“Sul”

 “Sul”

Peça “Sul” interpretada por Francisca Sobrinho e Virgílio Castelo. (tnsj.pt)

Vicente Huidobro (1893-1948), em gravura da
autoria de Pablo Picasso. (enfermaria6.com)

“Os quatro pontos cardeais são três: o Sul e o Norte.”1 

(Vicente Huidobro, poeta chileno, em prefácio de “Altazor”) 

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“O Velho do Restelo”filme franco-português realizado pelo cineasta Manoel de Oliveira, foi estreado no Festival de Veneza, em 2 de Setembro de 2014. Um pouco mais tarde, a 11 de Dezembro do mesmo ano, foi apresentado em Portugal, no dia em que o realizador completou 106 anos de idade. Nesse momento, Manoel de Oliveira era o cineasta mais longevo na História do Cinema, tendo ultrapassado Akira Kurosawa, realizador japonês, que morreu em 1998, ainda activo na produção de argumentos que seriam filmados postumamente, como “Ame agaru”, realizado por Takashi Koizumi, e “The Sea is Watching”, com realização de Kei Kumai. Hoje, provavelmente, o decano dos realizadores de cinema deverá ser Clint Eastwood, actualmente com 95 anos, e cujo último filme de 2024, “Juror #2”,impacta pela abordagem a um julgamento de uma morte. 

Podemos, em todo o caso, orgulharmo-nos por ter o actor mais adulto e maduro em actividade do Mundo. Em Portugal, ele é Ruy de Carvalho, que, aos 98 anos de idade, continua semanalmente nos palcos com os seus espectáculos. 

Ruy de Carvalho e Eunice Muñoz, na versão de João Lourenço da peça “Mãe Coragem e os Seus Filhos”, que estreou em 5 de Junho de 1986, no Teatro Nacional D. Maria II. (teatroaberto.com)

Tenho pena de não o ter visto na peça “Rei Lear”, no Teatro Nacional Dona Maria II (TNDM II), em Lisboa. Mas vi-o no seu desempenho brilhante, como o cozinheiro, na versão portuguesa de “Mãe Coragem e os Seus Filhos”, de Bertolt Brecht. Lamentei não o ter visto na peça “O Camareiro” (“The Dresser”),de Ronald Harwood, datada de 1980. “The Dresser” – “O Camareiro” ou “O Vestidor”, literalmente – conta a história de um camareiro pessoal de um actor envelhecido, que luta para manter a vida artística do seu empregador, desafio que se traduz, no dia-a-dia, contra o envelhecimento, a perda de memória e a degradação das relações pessoais com a sua esposa e companhia de actores. Esta peça foi levada ao cinema, com a realização de Peter Yates e a interpretação de Albert Finney e Tom Courtenay. 

Na versão portuguesa, no palco do D. Maria II, estavam Ruy de Carvalho e Virgílio Castelo, foi em 2009, com encenação de João Lourenço2.

Gostaria de ter encenado esta peça com a Seiva Trupe (Companhia de Teatro do Porto), teria os dois actores perfeitos para isso: o Júlio Cardoso e o António Reis. Pela cumplicidade da vida e dos palcos, julgo que era o par ideal! 

O Virgílio Castelo veio ao Norte para interpretar a peça “Sul”3 – com texto original e encenação de Tiago Correia –um intenso diálogo do actor com a actriz Francisca Sobrinho. E se a menção inicial parece descabida, neste díptico não há outra direcção possível a não ser o Sul. Vir do Norte da Europa, neste caso, da França, para reconquistar o perdido… 

Na peça “Sul”, Francisca Sobrinho interpreta o papel de Michelle que “esbarra com a crua realidade de uma comunidade de migrantes do Sul do país”. (tnsj.pt)

Como refere a folha de sala do Teatro Nacional São João (TNSJ), Michelle, uma rapariga francesa lusodescendente, vem a Portugal, contra a vontade da família, na tentativa de encontrar um homem que pode ser o seu avô biológico”. E regista ainda a nota informativa do TNSJ:Além deste homem, cuja existência está rodeada de mistério, Michelle esbarra com a crua realidade de uma comunidade de migrantes do Sul do país. Esta tragédia contemporânea constrói-se como ‘um drama familiar intergeracional sobre trauma, abandono e separações’. Sul é a segunda parte de um díptico dedicado às migrações, com texto e encenação de Tiago Correia, iniciado com O Salto, peça sobre a emigração portuguesa clandestina no início dos anos 70. Entre uma e outra obra, procuram abrir-se caminhos para uma reflexão mais ampla sobre os temas da memória (ou do esquecimento) e da ‘volatilidade das relações humanas contemporâneas’.”

O actor Virgílio Castelo com o encenador Roberto Merino, no Teatro Carlos Alberto, no Porto, após uma conversa coordenada por Constança Carvalho Homem, sobre o espectáculo “Sul”. (Direitos reservados)

Foi um emotivo reencontro com este actor, que tenho seguido nos palcos portugueses. Virgílio Castelo tem 70 anos de vida e 50 de Teatro. Após a representação da peça “Sul”, ainda tivemos oportunidade de uma conversa com os actores e com a tradutora e dramaturga Constança Carvalho Homem, assim como com a equipa técnica e artística. Foi, também, um breve momento para lembrar uma participação de Virgílio Castelo no espectáculo “Woyzeck”, uma das minhas peças favoritas na Cornucópia (em 1978) e um encontro com Suso Cecchi d’Amico4 (1914-2010), guionista e colaboradora de Luchino Visconti, na Fundação Calouste Gulbenkian. Parabéns ao Virgílio Castelo, pela sua carreira e pelo contributo teatral neste país! 

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Notas: 

1 – “[…] Los cuatro puntos cardinales son tres: el sur y el norte. / Un poema es una cosa que será. / Un poema es una cosa que nunca es, pero que debiera ser. […]”

Ronald Harwood (theartsdesk.com)

2 – O TNDM II apresentou o espectáculo “The Dresser”, de Ronald Harwood, o galardoado argumentista do filme “O Pianista”. Como regista a folha de sala do TNDM, de 2009,  baseada “na vida de um dos maiores actores shakespearianos, Sir Donald Wolfit, a história remonta a 1942 e às aventuras de uma companhia de teatro em plena II Guerra Mundial”. A mesma nota informativa recorda que “O Camareiro” é um retrato apaixonante da vida nos bastidores do teatro.

“À frente de uma companhia itinerante, o já ancião actor e director da companhia, que é tratado apenas por Sir, luta para conseguir manter a sua própria sanidade e completar a sua 227.ª representação do ‘Rei Lear’. A ajudá-lo está o seu devoto camareiro, Norman, que tudo fará para que o actor consiga cumprir esta tarefa. Uma aventura cómica e, ao mesmo tempo, emocionante sobre as relações humanas”, esclarece a referida folha de sala do TNDM II.

Virgílio Castelo, na peça “Sul”. (tnsj.pt)

3 – O espectáculo “Sul” é uma produção de “A Turma”, em coprodução com o Cineteatro Louletano e o Teatro Nacional São João, tendo estado em cena no Teatro Carlos Alberto, sempre com muito público, de 6 a15 deste mês de Março. 

Suso Cecchi d’Amico (mag.sapo.pt)

4 – Foi, porventura, a mais célebre argumentista italiana de sempre, assinando o argumento de filmes de cineastas como Luchino Visconti, Vittorio De Sica, Michelangelo Antonioni e Mario Monicelli, como assinalava um artigo escrito em 2 de Agosto de 2010.  Suso Cecchi d’Amico morreu aos 96 anos. Esta argumentistas escreveu o argumento de mais de uma centena de filmes, incluindo alguns dos maiores clássicos do cinema italiano. 

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31/03/2025 

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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