores, apesar de existir uma escola com excelentes guitarristas. “No entanto, tivemos escassez de letristas e de bons músicos”, considera, questionando “por que motivo não há fado como o antigo”. Dizem alguns, acrescenta Rui Pato, que “isso é cíclico, mas, depois de [António] Menano e de [Edmundo] Bettencourt, não houve mais ninguém como eles”. Rui Pato lamenta que esta crise se prolongue e que o Fado de Coimbra seja, hoje, apenas a velha nostalgia e que as pessoas continuem a valorizar a canção “Samaritana” e “Coimbra tem mais encanto” (canção “Balada da Despedida”).

Zeca Afonso não poderia ficar indiferente à crise académica de 1969 e no Ginásio da AAC e num outro local, Zeca ali estava com o seu amigo de sempre, Rui Pato, a apoiar a luta dos estudantes. (tributozecafonso.blogs.sapo.pt)

Inês Moura reconheceu que falta, actualmente, qualquer coisa e que, “de facto, a imagem do fado de Coimbra é, hoje, uma imagem comercializada”.  Por isso, a sua geração é mais adepta do jazz que do fado. E criticou que “Coimbra esteja muito agarrada aos fantasmas do passado”. Rui Pato concordou e aceita que há muita falta de talento. E manifestou que, recentemente, foi ouvir um grupo de fado e que os elementos do grupo, quando viram que ele lá estava, anunciaram com pompa e circunstância que “iam cantar uma coisa nova”. Rui Pato ficou curioso, mas o que eles cantaram foi um uma canção de Adriano Correia de Oliveira, que já tinha quarenta anos!  E, com alguma graça, acrescentou que “estes novos cantores, em vez de continuarem a cantar a Torre, deviam fazer fados sobre jeans e sobre a Praça da República”.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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24/04/2025

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José Vieira Lourenço

José Vieira Lourenço é da colheita de Agosto de 1952. Estudou Teologia e fez a licenciatura e o mestrado em Filosofia Contemporânea, na Universidade de Coimbra. Professor aposentado do Ensino Secundário, ensinou Português, Filosofia, Psicologia, Sociologia, Teatro e Oficina de Expressão Dramática. Foi, igualmente, professor do Ensino Superior, na Universidade Católica de Leiria e no Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra. Foi ainda coordenador do Centro da Área Educativa de Coimbra (1998-2002) e só então conheceu verdadeiramente a classe docente. Descobriu bem cedo a sua paixão pela poesia, pela literatura, pela música e pelo Teatro. Foi Menino Jesus aos quatro meses no presépio vivo da sua freguesia. Hoje, como voluntário, dirige o Grupo de Teatro O Rebuliço da Associação Cavalo Azul e também o Grupo de Teatro de Assafarge. Canta no Coro D. Pedro de Cristo, em Coimbra. Apaixonado pela Natureza, gosta de passear a pé pelos trilhos da Abrunheira, na companhia do seu cão. Dedicado às causas da cidadania, é dirigente do Movimento Cidadãos por Coimbra, que insiste em fazer propostas para criar uma cidade diferente. Casado, tem duas filhas e uma neta, a quem gosta de contar histórias.

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