Tão longe de Deus…

(abracomex.org)
“Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos EUA.”
Muitas vezes, ouvi o meu pai citar esta frase: “Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos EUA.”1 Com a entronização de Donald Trump, rodeado da sua corte de multimilionários, a expressão já não se reduz apenas ao México, mas sim à Groenlândia, ao vizinho Canadá, ao dividido Panamá, à Europa e, ainda, não se lembrou dos Açores nem das suas nove ilhas, nem da base norte-americana (Base Naval de Ponta Delgada).

Trump é, sem dúvida, uma ameaça global que ainda está a começar. Entre as primeiras medidas: o abandono da Organização Mundial de Saúde, novas reformas na contratação do Estado, na política tarifária da maior economia do Mundo, na acção climática e na ideologia de género.
Já começaram as deportações e Donald Trump declarou um estado de emergência na fronteira com o México, exigindo que “todas as entradas ilegais sejam impedidas e que arranque o processo de deportar milhões e milhões de criminosos”, avançando com o fim do direito à cidadania de qualquer criança que nasça em território norte-americano, mesmo que tenha pais imigrantes em situação ilegal. Medida que enfrenta um obstáculo grande, pois este direito está consagrado na 14.ª emenda da Constituição norte-americana, o que dá armas legais a quem pretender combater judicialmente esta ordem executiva.

Relativamente à ordem executiva de abandonar a OMS, durante os próximos 12 meses, Donald Trump culpa esta organização de uma má gestão da pandemia da covid-19. Trump esteve sempre em conflito com as restrições defendidas pelos especialistas e foi impulsionador de movimentos negacionistas que se recusavam a proteger as populações contra a doença.
Entre as medidas mais suaves encontra-se a vontade de renomear o Golfo do México para Golfo da América. Preocupantes são as suas medidas no campo da protecção do ambiente e das alterações climáticas e uma promessa antiga de retirar os Estados Unidos da América (EUA) do Acordo de Paris.
Também é de considerar a luta contra o aborto e contra o movimentos de igualdade de género.
No primeiro dia do seu mandato, o novo presidente dos EUA anunciou o perdão para 1500 pessoas envolvidas no ataque ao Capitólio, em 6 de Janeiro de 2021, aos quais não chamou “condenados”, mas, sim, “reféns”. E estamos apenas no começo!

Quem reveja os dados ou indicadores de vida nos EUA – bastando observar apenas alguns – pode confirmar que é um país miserável, em termos humanos. Então, vejamos: mais de 770 mil pessoas foram consideradas sem-tecto (ou sem-abrigo), em 2024, de acordo com um recente relatório apresentado pelo Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos (HUD, sigla em Inglês).
Os dados representam um aumento de 18%, em relação a 2023, de pessoas que estão a viver nas ruas ou em abrigos improvisados. A população dos sem-tecto nos EUA aumentou 12% relativamente a 2022, o que, em grande medida, se deve ao forte aumento dos que “ficaram sem casa pela primeira vez”.
O número de sem-abrigo nos Estados Unidos atingiu o nível mais alto desde que começou a haver registo da situação, em 2007, revela um estudo do HUD. A isto não serão alheios o aumento dos preços da habitação e o decréscimo na ajuda prestada durante o período da covid-19.

Falando em risco de pobreza, verificamos que este é um dos grandes paradoxos dos nossos tempos: os Estados Unidos da América, país mais rico do Mundo, tem alguns dos piores índices de pobreza no grupo dos países desenvolvidos.
Mais de meio século depois de o presidente Lyndon Baines Johnson ter declarado “guerra incondicional à pobreza”, os EUA ainda não descobriram como vencê-la.
Desde a declaração de Johnson, em 1964, o país teve conquistas surpreendentes, como chegar à Lua ou dar origem à Internet. No entanto, nesse período, conseguiu uma tímida redução no índice de pobreza, que caiu de 19% para cerca de 12%. Isso significa que quase 40 milhões de norte-americanos vivem abaixo da linha oficial de pobreza, como informa Gerardo Lissardy-Role, da BBC News Mundo, em Nova Iorque.
Enquanto 11% das crianças brancas, nos EUA, vivem na pobreza, essa taxa chega a 32% para crianças negras e 26% para crianças latinas, tendo em conta dados do censo levantados pelo Centro de Dados Kids Count.
Os EUA tinham a maior mortalidade infantil do “mundo desenvolvido”, sublinhando-se o facto de a expectativa de vida dos seus cidadãos ser menor e menos saudável do que em outras democracias ricas, como foi indicado, no final de 2017, pelo então relator especial das Nações Unidas (ONU) para a pobreza extrema e direitos humanos, Philip Alston.

E também que as suas (dos EUA) pobreza e desigualdade estavam entre as piores no clube dos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, além de uma taxa de encarceramento entre as mais altas do Mundo.
“No fim de contas”, afirmou Philip Alston, “particularmente, num país rico como os EUA, a persistência da pobreza extrema é uma escolha política feita pelos que estão no poder”. Aconselho-vos a ler o artigo “Por que os EUA têm os piores índices de pobreza do mundo desenvolvido”, da autoria de Gerardo Lissardy, da BBC News Mundo, em Nova Iorque.
E assim continuará a ser, atendendo a que os convidados ao banquete de Donald Trump não desistem dos seus interesses!
A morte de Jimmy Carter nos últimos dias de Dezembro de 2024, obrigou-me a rever as notícias aparecidas sobre ele, na imprensa nacional e internacional. Foi unânime o sentimento de perda e o respeito pelo seu governo (1977-1981), patente em todos os discursos e mensagens mundiais. É de destacar a sua luta pelos direitos humanos, bem como o Prémio Nobel da Paz pelos seus esforços para trazer soluções pacíficas para os conflitos daquele período, o que o fez ganhar reconhecimento global pelo seu trabalho de política externa. Foi durante a sua governação que se assinou o tratado que garantia o controlo do Canal do Panamá pelo Panamá, até então sob administração dos EUA. O canal foi, finalmente, assumido pelo governo panamenho em 1999.

Os Tratados Torrijos-Carter (às vezes, referidos no singular como o Tratado Torrijos-Carter) são dois tratados assinados entre os Estados Unidos da América e o Panamá, em Washington, a 7 de Setembro de 1977, anulando o Tratado Hay-Bunau-Varilla, assinado em 1903.
Em 1982, foi fundado o Centro Carter, organização sem fins lucrativos, pelo ex-presidente e pela sua mulher, Rosalynn Carter. Como regista a Wikipédia, “entre outras atividades, o Centro Carter actua como observador em processos eleitorais, faz o papel de mediador em crises internacionais e reforça os sistemas nacionais, regionais e internacionais dedicados à democracia e aos direitos humanos”. “Ao mesmo tempo”, o Centro Carter “encabeça programas para erradicar várias enfermidades presentes na América Latina e/ou em África”.
Dificilmente voltaremos a ter uma figura assim na presidência dos EUA.

Por fim, também quero lembrar – nunca é demais – que, no dia 27 de Janeiro (que a ONU assinala como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto), neste ano, a data coincidiu com o 80º aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau”.
Num artigo do jornal Expresso, na edição de 27 de Janeiro, lemos, em destaque, que os “sobreviventes estão a enfrentar uma vaga de antissemitismo comparável à dos anos 30 e 40”. Prosseguindo: “Pelo menos 1,3 milhões de pessoas foram deportadas para Auschwitz, o campo de concentração que os nazis construíram apenas nove meses depois de tomarem a Polónia. Dessas, 1.1 milhões morreram, e 900 mil eram judeus.”
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Nota:
1 – Famosa frase do general Porfirio Diaz (1830-1915), que governou o país por mais de 30 anos.
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Nota do Director:
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06/02/2025