Valência em Agosto de 2024
Em Agosto deste ano, estive alguns dias na cidade de Valência1, pela primeira vez. É uma cidade magnífica entre o passado e o moderno, com as suas igrejas, o Mercado Central (centenário edifício monumental), museus e ruas e jardins apelativos para caminhar e passear. Apenas, não consegui visitar o Teatro Principal2, pelo facto de se encontrar fechado para férias.
O Mercado Central remonta a 1914. Foi iniciado sob a direcção dos arquitectos Francisco Guardia Vial e Alejandro Soler March. No entanto, devido às dificuldades económicas durante a Primeira Guerra Mundial, o mercado só ficou concluído em 1928. Com a sua inauguração a 23 de Janeiro desse ano, tornou-se um dos maiores centros de comércio de produtos frescos da Europa. O próprio edifício é um símbolo emblemático da arquitectura valenciana do início do século XX, com influências do estilo gótico nas suas colunas de ferro e nos vitrais. A arquitectura de El Mercado Central é verdadeiramente inspiradora, com elementos de diferentes estilos, como o modernista e a Arte Nova, mas com predominância da Arte Nova Valenciana.
A Catedral
Retomo as palavras do Papa João Paulo II, em Madrid, no ano de 1993: “La Iglesia Catedral es el símbolo y el hogar visible de la comunidad diocesana presidida por el Obispo que tiene en ella su Cátedra… en la cátedra del Obispo, descubrimos a Cristo, Maestro, que, gracias a la sucesión apostólica, nos enseña a través de los tiempos […]”
Magnífico edifício histórico que perpetua aquilo que fora iniciado no século VIII. Consultando a informação oficial da Catedral de Valência (La Catedral del Santo Cáliz), ficamos a saber que “a principal mesquita de Balansiya foi construída no seu local, que serviu como uma catedral após a fundação do Reino Cristão de Valência por Jaime I, o Conquistador, em 1238” e que, “em 22 de Junho de 1262, o bispo Andreu d’Albalat colocou a primeira pedra da actual catedral, começando com a Puerta de la Almoina em estilo tardo românico e o ambulatório, para continuar, mais tarde, em estilo gótico”.
Museus
Entre os museus, destaco o Museu Nacional de Cerâmica e Artes Suntuárias “González Martí”, sediado no palácio do Marqués de Dos Aguas.
Foi criado, em Fevereiro de 1947, a partir da doação ao Estado espanhol da colecção de cerâmicas do casal Amelia Cuñat y Monleón e Manuel González Martí, e inaugurado como museu a 18 de Junho de 1954. É um belo edifício e no interior encontramos peças das mais rústicas até às porcelanas mais finas trazidas do Oriente.
Eu, como podem imaginar, não poderia deixar de visitar o Museu das Fallas / Museu Fallero. Como se sabe as Fallas3 são esculturas de figuras gigantescas que desfilam pela cidade e que são destinadas a ser queimadas, destruídas. Salvos do fogo, os “ninots” indultados por votação popular, desde 1934, fazem parte da colecção que podemos ver neste museu. Também estão aí os cartazes das Fallas e fotografias sobre temas relacionados, assim como um vídeo explicativo sobre a festa que completa a visita ao museu.
Na minha visita, tive a oportunidade de reencontrar figuras que me são queridas e extremamente bem executadas. Ainda bem que se salvaram do fogo. Em fotografias que ilustram estão Miguel de Cervantes, pensativo, com o seu Dom Quixote e Sancho Pança, bem como o pintor valenciano Joaquín Sorolla e o escritor, também valenciano, Vicente Blasco Ibáñez, cujos romances mais famosos são “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse” (de 1962) e “Sangue e Areia” (de 1941), ambos foram levados ao cinema nos Estados Unidos da América e no México. E também o meu querido Cantinflas, o actor mexicano mais famoso da História do Cinema desse país.
Dadas as muitas ofertas culturais, pensei que Valência é uma cidade perfeita. Falta-lhe, apenas, um rio!
La Dana (Danação)
De facto, o rio Turia existe ou existia atravessando a cidade, mas os acontecimentos de 14 de Outubro de 1957 transformaram Valência num palco que viveu um de seus marcos mais tristes, uma grande enchente levou a vida de mais de 80 pessoas e trouxe prejuízos financeiros e materiais a milhares de pessoas. A tragédia culminou num grande estudo sobre o desvio do rio, para evitar que novos episódios como este viessem a acontecer. A obra de desvio do rio Turia para o lado sul da cidade de Valência ficou conhecida como Plan Sur, e até aos dias de hoje mostra-se eficiente. Actualmente, o Parque do Jardim do Turia em Valência é um tesouro na história dos Valencianos, que trouxe vida e natureza ao antigo leito do rio.
Foi esta, talvez, uma das razões pelas quais a cidade de Valência não tenha sido atingida pelas enchentes que se sentiram nos últimos dias na região valenciana.
As informações científicas nesta última parte do meu artigo são retiradas de uma entrevista do jornal espanhol El Mundo, na sua edição de 1 de Novembro, ao meteorologista, doutorado em Geografia e membro da Associació Valenciana de Meteorologia, Rafael Armengot, que nos avisa: “Nós, valencianos, sabemos disso, vivemos com isso e não é algo do futuro. É algo que sempre aconteceu. Sabemos que duas vezes por século o rio Júcar fica completamente fora de controlo.”
Meteorologicamente, a DANA (em Espanhol) traduz-se como uma depressão isolada de níveis altos. Mas a esta última se associaram sistemas de tempestades, uma depressão originada por ventos do Levante que alimentaram o processo, descarregando precipitações de intensidade torrencial de forma prolongada, o que é designado, nas palavras do referido meteorologista, trenes (comboios) convectivos. Como imagem, assim dada, a DANA é semelhante a um comboio no qual cada carruagem é uma tempestade, as quais circulam uma atrás da outra! Fala-se de intensidade torrencial quando se supera os 60 litros por metro quadrado durante uma hora. A recente DANA superou os 100 litros por metro quadrado numa hora.
Infelizmente, enquanto escrevia este texto, os mortos já ultrapassavam as duas centenas e continuam as buscas dos desaparecidos.
No jornal Expresso, no mesmo dia (31 de Outubro de 2024) da publicação do artigo mencionado, foi publicava uma fotografia sob o seguinte título: “Cheias em Espanha: esta barragem tem 34 metros e mais de dois mil anos e aguentou a força do DANA — o que explica esta resistência?”
“Encomendada pelo imperador Augusto no século I, La Cuba, em Aragão, é a mais alta barragem romana a sobreviver na Península Ibérica. Ao resistir à força do DANA prova continuar a ser um vestígio da “filosofia romana de construir para a eternidade”, assim começa a referida peça jornalística do Expresso.
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Notas:
1 – Valência – capital da Comunidade Valenciana – é uma cidade milenar, com os seus quase 1900 anos. Foi fundada no ano de 138 d.C., perto do mar e nas margens do rio Túria. E, se por um lado, a vida em Valência sempre foi abundante e farta por causa do rio, foi também por causa dele que vários perigos e transtornos marcaram a história da cidade. Situa-se na costa do Mediterrâneo, no Leste do país. É uma cidade muito antiga, sendo referenciada já no século II a.C., tendo sido foi fundada, como já registámos, em 138 a.C. Com uma longa história, diversos museus, tradições populares como as Fallas e a proximidade do Mediterrâneo, é uma das cidades mais conhecidas e visitadas na Espanha.
2 – Localizado no número 15 do Carrer de les Barcas, no distrito de Ciutat Vella, o Teatro Principal foi um projecto inicial do arquitecto italiano Filippo Fontana, em 1774, mas os planos originais foram posteriormente modificados. A sua construção só começou anos mais tarde, e apesar de ter sido inaugurada em 1832, a obra só foi totalmente concluída em 1854. O interior foi, inicialmente, decorado no mais puro estilo Rococó. Como lemos na Wikipédia, a actuação mais importante dos primórdios deste teatro é a do compositor e virtuoso pianista Franz Liszt, como parte de sua digressão pela Espanha e por Portugal, entre Outubro de 1844 e Abril de 1845. Em Valência, Liszt fez três apresentações, entre 27 e 31 de Março de 1845, todas no Teatro Principal. Na última apresentação, oferece ao público a possibilidade de tocar “o que lhe for pedido”, improvisando sobre temas de ópera popular da época. Os concertos foram um verdadeiro sucesso de público e da crítica.
3 – As Fallas de Valencia (Falles em Valenciano) são as festas que vão do dia 14 (“plantà infantil”) ao dia 19 (“cremà”) de Março. Oficialmente, começam no último domingo de Fevereiro, com o acto de “la crida” (“pregón” ou chamada). Estas festas também são chamadas “fiestas josefinas” ou “fiestas de San José”, dado que se celebram em honra de São José, padroeiro dos carpinteiros, grémio muito vasto e numeroso na região. Recorrendo novamente à Wikipédia, somos informados de que, etimologicamente, em Valenciano Medieval, a palavra (do latim fac[u]la, diminutivo de fax, facho/antorcha) servia para designar as tochas que se colocavam no alto das torres de vigilância.
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07/11/2024