“Vaidades Irritadas e Irritantes” de Camilo Castelo Branco

 “Vaidades Irritadas e Irritantes” de Camilo Castelo Branco

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Ontem (domingo, 16 de março), foi assinalado o segundo centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco. Autor que partilha a grande narrativa do século dezanove em Portugal com Eça de Queirós, vinte anos mais novo.

Que seria da História da Literatura Portuguesa sem a ficção exacerbada de um Camilo sempre no limite do bom gosto; mas dentro dessa verdade que só a literatura nos pode oferecer?

Camilo Castelo Branco foi, durante toda a sua vida, um passional que escrevia novelas sobre as pessoas que o rodeavam ou inspirando-se nas histórias em que foi protagonista. Contando as derrotas de amores de perdição, que o apaixonado Camilo sentiu na pele e no corpo; como a do cativeiro na Cadeia da Relação, no Porto, onde foi parar pelo crime de adultério com Ana Plácido.

Cadeia da Relação do Porto, cerca de1900. (Créditos fotográficos: Guedes – Porto Desaparecido – portodhonra.com)

“Amor de Perdição” pode juntar-se aos míticos amores proibidos reais (de Pedro e Inês) ou apenas teatrais (de Romeu e Julieta) que representam ainda hoje, em pleno século vinte e um, o amor que vence a morte e o esquecimento; numa verdadeira inspiração aos que muito amam sem saberem porquê, como nos ensina Camões.

Agustina Bessa-Luís, admirável leitora de Camilo, não resiste e põe em romance uma história de amor em que o bicentenário autor é também um dos protagonistas. “Fanny Owen” é, provavelmente, o mais extraordinário romance de Agustina (não o melhor, mas isso levaria muitas páginas a explicá-lo). Romance de Agustina que Manoel de Oliveira adaptou ao cinema com o nome de “Francisca”; e que se mantém como um dos momentos mais brilhantes da sua carreira de cineasta.

No romance e no filme lá estão todos os elementos que fazem de uma grande paixão uma verdadeira tragédia.

O meu interesse pelo Camilo ultrarromântico é pouco entusiasmante. E prefiro nele o escritor que retrata, como nenhum outro, um país rural, de morgadios e de emigrantes portugueses com fortuna conquistada no Brasil. Emigrantes que, invariavelmente, regressam ao seu torrão natal para edificar casas vistosas ou para comprar paços; que testemunhem aos olhos dos que os viram partir o seu triunfo sobre a pobreza.

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Se tivesse de aconselhar a leitura ou a releitura de Camilo Castelo Branco, indicava “A Brasileira de Prazins”, que é, sem dúvida, uma das suas obras-primas. E, para os que gostam de gargalhadas a céu aberto, o magnífico livro “A Queda dum Anjo”.

Como editora, ofereci, aos leitores da coleção Literatura Portátil, um dos textos mais brilhantes de Camilo, que selecionei entre as muitas escritas e publicadas “Novelas do Minho”: “O Cego de Landim”.

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Camilo Castelo Branco conta, com enorme virtuosismo e de forma acelerada, a história de António José Pinto Monteiro, que entra no consultório de um advogado (o narrador), em São Miguel de Seide, a pedir justiça. E que dará azo à escrita da sua biografia de falsário e de emigrante no Brasil; com personagens de um enredo de polícias e de ladrões notável, e malandragens de toda a espécie, envolvendo figuras inesquecíveis como o “guarda-livros” do cego, o sinistro, mas filosófico, Amaro Faial: “A moeda falsa é comércio como qualquer outro, com vantagens em proporções dos riscos. Negócio execrando só conheço um: é o da escravatura… Assevero-lhes que a riqueza do senhor Pinto Monteiro não se fez com a escravaria.” Ou a afilhada do cego, Narcisa, maria-rapaz que o padrinho casou, para grande desgraça dos noivos.

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Toda a história de “O Cego de Landim” tem um enredo vertiginoso entre Portugal e o Brasil e de novo Portugal. No humor hilariante com que ataca as misérias dos ricos e poderosos, sem poupar os costumes e a muita hipocrisia transversal a todas as classes sociais, especialmente as do clero e da classe política. Camilo Castelo Branco, no século dezanove, consegue transformar o mais leve acontecimento numa literatura torrencial, atingindo, muitas vezes, o delírio pelo excesso.

E não há que escolher entre o Eça ou o Camilo; cada um no seu território e os dois na melhor Literatura Portuguesa do século dezanove. Polemista encartado, Camilo Castelo Branco não deixou de intervir na famosa “Questão Coimbrã” e publicou, em 1866, o livro “Vaidades Irritadas e Irritantes”, em que defende, com o talento que só a pena camiliana seria capaz: António Feliciano de Castilho, contra os jovens insolentes Antero de Quental e Teófilo Braga.

É esse o texto que sairá na nova coleção “Coimbra Literária”, ainda neste ano de 2025, como um pessoal e especial tributo ao génio de Camilo Castelo Branco; mas também para explicar aos meus contemporâneos que a escrita pode ser, ainda hoje, um dos mais importantes suportes para um saudável debate de opiniões e ideias.

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17/03/2025

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Elsa Ligeiro

Editora e divulgadora cultural.

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