Querida Sophia Loren,

Acabei de ver o mais recente filme do seu filho Edoardo Ponti (Uma Vida à Sua Frente) e de a ver brilhar, a um nível só alcançável com uma elevadíssima maturidade artística, no papel de Madame Rosa, uma prostituta retirada que passou a cuidar de filhos menores de outras prostitutas.

Quando, em 1972, com apenas 18 anos, assumi o papel de um homem casado que, por ciúmes, mata a mulher, quando fiz de Woyzeck descobri como é difícil, sem maturidade, representar alguém cuja experiência de vida é, como se adivinha, muito diferente.

É possível enfrentar desafios artísticos assim, mas sem maturidade um actor corre o risco de ser uma marioneta nas mãos de um encenador de Teatro ou de um realizador de Cinema. É por isso que alguns papéis são entregues a actores mais velhos e será por isso que há quem defenda que a melhor Poesia vem com a idade.

Com estas certezas, vê-la aos oitenta e alguns anos no papel de Madame Rosa é um privilégio inesquecível. Sabemos logo que estamos a ver uma daquelas interpretações que ficam gravadas para sempre na memória de quem as vê. Reconhecemos que estamos a fruir Poesia vendo um filme.

Poesia são também os traços e as cores de Di Cavalcanti que parafraseei no postal que lhe envio. Uma paráfrase também é, numa certa gíria, uma representação plástica de um trabalho  de um outro autor. Foi o que tentei fazer com a aguarela que lhe envio. Teatralmente falando é um ensaio. Cinematograficamente um “take”, ou seja, uma gravação.

Na verdade parece apenas um homem, sentado num banco de um jardim a esconder o rosto, encostado ao braço que o acolhe como se fosse uma almofada. 

Com admiração,

Júlio Roldão

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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