A ajuda à habitação “não pode fazer esquecer outros problemas”

 A ajuda à habitação “não pode fazer esquecer outros problemas”

(Créditos fotográficos: Lusa – agencia.ecclesia.pt)

A 17 de março, o professor José Pires Manso, do Observatório da Pobreza e da Fraternidade, da Cáritas Portuguesa, em declarações à agência Ecclesia, saudou o pacote de apoio à habitação, apresentado pelo governo, no dia anterior, mas alertou para a importância de este não se tornar num “processo burocrático”.

Na verdade, a 16 de março, o Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei que procede à criação de um apoio extraordinário, designado por “Apoio à renda”, e à de um apoio extraordinário à subida acelerada do crédito à habitação, consubstanciado na “Bonificação de Juros”.

Governo anunciou que o apoio às rendas vai até 200 euros por mês e que tem retroativos a janeiro. Além disso, alargou bonificação de juros a empréstimos à habitação até 250 mil euros. (portaltvportuguesa.com.br)

O “Apoio à renda”, para arrendatários com taxas de esforço superiores a 35%, com rendimentos até ao limite máximo do 6.º escalão do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e com contratos celebrados e registados junto da Autoridade Tributária (AT) até 15 de março de 2023, apoiará, no imediato, as famílias num valor que pode ascender aos 200 euros mensais, pago pela Segurança Social (SS), com efeitos retroativos a janeiro de 2023. E a “Bonificação de Juros” assume a forma de bonificação temporária de juros aos mutuários de contratos de crédito para a aquisição ou para a construção de habitação própria permanente, visando dar resposta à realidade sentida pelas famílias, decorrente da rápida variação do indexante de referência, com incidência num dos principais encargos do orçamento familiar.

A este respeito, o “Explicador” da Rádio Renascença esclarece que o governo aprovou parte do pacote de apoio à habitação, para garantir ajuda às famílias em dificuldade, face ao aumento das taxas de juro.

(Créditos fotográficos: Inês Rocha – rr.sapo.pt)

Sobre a “Bonificação de Juros”, o “Explicador” observa que o Estado simplificou o patamar a partir do qual garante o apoio. Com as novas regras, o universo de empréstimos abrangidos foi alargado até 250 mil euros. E o Estado paga parte da mensalidade do crédito referente aos juros, que pode ser de 75% ou de 50%, sendo o capital suportado, na íntegra, pelas famílias.

A variação da percentagem do apoio difere conforme os casos, isto é, depende do escalão de rendimentos e da intensidade da subida da taxa de juro

Esta medida aplica-se aos créditos de taxa variável para compra, construção e reabilitação de casa própria celebrados até 15 de março e em que a taxa de esforço ultrapasse os 35%. Os contratos com taxa mista também são abrangidos, ou seja, os créditos que, tal como o nome diz, são de taxa fixa num momento inicial e que, depois, passam a ser de taxa variável. De fora, ficam os créditos à habitação de taxa fixa que têm taxa fixa, num momento inicial.

A variação da percentagem do apoio difere conforme os casos, isto é, depende do escalão de rendimentos e da intensidade da subida da taxa de juro. Os rendimentos até ao 4.º escalão do IRS, ou seja, até aos 20.700 euros anuais, têm uma bonificação de 75%. Acima desse valor, o apoio recua para os 50%. E as famílias têm direito a esta ajuda dos 50% até ao 6.º escalão do IRS, ou seja, até aos 38.632 euros brutos anuais. Também podem ter acesso a este apoio os detentores de outro tipo de património, como poupanças, seguros de capitalização e certificados de aforro, até um limite de 29.786 euros, ou seja, 62 vezes o Indexante de Apoios Sociais (IAS).

Esta bonificação durará até ao final deste ano, mas o primeiro-ministro admitiu prolongamento, caso tal se justifique.

(tvi.iol.pt)

Outra das medidas apresentadas pelo Governo é o apoio às rendas, que vai vigorar durante cinco anos. As famílias que tenham direito a esta ajuda vão recebê-la, de forma automática, a partir de junho, com retroativos a janeiro. Tal como acontece com o apoio aos empréstimos, a medida aplica-se aos rendimentos até ao 6.º escalão do IRS, nos casos em que os custos com a renda ultrapassem os 35% da taxa de esforço.

Em mais de 900 mil contratos de arrendamento, só 150 mil – cerca de um em cada seis – é que está declarado ao Fisco. Portanto, para terem acesso ao apoio à renda, os inquilinos devem verificar se o contrato está registado nas Finanças

Todos os contratos de arrendamento de habitação celebrados até 31 de dezembro de 2022 podem ser objeto deste apoio, que irá, no máximo, até aos 200 euros mensais. Mas é de ter em conta que os montantes são depositados pela AT, de forma automática, na conta bancária do beneficiário. Logo, a medida só beneficia famílias com contratos de arrendamento declarados às Finanças, que são a esmagadora minoria. Em mais de 900 mil contratos de arrendamento, só 150 mil – cerca de um em cada seis – é que está declarado ao Fisco. Portanto, para terem acesso ao apoio à renda, os inquilinos devem verificar se o contrato está registado nas Finanças.

Já em relação ao arrendamento coercivo de casas devolutas, ainda não há novidades. E essa é a medida mais polémica do pacote “Mais Habitação”, mas está em consulta pública até 24 de março. Só depois disso, será discutida e votada em Conselho de Ministros, a 30 de março.

***

Como declarou à agência Ecclesia José Pires Manso, “estas medidas são bem-vindas; talvez pequem por tardias”. Disse supor que terão “efeito imediato nos contratos de arrendamento celebrados recentemente, que entrarão imediatamente em vigor com a bonificação e atribuição de subsídios”, esperando que “o processo burocrático de atribuição não seja demasiado complicado e possa permitir a entrada em vigor imediata”. Aí, como se viu, o governo garante o automatismo dos pagamentos, com base nos registos documentais existentes na Segurança Social e na AT.

Diz José Pires Manso que “estas medidas são bem-vindas” e que “talvez pequem por tardias”. (Créditos fotográficos: capeiaarraiana.pt)

Pires Manso radica o motivo do aumento das taxas de juro na guerra na Ucrânia e na escassez de combustíveis, mas admite que o problema com a habitação não é novo. E frisa o lado positivo, embora tardio, do pacote de medidas para apoiar as famílias a suportar o aumento dos juros com a habitação e a fazer face às rendas, através de ajuda na bonificação de juros, no caso de empréstimo, e com o apoio mensal no caso do aluguer de imóveis. E, lendo a realidade, sustenta: “A escassez de oferta de casas, quer novas como usadas, tem feito uma pressão enorme sobre a habitação, e as famílias não têm poder de compra – mesmo as de classe média – para fazer face à aquisição desses bens”.

Além disso, admite que outras medidas que possam vir a ser tomadas, como o fomento à construção e ao arrendamento, com casas do Estado e das autarquias que necessitem de obras de recuperação e grandes investimentos, “ajudarão a minimizar o problema a médio prazo, mas a curto prazo não são fáceis de fazer”.

O especialista em economia e gestão, alerta que estas medidas não podem fazer esquecer outras. E lamenta: “Se percebermos as taxas de pobreza no país, vemos que são elevadas, apesar dos apoios que têm sido concedidos, quer nas crianças, nos jovens, como nos adultos. É um problema complexo e a habitação não é mais do que outros que afetam as famílias. Sabemos de famílias que, neste momento, têm dificuldade em adquirir alimentos, estão a reduzir as doses de carne ou peixe, fundamentais para a alimentação, e outros a encarar o abandono do sistema escolar.”

“Se percebermos as taxas de pobreza no país, vemos que são elevadas, apesar dos apoios que têm sido concedidos, quer nas crianças, nos jovens, como nos adultos”, observa Pires Manso

Na verdade, as famílias sofrem enorme pressão decorrente de vários aspetos; e a habitação é um dos vetores onde é fundamental o governo intervir, o que está a fazer corretamente, na opinião do especialista. Porém, tem de se dar estímulos para que as casas funcionem, como ajudas na aquisição de serviços de água, de luz e de gás. E as pessoas precisam de comida, de roupa e de acesso à saúde, à segurança social e à educação. 

(outofthebox.pt)

Pires Manso crê que o pacote de apoio à habitação ajude a regular o preço das rendas, permitindo às famílias maior capacidade financeira: “Com a existência de apoios, isso vai levar à baixa de rendas e algumas famílias vão poder comprar ou arrendar em condições mais favoráveis.”

Este membro do Observatório da Pobreza e da Fraternidade foca ainda a importância de continuar a acompanhar, “de forma próxima e real”, a vida concreta das pessoas, que procuram, diariamente, “a Cáritas e outras instituições de ação social, para ajuda na compra de medicamentos essenciais à sua vida, mas de que serão os primeiros a abdicar, porque não têm dinheiro”. Indica ser, por isso, “fundamental” a proximidade à realidade, traduzida pelas pessoas necessitadas, para que os alertas necessários que fazem “gizar políticas sociais a curto prazo” possam ter efeito e, assim, responder às necessidades imediatas. E sustenta que, por esta via, se consegue ter acesso, quase imediato, às necessidades das famílias, ao passo que, esperando os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), que surgem tarde, se ataca o problema, quando já não tem solução.

***

Ao invés, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) defendeu, a 17 de março, na atualização das previsões económicas, mais aumentos das taxas de juro em muitas economias, incluindo a da Zona Euro e a dos Estados Unidos da América (EUA), e recomendou que as medidas de apoio se foquem nos mais vulneráveis. Esquece a dificuldade da classe média!

Neste sentido, prevê que as taxas de juro atinjam o pico entre 5,25%-5,5% nos EUA, 4,75% no Canadá e 4,25% na Zona Euro (taxa principal de refinanciamento) e no Reino Unido.

OCDE defende mais aumentos das taxas de juro na zona euro e nos EUA. (jornaleconomico.pt)

Na atualização das previsões económicas intercalares divulgadas àquela data, a OCDE, cujo relatório se intitula “Recuperação frágil”, considera que “a política monetária precisa de permanecer restritiva, até que haja sinais claros de que as pressões na inflação subjacente sejam reduzidas de forma duradoura”. E assinala que são necessários mais aumentos nas taxas de juros em muitas economias, incluindo os EUA e a Zona Euro, prevendo que, estando a inflação “core” a recuar lentamente, as taxas de juros continuarão altas até meados de 2024. Porém, ao mesmo tempo, antecipa que “o declínio projetado da inflação nos próximos dois anos pode permitir uma leve flexibilização da política monetária em algumas economias, em 2024, principalmente naquelas em que o ciclo de aperto já está próximo de ser concluído”.

A OCDE, no relatório “Recuperação frágil”, considera que “a política monetária precisa de permanecer restritiva, até que haja sinais claros de que as pressões na inflação subjacente sejam reduzidas de forma duradoura”

A OCDE, a justificar que o apoio orçamental para mitigar o impacto dos altos preços dos alimentos e da energia tem de se focar nos mais vulneráveis, aduz que um melhor direcionamento e a redução oportuna dos apoios gerais ajudariam a garantir a sustentabilidade orçamental, a preservar os incentivos para reduzir o uso de energia e a limitar a procura.

Por fim, defende os esforços para reformas e o reforço da cooperação internacional para ajudar a superar a insegurança alimentar e energética.

Também o INE, em comunicado de 17 de março, menciona que, nos contratos celebrados nos últimos três meses, a taxa de juro subiu de 3,139%, em janeiro, para 3,409%, em fevereiro, tendo subido o valor médio da prestação 38 euros, para 569 euros. Por outro lado, a taxa de juro implícita dos contratos de crédito à habitação subiu para 2,532%, em fevereiro, o valor mais elevado desde março de 2012, e mais 34,9 pontos base do que em janeiro. E, ainda em fevereiro, o capital médio em dívida aumentou 177 euros, para 62.533 euros, e a prestação média fixou-se em 322 euros, mais sete euros do que em janeiro e mais 67 euros (26,3%) que no mesmo mês de 2022.

Por seu turno, o Banco Central Europeu (BCE) subiu a taxa diretora de juros e quer que os apoios se circunscrevam às pessoas mais frágeis economicamente, esquecendo a classe média baixa, o que o governo, em boa hora, está a tentar ignorar. Até quando?!

***

A ditadura do poder financeiro, tantas vezes sem rosto e a construir uma economia virtual, tolhe a intervenção dos governos na economia, obrigando-os, sob a capa da ajuda aos mais pobres, a transferir dinheiro público para a banca e para os que fazem das casas uma mercadoria financeira, quando o problema se poderia resolver com a limitação de preços, com o combate à corrupção e com a travagem à especulação. Mas a soberania foi capturada pelo capitalismo caprichoso.

.

20/03/2023

Siga-nos:
fb-share-icon

Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

Outros artigos

Share
Instagram