“Se eles se calarem, gritarão as pedras”

 “Se eles se calarem, gritarão as pedras”

(Créditos fotográficos: Dan Burton – Unsplash)

Começo esta1crónica como alguém preparado para a devastação que constitui dar corpo e voz a uma das muitas partes em que se divide um todo que sofre com as dores da incompletude, mas que, por isso, continua a correr na pista do tempo. Assim, repito periodicamente esta minha possibilidade de experimentar o espaço público e de – como escreve a norte-americana Sarah Lewis, entretanto citada pela jornalista Bárbara Reis – procurar não subestimar “o poder da quase vitória”.

Esta quase vitória julgo ser colectiva e sem artimanhas, no esforço de cada um de nós para ultrapassarmos as mais variadíssimas barreiras, no exercício exigente e, muitas vezes, violento que é viver. Bem gostaria de não dar razão ao historiador José Pacheco Pereira, sempre atento aos ruídos do Mundo, quando nos diz que o território cultural da “geração mais preparada” é como o das conversas dos participantes do “reality show” Big Brother.

O paradoxo socrático encontrado na frase “só sei que nada sei”, como nos narra Platão, parece deixar de o ser, quando aumenta o desinteresse pelos autores clássicos e se abandonam as “duas grandes fontes da nossa cultura ocidental”, segundo indica Pacheco Pereira: “a Bíblia e a cultura greco-latina”.

Partenon, em Atenas. (Créditos fotográficos: Patrick – Unsplash)

Na época em que, nos planos educativos, se tenta uma maior integração dos meios digitais nas aprendizagens e em que se divulgam estratégias para combater a falta de literacia, a utilização de ferramentas de inteligência artificial e os rápidos avanços tecnológicos estão, para espanto de muitos de nós, a criar sérios problemas às instituições no que respeita ao acesso e à produção de informação. Se há quem reconheça que “a fraude académica é tão antiga como a própria academia” – ideia que serviu de mote a uma tertúlia, em Abril deste ano, no Instituto Superior de Engenharia do Porto –, os factos são indesmentíveis: há demasiada gente que não quer gastar as suas energias no estudo e na investigação e que não se envergonha da autoria fantasma, difícil de escrutinar.

Sei que já não sou jovem, que também critiquei muitos “velhos do Restelo” (em alguns dos quais, agora, me revejo) e que, sobretudo, no dia de cada aniversário, faço contas aos anos remanescentes. A importância que atribuo a isto é muito relativa e verdadeiramente egoísta. Porém, perfilho o pensamento de Pacheco Pereira – naturalmente, susceptível de contradição – de que a “ascensão da ignorância agressiva e o ataque ao saber são perigosos para a democracia e a liberdade”. Quantas vezes precisamos que nos digam estas coisas? Enquanto agnóstico com raízes católicas, recorro ao texto bíblico (Lucas 19: 40) e contextualizo: “Digo-vos que, se eles se calarem, gritarão as pedras.”

Torre Eiffel, em Paris. (Créditos fotográficos: Chris Karidis – Unsplash)

Os Jogos Olímpicos – cuja cerimónia de abertura “arrasou a vulgaridade”, nas palavras do jornalista Diogo Cardoso Oliveira – decorrem em Paris, uma cidade que se desfigura com os inevitáveis protocolos de segurança, mas glorifica a superação individual e colectiva dos povos, muitos deles desavindos, como sonhou o pedagogo e historiador francês Pierre de Fredy (barão de Coubertin).

O fundador dos Jogos Olímpicos da era moderna acreditava que “o desporto organizado pode criar força moral e social”. Esperemos que a tocha olímpica transportada pelo ex-futebolista de origem argelina, Zinedine Zidane, evocando a lenda de Prometeu, ao colocar o fogo na posse dos mortais que competem entre si e que partilham o primor atlético e mental, se mantenha acesa, mesmo depois das competições.

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Nota:

A presente crónica foi publicada na edição de ontem (domingo, 28 de Julho) do Diário de Coimbra, a ducentésima no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.

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29/07/2024

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Vitalino José Santos

Jornalista, cronista e editor. Licenciado em Ciências Sociais (variante de Antropologia) e mestre em Jornalismo e Comunicação. Oestino (de Torres Vedras) que vive em Coimbra.

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