“Um País que é a Noite”

(Créditos fotográficos: Pedro Macedo – Framed Photos –teatrotrindade.inatel.pt)
O que Sophia e Jorge de Sena escreveram e nunca disseram1
Ainda sobre o 25 de Abril e os seus 50 anos e sobre o Teatro em militância. O espectáculo do qual faço referência, está em cena no Teatro da Trindade, em Lisboa.

Informa o próprio grupo: “O espetáculo parte de um diálogo ficcional entre dois dos maiores poetas portugueses, Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena, horas antes deste último fugir para o Brasil. No ano de 1959, Jorge de Sena, procurado pela PIDE, marca um encontro secreto com a sua amiga Sophia para se despedirem, mas o encontro é interrompido por dois agentes. A peça situa-se entre o drama histórico e o teatro documental e desenha um Portugal anacrónico e polarizado entre os que amam a poesia e os que a desprezam; entre os que pensam e os que cumprem ordens; os que querem ser livres e os que temem o medo do desconhecido – a iminência de uma revolução democrática. Um retrato distante da contemporaneidade, mas que se aproxima, cada vez mais, do que nos ameaça diariamente: este pensamento em forma de pesadelo antecipado de que tudo pode, rapidamente, repetir-se num regresso ao terror dos velhos tempos de privação da liberdade individual. [sic]”

Jorge de Sena2: Para compreender este espectáculo, devemos revisitar a posição que o País, Portugal, teve com este poeta, dramaturgo, escritor e ensaísta.
Foram muitas as vezes que Jorge de Sena se sentiu alheio à sua época, fazendo da citação bíblica “Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria.” (Lc 4,21-30) uma realidade viva: ninguém é profeta na sua terra. “Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria / de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações / nasci. […]” (excerto do poema “Em Creta, com o Minotauro”).

Como escreve Carolina Correia, em 2 de Novembro de 2019, no artigo intitulado “100 anos de Jorge de Sena, o poeta do exílio”: “Sena deixou Portugal em 1965 e não se sentiu mais português desde que partiu. Primeiro, estabeleceu-se no Brasil, depois nos Estados Unidos. Apesar de ter voltado a Lisboa algumas vezes, para conferências, por exemplo, não voltou a ser um cidadão português, nem mesmo após a Revolução.”
Numa entrevista dada ao Diário de Lisboa, em 1968, Jorge de Sena disse:“[…] eu sou uma espécie de exilado profissional. Eu acho que já o era em Portugal, antes de lá sair.”
“Jorge de Sena morreu em Santa Barbara, na Califórnia, a 4 de junho de 1978, vítima de cancro do pulmão. Exatamente um mês antes, foi entrevistado por Frederick G. Williams, numa gravação inédita em vídeo que perdurou até hoje. [sic]”, conclui Carolina Correia.

Sophia de Mello Breyner Andresen: Sobre Sophia, pouco mais podemos acrescentar. Ela foi, a poeta resistente, no exílio interior, a poeta que nos iluminou com “Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo”.
Como regista a respectiva folha de sala acerca da autoria do espectáculo, o encenador Martim Pedroso pegou no texto original de Tatiana Salem Levy – “Um País que é a Noite” –, que foi uma encomenda de Martim Sousa Tavares, neto de Sophia de Mello Breyner, dirigido ao público infanto-juvenil. “Era um texto mais pequeno e simples, sobre exílio e ditadura, que escreveu com a Flávia Lins e Silva. Li, e achei interessante poder incluí-lo neste trabalho sobre ditaduras”, esclarece Martim Pedroso, percebendo que se incluíssem as cartas trocadas pelos dois poetas, a peça ficaria muito mais rica. “A correspondência vem sustentar um bocadinho este encontro, que é fictício. A ideia de os PIDE interromperem o encontro é uma liberdade dramática para conseguirmos dar mais emoção e também dar uma cara ao medo e ao perigo”, anota.


uma renomada actriz britânica. (vestuarioescenico.wordpress.com)
O espectáculo está em cena no Teatro Trindade, até 16 de Março, com interpretação de João Sá Nogueira, Maria João Falcão, Martim Pedroso e Rui Melo. Tem co-autoria (como já referi), encenação e espaço cénico de Martim Pedroso.
Estamos perante um teatro documento e teatro epistolar. Lembro-me uma bela experiência teatral neste sentido, baseada na troca de cartas entre o dramaturgo George Bernard Shaw3 e a actriz Patrick Campbell (Mrs. Pat), que deu origem à peça “Adorável Mentiroso”. Vi uma versão, ainda no Chile, interpretada pelo casal de actores Américo Vargas e a sua mulher, Pury Durante, nos anos 60.
Sei que a peça foi interpretada em Portugal, por Eunice Muñoz e Jacinto Ramos, com encenação de Luís de Sttau Monteiro. O leitor interessado pode, entretanto, ouvir uma entrevista da época na RTP.
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Notas:

1 – Título de um artigo assinado por Andreia Costa, na edição de 5 de Fevereiro de 2025 do Observador: “Um País que é a Noite”: o que Sophia e Jorge de Sena escreveram e nunca disseram
2 – Jorge de Sena (Lisboa, 1919 – Santa Bárbara, 1978) foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português, naturalizado brasileiro, viveu alguns anos no Brasil, antes de se mudar para os EUA. Com vasta obra publicada, o seu livro de ficção mais famoso é o romance autobiográfico “Sinais de Fogo”.

3 – O dramaturgo George Bernard Shaw já tinha usado a atriz Patrick Campbell como fonte de inspiração para algumas das suas peças, mas só em 1912 começaram as negociações para que a produção londrina de “Pigmalião” (de Shaw) pudesse ter a participação da Sra. Pat. Assim, começou uma relação obsessiva, segundo muitos, do escritor com a actriz, que deu origem a um romance apaixonado, mas sem consumar o amor. O fascínio mútuo reflectiu-se numa intensa troca de cartas, até que Campbell rompeu a relação, mantendo a amizade.
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27/02/2025