Secas quentes podem originar clima hipertropical na Amazónia

 Secas quentes podem originar clima hipertropical na Amazónia

(conhecimentocientifico.r7.com)

Os biomas mais quentes e húmidos da Terra são representados pelas florestas tropicais, mas o aquecimento antropogénico contínuo levá-las-á a estados climáticos não ocorridos em mais de 10 milhões de anos.

(florestas.pt)

Em artigo intitulado “Secas quentes podem empurrar a Amazónia para clima hipertropical até 2100 e árvores não resistirão”, publicado pela Euronews a 14 de dezembro, Craig Sauers – escritor de gastronomia, de viagens e de cultura, e editor de reportagens especiais do Macao News, radicado em Bangkok – sustenta que “a floresta amazónica pode estar a desenvolver um clima que não se vê na Terra, há dezenas de milhões de anos”. Com efeito, há mais de 10 milhões de anos, não ocorre um clima hipertropical na Terra.

Citando um estudo publicado, a 10 de dezembro, na revista Nature, afirma que os cientistas envolvidos na investigação defendem que a região amazónica se aproxima de um clima hipertropical, “um estado mais quente, mais seco e mais volátil que pode desencadear mortes generalizadas de árvores e enfraquecer um dos mais importantes sumidouros de carbono do planeta”. Como referem os autores do estudo, sem fortes reduções nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), “a Amazónia poderá enfrentar até 150 dias de ‘seca quente’ (períodos de secura intensa agravados por calor extremo), por ano, até 2100”. Mais: há forte probabilidade de tal fenómeno ocorrer também nos atuais meses de pico da estação chuvosa, como março, abril e maio – extremo hoje praticamente inexistente.

(Créditos fotográficos: Felipe Dias – Unsplash)

Jeff Chambers, professor de Geografia, na Universidade da Califórnia (UC), campus da UC Berkeley, autor principal do estudo, refere em comunicado, que, “quando estas secas quentes ocorrem, é o clima que associamos a uma floresta hipertropical”, que “vai além do limite do que consideramos uma floresta tropical, atualmente”.

O estudo de investigadores da Universidade da Califórnia, campus UC Berkeley, resulta de mais de 30 anos de dados de temperatura, de humidade, de humidade do solo e de intensidade luminosa recolhidos em parcelas de investigação a Norte de Manaus, no centro do Brasil, tendo a investigação sido financiada por diversas agências americanas e internacionais.

Jeff Chambers, professor de Geografia, na Universidade da
Califórnia. (geography.berkeley.edu)

Entre os coautores, contam-se Bruno Oliva Gimenez, ex-bolsista de pós-doutoramento da UC Berkeley e, atualmente, no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazónia (INPA), Anna Weber, e o professor de biologia integrativa Paul Fine, bem como Adriano José Nogueira, Lima Cristina Santos da Silva, Regison Costa de Oliveira, Gustavo C. Spanner, Tatiana D. Gaui, Daisy Celestina Souza, Joaquim dos Santos e Niro Higuchi, do INPA, e colaboradores dos Estados Unidos da América (EUA), do Reino Unido, do Brasil, da Alemanha e da Noruega.

Jeff Chambers faz investigação na Amazónia, desde os tempos de pós-graduação, em 1993, tendo grande parte desse tempo decorrido no INPA, em Manaus. As primeiras conclusões revelaram que a idade média das árvores da floresta tropical com 10 centímetros (quatro polegadas) de diâmetro é de cerca de 180 anos, tornando a região uma das áreas de armazenamento de carbono de longo prazo da Terra (algumas árvores têm mais de mil anos). Desde então, tem conduzido estudos para compreender o ciclo do carbono em florestas tropicais e as interações entre floresta e clima. E, com o seu grupo internacional de colaboradores, instalou instrumentos em duas torres de cerca de 50 metros de altura, em dois locais de estudo, ao Norte de Manaus para registar a temperatura e a humidade, em diferentes níveis acima do solo, a intensidade da luz solar, no topo da copa das árvores, e a humidade do solo, na floresta.

 (sites.google.com/berkeley.edu/prof-jeff-chambers/bio)

Jeff Chambers colaborou com uma equipa para a instalação de sensores nas árvores, a fim de registar o fluxo de água do solo, até ao caule e para a atmosfera. Esses sensores medem o fluxo de seiva, a temperatura das folhas, a transpiração da água pelas folhas e o potencial hídrico do solo, isto é, a dificuldade da árvore em absorver água do solo, até às folhas mais altas, através da transpiração. Desta feita, sensores instalados nos troncos das árvores permitiram observar a reação das árvores ao aumento do calor e à diminuição da humidade, pelo que, em secas recentes provocadas pelo El Niño, conseguiram identificar dois pontos de stresse principais.

Quando a humidade do solo baixou para cerca de um terço dos níveis normais, muitas árvores fecharam os poros das folhas, para tentarem conservar a água, mas interrompendo a capacidade de absorver dióxido de carbono (CO2), essencial para a construção e para a reparação de tecidos. Depois, o calor prolongado gerou a formação de bolhas na seiva, perturbando o transporte de água num processo comparável a uma embolia – obstrução súbita num vaso sanguíneo que pode provocar um acidente vascular cerebral (AVC).

(vcresearch.berkeley.edu/faculty/jeff-chambers)

Revelaram-se, particularmente, vulneráveis as espécies vegetais de crescimento rápido e de baixa densidade da madeira, tendo morrido em maior número do que as árvores de madeira de elevada densidade – o que leva a prever que as florestas secundárias sejam mais vulneráveis, por terem maior proporção deste tipo de árvores. São florestas que se regeneraram, naturalmente, após danos provocados pela desadequada ação humana ou por fenómenos naturais.

Os investigadores observaram os mesmos sinais de alerta em vários locais e em várias secas, o que pressupõe que a Amazónia reagirá ao calor e à secura, de forma semelhante e previsível. E, embora a mortalidade anual de árvores, na Amazónia, esteja ligeiramente acima de 1%, estima-se que possa subir para cerca de 1,55%, até 2100. Ora, apesar de parecer alteração pequena, numa floresta do tamanho da Amazónia, representa um número muito elevado de árvores perdidas, de acordo com Jeff Chambers.

Os autores do estudo definem as zonas mais quentes do que 99% dos climas tropicais históricos como hipertropicais, marcadas por secas muito mais frequentes e intensas. E, segundo eles, um clima assim não tem equivalente na História moderna. Só existiu nos trópicos, quando a Terra era muito mais quente, entre há 10 e 40 milhões de anos. Ao contrário das zonas tropicais atuais, onde as temperaturas se mantêm estáveis e os ciclos de precipitação sustentam vegetação densa, todo o ano, o clima hipertropical trará calor extremo, épocas secas prolongadas e potencial para fortes tempestades, com consequências graves que se sentirão muito para lá da Amazónia.

Floresta amazónica.  (Créditos fotográficos: TV Brasil/Divulgação – umsoplaneta.globo.com)

As florestas tropicais absorvem mais carbono do que qualquer outro ecossistema, mas, estando sob stresse, absorvem muito menos. Com efeito, segundos os investigadores, em anos muito secos, a Amazónia libertou mais carbono do que o que absorveu. E, à medida que as temperaturas globais sobem, qualquer queda na capacidade da Amazónia para armazenar carbono pode acelerar e até agravar o aquecimento no Mundo. Assim, nos últimos anos, partes de algumas florestas tropicais enfrentaram épocas de incêndio severas impulsionadas pelo calor e pela seca, libertando grandes quantidades de carbono e pondo os ecossistemas sob stresse.

O que está a acontecer na Amazónia pode afetar outras florestas, como as florestas tropicais da África Ocidental e do Sudeste Asiático, que enfrentam riscos semelhantes, com a subida das temperaturas, dependendo da velocidade e da escala das reduções de emissões. Portanto, como defende Jeff Chambers “tudo depende do que fizermos”, isto é, se emitirmos GEE sem controlo, criaremos “este clima hipertropical mais cedo”.

***

Também a 10 de dezembro, a UC Berkeley News publicou um artigo de Robert Sanders, cientista de comunicações da UC Berkeley, sob o título “Um novo clima ‘hipertropical’ está a surgir na Amazónia”, sublinhando que estão a tornar-se mais comuns “condições de seca extrema sem precedentes, expondo as árvores a um estresse mortal e reduzindo a capacidade da região de absorver dióxido de carbono antropogénico”.

A floresta amazónica está a ser atingida por mais dias de seca extrema e temperaturas acima do normal, o que leva à morte de árvores e altera a natureza desses sumidouros tropicais de dióxido de carbono., como constata Jeff Chambers, da UC Berkeley. (vcresearch.berkeley.edu)

Segundo o cientista de comunicações, a floresta amazónica está a ser atingida por mais dias de seca extrema e de temperaturas acima do normal, o que leva à morte de árvores e altera a Natureza destes sumidouros tropicais de CO2. E, citando Jeff Chambers, observa que a floresta amazónica passa por “uma transição gradual para um novo clima, mais quente, com secas mais frequentes e intensas – condições que não eram vistas na Terra, há dezenas de milhões de anos”.

Considerando as conclusões do novo estudo liderado pela UC Berkeley, que envolveu uma grande equipa de cientistas nacionais e internacionais, diz que, se a sociedade continuar nesta via de emissão altos níveis de GEE, condições de “seca intensa” poderão ser mais frequentes, na Amazónia, até 2100, “ocorrendo inclusive durante a estação chuvosa”, o que levará à morte generalizada de árvores, prejudicando a capacidade de a Terra lidar com os crescentes níveis de CO2, na atmosfera, pois as florestas tropicais absorvem mais emissões de carbono humanas do que qualquer outro bioma. Relatórios recentes anotam um aumento no CO2 atmosférico, após secas severas na Amazónia, mostrando que o clima, nos trópicos, tem impacto mensurável no balanço de carbono do planeta.

Um sistema para medir as taxas de fotossíntese em folhas.
(vcresearch.berkeley.edu)

Os cientistas apontam o novo regime climático, ou bioma, como hipertrópico, que surge por força do aquecimento global, “prolongando a típica estação seca de julho a setembro” e produzindo “temperaturas mais altas do que o normal, e documentam que as condições de seca e de calor stressam as árvores e aumentam a sua taxa normal de mortalidade, em 55%.

De acordo com Jeff Chambers, na ocorrência dessas secas intensas, surge o clima associado a uma floresta hipertropical, “porque ultrapassa os limites” do que se considera “floresta tropical, atualmente”. E, Até 2100, as condições de seca intensa poderão ocorrer em até 150 dias, por ano.

Mais: as árvores estão a morrer em condições hipertropicais, que, agora, só ocorrem durante alguns dias ou semanas. De facto, quando o teor de humidade do solo diminui para cerca de um terço do seu volume, as árvores interrompem a captura de carbono e morrem de fome ou criam bolhas de ar na sua seiva, semelhantes a embolias que originam derrames nas pessoas.

Isso, de acordo com os investigadores afeta mais as espécies de árvores de crescimento rápido do que as de crescimento lento, significando que, à medida que aumenta o número de dias com alto stresse térmico, as florestas amazónicas sofrerão uma mudança, nas espécies de árvores com maior suscetibilidade às condições mais quentes e secas.

Jeff Chambers no seu local de estudo perto de Manaus, no Brasil,
em 2015. (Créditos fotográficos: Bruno Oliva Gimenez –
vcresearch.berkeley.edu)

Ficou demonstrado que as árvores de crescimento rápido e de baixa densidade da madeira são mais vulneráveis, morrendo em maior número do que as árvores de alta densidade da madeira, o que implica que as florestas secundárias serão “mais vulneráveis ​​à mortalidade induzida pela seca, porque possuem uma fração maior desses tipos de árvores”. E Jeff Chambers enfatizou que o pior cenário previsto é aquele em que a sociedade fizer muito pouco para reduzir as emissões de CO2 que impulsionam as mudanças climáticas. “Cabe-nos decidir até que ponto vamos criar esse clima hipertropical. Se continuarmos emitindo gases de efeito estufa sem nenhum controlo, criaremos esse clima hipertropical mais cedo”, vaticinou.

Com dados de mais de 30 anos da parcela mais antiga das duas, que havia sido previamente explorada, seletivamente, para extração de madeira, Jeff Chambers e a sua equipa demonstraram significativo aumento na mortalidade de árvores no ano subsequente a secas intensas. As maiores taxas de mortalidade foram observadas em espécies de crescimento rápido, as primeiras a brotar em áreas exploradas, possuindo baixa densidade da madeira.

Por outro lado, combinaram dados dos dois locais, durante secas ocorridas em 2015 e 2023, causadas pelo El Niño. E, em ambos os locais, descobriram que, quando o teor de humidade do solo caía abaixo do limite de cerca de 0,32 (cerca de um terço dos poros do solo estavam preenchidos com água), as taxas de transpiração nas árvores diminuíam rapidamente, levando ao um aumento do stresse hídrico. “O mais notável é que o teor de humidade do solo limite numa parcela diferente, com árvores diferentes, para secas em anos diferentes – 2015 e 2023 – foi praticamente o mesmo: 0,32 e 0,33. Isso foi realmente surpreendente para todos”, vincou.

Num gráfico de precipitação versus temperatura, os diferentes biomas da Terra hoje são delineados pelas linhas pretas. A área vermelha à direita desses climas típicos representa um clima mais quente, com secas mais intensas surgindo globalmente. Os pesquisadores referem-se a isso como um clima hipertropical, que não existe na Terra há dezenas de milhões de anos. (Jeff Chambers/UC Berkeley – vcresearch.berkeley.edu)

Quando o calor intenso persistiu em condições de seca prolongada, as árvores começaram a sofrer colapso hidráulico, formando embolias ou bolhas no xilema cheio de fluido. E o líder do estudo em causa sustenta que, “normalmente, as plantas são muito boas em tentar compartimentalizar”, como que a disporem-se a sacrificar um galho para manterem a “parte central viva’”. Porém, como garante Jeff Chambers, se houver embolias suficientes, a árvore simplesmente morre.” Aliás, segundo relata, as árvores também começaram a definhar e, “à medida que as folhas fechavam os seus poros, para evitarem a perda de água, também interrompiam o fornecimento de CO2, necessário para a construção e reparação dos tecidos.

Após explorarem as mudanças climáticas, usando dados de cinco modelos diferentes do sistema terrestre, os investigadores concluíram que a floresta tropical está a passar para um estado mais quente, sem paralelo, embora tenha ocorrido nos trópicos, quando a Terra era muito mais quente, há entre 10 e 40 milhões de anos. E definem os hipertrópicos como “regiões mais quentes do que 99% dos climas tropicais históricos, com secas mais frequentes e intensas”.

As florestas tropicais ocupam cerca de 7% da área terrestre do nosso planeta, mas armazenam entre 25% e 40% do carbono global do solo (embora esta capacidade esteja a ser afetada pelas alterações globais). (florestas.pt) 

Com a previsão de maior aquecimento futuro, tal estado climático será mais comum e, dependendo da rapidez da mudança climática, poderá levar a mais amplos processos de mortalidade florestal, à medida que o clima aquecer. No dizer de Jeff Chambers, daqui a 20 a 40 anos, as condições de seca e de calor que induzem a elevada mortalidade de árvores deverão surgir, com frequência, numa estação seca típica, mas, até 2100, os dias de seca e de calor extremos não se limitarão ao pico da estação seca, ocorrendo, cada vez mais, ao longo de todo o ano, incluindo os meses, atualmente, mais chuvosos.

“As secas extremas atuais são prenúncios desse clima emergente, oferecendo oportunidades para melhor compreender as respostas das florestas tropicais a condições futuras cada vez mais extremas”, escreveram os investigadores e autores do estudo.

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A introdução ao estudo salienta que as secas nos trópicos são mais intensas, ocorrendo em temperaturas sucessivamente mais altas; sintetiza múltiplos conjuntos de dados para avaliar os efeitos de secas intensas numa floresta da Amazónia central, nomeadamente, o registo de mais de 30 anos de dados demográficos florestais, resultante da experimentação de exploração seletiva, a análise de medições ecofisiológicas de campo das secas do El Niño de 2015 e de 2023, bem como as análises da fase do Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados demonstraram que, em cenários de altas emissões, grande área de floresta tropical apresentará um clima “hipertropical” mais quente, até 2100.

Floresta tropical. (infoescola.com)

E prevê que, num clima hipertropical, as condições de temperatura e de humidade, nos meses típicos da estação seca, excederão, com mais frequência, os limiares de mortalidade por seca identificados, elevando o risco de morte da floresta, sendo as secas intensas atuais prenúncios desse clima emergente.

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É, pois, urgente a contenção das alterações climáticas para a preservação das florestas e, por consequência, do planeta. Não há planeta B.

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22/12/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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