A carta da EDP

(© Dinheiro Vivo)
Há dias, recebi uma carta da EDP. A carta, que tinha uma lengalelenga fastidiosa, era assinada por um altíssimo quadro da empresa. A missiva só tinha um objectivo: dizer-me que, a partir de Janeiro, a conta da luz vai aumentar três por cento.
Dizia-se, na dita carta, que a EDP tudo fez para que assim não acontecesse. Todavia, “situações excepcionais” a tal obrigam. Estas que a EDP invoca, segundo li depois nos jornais: “A volatilidade do custo de aquisição de energia e a descida das Tarifas de Acesso às Redes ainda provisórias.”
O aumento anunciado para daqui a meia dúzia de dias não é nenhuma excepcionalidade. Tem sido assim desde de 22 de Dezembro de 2011. Isto é, a partir do momento em que a Parpública, a holding que gere as participações do Estado comunicou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que o Governo de Pedro Passos Coelho e de Paulo Portas tinha escolhido a China Three Georges Corportion para adquirir 21,35% do capital social da EDP.

O assalto chinês à EDP foi amplamente festejado. E assinalado com champanhe, pelo então ministro da Economia e do Emprego, Santos Pereira, e pelo ex-ministro da Economia (num Governo de Cavaco), Eduardo Catroga, em representação da China Three Georges Corportion, condição que manteve até 2021, apesar dos seus gloriosos 78 anos de idade.
Sabe-se que, hoje, a EDP – Energias de Portugal é uma mera e enganosa sigla. Basta ver os seus accionistas principais: China Three Georges Corportion (21,08%); Black, Inc (9,3%); Oppidum Capital, S.L (7,20%); e Canada Pension Plan Investment Board (5,99 %).
A privatização da EDP só foi boa para os seus donos e para o seu energético servidor Catroga. Aos chorudos lucros obtidos desde então, em 2019 procedeu à venda de seis barragens por 2,2 milhões a um consórcio de “investidores, formado pela Engie, Crédit Agricole Assurances e Mirova”.

José Saramago bem avisou contra o engodo. E as falsas promessas dos defensores das privatizações nos Cadernos de Lanzarote – Diário III, página 148. Escreveu o nosso único Prémio Nobel da Literatura (1998): “Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.”
Infelizmente, poucos escutaram o seu alerta. E hoje todos pagamos o custo das privatizações com juros altíssimos. Mesmo que as más novas cheguem à caixa do correio com dias e dias de atraso, como acontece desde que os CTT foram parar às mãos dos privados Manuel Champalimaud SGPS, SA e comparsas.
15/12/2022