Venezuela: o eterno retorno
A batalha dos Estados Unidos da América (EUA) contra o povo venezuelano segue sem freio e contra todas as regras do chamado “direito internacional”. Isso poderia soar a absurdo, mas não é. É da natureza dos EUA fazer o que bem entende no Mundo, respaldado, inclusive, por instituições ditas “mundiais” que nada mais são do que organismos criados por eles mesmos para darem ares de universalidade aos seus desmandos. Falo de coisas como a Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, useira e vezeira em ficar absolutamente muda quando são os Estados Unidos ou os seus parceiros a cometerem crimes. Vejam o caso do genocídio, em plena vista das telas de celulares, praticado por Israel, com mais de 40 mil pessoas assassinadas, mais de 100 mil feridas e cidades inteiras destruídas. Nada se dispõe a parar Israel.
Isso acontece também no caso da Venezuela. Mesmo quando Hugo Chávez estava vivo, os ataques eram frequentes. Até um golpe clássico foi armado em 2002 porque os EUA não queriam permitir que o país caminhasse com as próprias pernas e tomasse, ele mesmo, o destino do petróleo nas mãos. O facto é que depois da morte de Chávez, os EUA acreditaram que seria mais fácil derrubar o seu sucessor, Nicolás Maduro, e imediatamente foi iniciada uma campanha para acusar como fraudulenta a eleição que o colocou no poder. Não vingou. Naqueles dias, em 2014, organizações internacionais atestaram favoravelmente a favor do sistema eleitoral venezuelano e a vida seguiu.
Mas, para os Estados Unidos não. Era preciso derrubar Maduro. Então, veio a “guerra econômica”, com a tentativa de estrangular economicamente o país, a partir de sanções aos países que negociassem com a Venezuela.
Foram tempos duros para o povo venezuelano, pois, sem poder negociar com esses países, a Venezuela teve um desabastecimento brutal, visto que importa quase tudo o que come e usa. Um crime contra a vida dos Venezuelanos, sem que o Mundo tivesse qualquer piedade.
Os Estados Unidos, simplesmente, diziam que as eleições não tinham sido válidas, e pronto. Bastava esse fio de bigode. E, por anos, sangraram o país. Inventaram um presidente – Juan Guaidó – que, financiado pelo roubo das divisas venezuelanas, girava o Mundo denunciando o governo da Venezuela. Um escândalo sem precedentes, afinal, os Estados Unidos, naturalmente, se apropriaram do dinheiro e do ouro venezuelano no exterior. Para ser mais exata: um roubo, às claras e com o beneplácito de todo Mundo. E a ONU quieta!
Quando veio a pandemia de coronavírus, em 2021, a Venezuela não tinha dinheiro para comprar vacinas, nem remédios, nem comida. A perversidade elevada ao cubo. Ainda assim, com a ajuda da Rússia, da China e de Cuba, conseguiu atravessar esse torturante deserto. Agora, quando a crise já está superada, a inflação controlada e a economia crescendo, o império volta à carga. Não há a menor possibilidade de deixar o país respirar.
Com as últimas eleições e Maduro reeleito, os ataques voltaram com mais força. A boa e velha mentira da “fraude eleitoral” também regressou e, desta vez, com a cumplicidade de países antes amigos da Venezuela, como é o caso do Brasil. Sem comprovação alguma de fraude, os EUA decidiram repetir a mesma cantilena de antes e estão apontando o candidato derrotado nas urnas, Edmundo González Urrutia, como o novo Guaidó, aclamado então como o presidente legítimo da Venezuela. Uma farsa grotesca para seguir roubando a Venezuela, tanto nos recursos como na vida. Não haverá um segundo de paz para o povo venezuelano, a menos que decidam voltar a ficar de joelhos diante do império. Poderia ser uma novela mexicana, mas é a vida real.
A Europa, que há muito decidiu assumir a sua vassalagem diante dos Estados Unidos, decidiu, em 19 de Setembro (ou seja, na quinta-feira anterior), a partir do seu parlamento, confirmar mais esse ataque dos EUA contra a Venezuela, declarando González como presidente e María Corina Machado como a líder do movimento democrático na Venezuela. A mulher que rogou a invasão do seu país pelos ianques. Líder democrática? Claro, da democracia dos Estados Unidos. Não bastasse isso, os Estados Unidos da América já sequestraram o avião presidencial da Venezuela e outro avião de transporte de mercadorias. Tudo isso sem sofrer qualquer crítica. Está tudo bem quando se trata de roubar o povo venezuelano.
Enquanto tudo isso acontece, as ameaças de golpe em vários países da América Latina, sobretudo, onde governam presidentes pendendo um milímetro para pautas progressistas, seguem constantes. Os Estados Unidos querem retomar o seu poder no que consideram “quintal”, porque temem a entrada cada vez mais incisiva da China. Assim, a melhor maneira é garantir presidentes 100% vassalos, para melhor comandar o tabuleiro mundial. Qualquer sintoma de nacionalismo ou busca de soberania por parte dos países da América Latina e do Caribe deve ser contido com armas, com guerras econômicas e desestabilização.
E, assim, “la nave va”1 num eterno retorno. A velha tática do “big stick” (o porrete) estadunidense se repete até à exaustão, enquanto as gentes miram o celular acreditando que a vida só pode ser boa no capitalismo. O capitalismo que é isso aí: guerra, destruição e morte. A esquerda liberal repete o mantra: “Ah, mas o Maduro isso, o Maduro aquilo.” Ora, o Nicolás Maduro é um presidente que governa um país sob ataque. Algumas medidas são duras. Há erros, mas como não haveria? As contradições internas precisam ser resolvidas lá dentro.
A Venezuela resiste. Até quando não sabemos.
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Nota do Director:
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Nota da Redacção:
A autora parece aludir ao filme “E la Nave Va” (“And the Ship Sails On”), realizado por Federico Fellini, em 1983. Federico Fellini narra, nesta obra cinematográfica, a viagem do transatlântico Glória N., encarregado de lançar em alto-mar as cinzas de uma diva da ópera, no limiar da Primeira Guerra Mundial.
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26/09/2024