Querido Leo,

Não sei bem que te diga. Embora goste de escrever cartas e postais e o faça com uma regularidade invulgar neste tempo de correios electrónicos, a verdade é que este postal é o primeiro que envio para um menino que ainda não tem um mês de vida e é meu neto, o meu terceiro neto.

Nasceste neste ano malfadado, no Norte da Itália, país tão inicialmente massacrado pela pandemia da COVID-19, o que fez aumentar as preocupações em torno da gravidez da tua mãe. A propósito, talvez seja bom dizer-te que a tua bisavó paterna, minha mãe, também nasceu durante uma pandemia e chegou quase aos 99 anos.

Acresce que a esperança de vida e o conhecimento médico científico de 1919 era muitíssimo inferior à esperança de vida e ao estado da arte da Medicina em 2020. Haverá, neste primeiro quartel do século XXI, outros perigos que não existiam no início do século XX. Houve uma altura em que pensávamos, inconscientemente, que os recursos da Terra eram infinitos.

O teu avô nasceu em 1953, numa década em que toda a gente agia como se o petróleo da Terra nunca mais acabasse e a Humanidade tivesse atingido um estádio de abundância absoluta. Erros cuja factura já começou a ser paga e que, temo, talvez ainda tenhas também de pagar, mesmo não tendo culpa alguma. Tens de ser paciente e contextualizar esta realidade, um verbo que ainda não conheces mas irás conhecer.

Pode ser que te tornes um sábio, como aquele que inspirou o teu nome, e venhas a contribuir para refazer esta Terra. Refiro-me ao Da Vinci. Sim, o DiCaprio também é outro Leonardo famoso, mas estava a referir-me ao Da Vinci. Os teus pais chamaram-te Leonardo por gostarem do nome, um nome que ainda tem a vantagem de se pronunciar e escrever da mesma forma em Italiano e em Português.

E pronto. Postal é para escrever pouco – os melhores perfumes vendem-se em frascos pequenos. Talvez possa e deva dizer-te que a aguarela que te envio pretende retratar-te ao colo do teu pai. É uma aguarela, não é uma fotografia.

dal tuo nonno di Portogallo,

Júlio Roldão.

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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